4 - O julgamento do RE 343.466 pelo STF
Em outro giro, como já dito, o tema ainda não chegou ao C. Supremo Tribunal Federal.
Não obstante isso, também conforme já referido, aquela C. Corte já se manifestou sobre a constitucionalidade da contribuição social destinada ao custeio do Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) (Lei n. 7.787/89, arts. 3º e 4º; Lei n. 8.212/91, art. 22, na redação conferida pela Lei n. 9.732/98), sobre o total da remuneração, abordando, ainda que de forma reflexa, sua regulamentação, àquela época, pelo Decreto n. 612/92 e posteriores alterações (Decretos 2.173/97 e 3.048/99), em caso em tudo bastante semelhante ao aqui em discussão, no julgamento do RE n. 343.446/SC, cuja ementa abaixo se transcreve:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO: SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO - SAT. Lei 7.787/89, arts. 3º e 4º; Lei 8.212/91, art. 22, II, redação da Lei 9.732/98. Decretos 612/92, 2.173/97 e 3.048/99. C.F., artigo 195, § 4º; art. 154, II; art. 5º, II; art. 150, I.
I. - Contribuição para o custeio do Seguro de Acidente do Trabalho - SAT: Lei 7.787/89, art. 3º, II; Lei 8.212/91, art. 22, II: alegação no sentido de que são ofensivos ao art. 195, § 4º, c/c art. 154, I, da Constituição Federal: improcedência. Desnecessidade de observância da técnica da competência residual da União, C.F., art. 154, I. Desnecessidade de lei complementar para a instituição da contribuição para o SAT.
II. - O art. 3º, II, da Lei 7.787/89, não é ofensivo ao princípio da igualdade, por isso que o art. 4º da mencionada Lei 7.787/89 cuidou de tratar desigualmente aos desiguais.
III. - As Leis 7.787/89, art. 3º, II, e 8.212/91, art. 22, II, definem, satisfatoriamente, todos os elementos capazes de fazer nascer a obrigação tributária válida. O fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de "atividade preponderante" e "grau de risco leve, médio e grave", não implica ofensa ao princípio da legalidade genérica, C.F., art. 5º, II, e da legalidade tributária, C.F., art. 150, I.
IV. - Se o regulamento vai além do conteúdo da lei, a questão não é de inconstitucionalidade, mas de ilegalidade, matéria que não integra o contencioso constitucional. V. - Recurso extraordinário não conhecido.
(STF, RE 343.446-2/SC, T.P., v.u., j. em 20/03/03, rel. Min. Carlos Velloso. DJ 04-04-2003 PP-00040. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=261045. Acesso em 30/07/10. Destaques nossos.)
Do voto do i. Relator e no ponto que interessa ao deslinde da questão, colhe-se que o regulamento, no caso, era delegado, intra legem, e, portanto, não afrontava o art. 84, IV, da CF/88. [18]
Aduziu o Ministro-Relator, referindo-se ao voto proferido pela então Juíza Federal do E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região Ellen Gracie, que "o fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de ‘atividade preponderante’ e ‘grau de risco leve, médio ou grave’, não implica ofensa ao princípio da legalidade tributária". [19]
Reafirmou seu entendimento no sentido de que é possível deixar por conta do Executivo o estabelecimento de normas em regulamento, desde que os standards ou padrões estejam previamente definidos em lei stricto sensu, a fim de que se possa atender às necessidades da administração pública na realização do interesse coletivo. [20]
Arrematou com a seguinte conclusão, perfeitamente aplicável à questão aqui em discussão: [21]
No caso, o § 3º do art. 22 da Lei n. 8.221/91, estabeleceu que o Ministério do Trabalho e da Prev. Social "poderá alterar, com base nas estatísticas de acidentes do trabalho, apuradas em inspeção, o enquadramento de empresas para efeito da contribuição a que se refere o inciso II deste artigo, a fim de estimular investimentos em prevenção de acidentes". Da leitura conjugada do inc. II, alíneas a, b e c, do art. 22, com o § 3º, do mesmo artigo, vê-se que a norma primária, fixando a alíquota, delegou ao regulamento alterar, com base em estatística, o enquadramento referido nas mencionadas alíneas. A norma primária, pois, fixou os padrões e, para a sua boa aplicação em concreto, cometeu ao regulamento as atribuições mencionadas. (Destaques nossos.)
5 - Conclusão
De todo o exposto, verifica-se que não merece prosperar o argumento da inconstitucionalidade do art. 10, da Lei n. 10.666/03 e, por arrastamento, dos Decretos que o regulamentaram, porque não há ofensa ao princípio da reserva legal formal.
E assim é, porque no campo da instituição de tributos, a função da lei stricto sensu se esgota com a previsão dos aspectos material, pessoal, quantitativo, temporal e espacial da hipótese de incidência.
No mais, apenas fixou a norma primária os standards, de forma inteligível e razoável, em cuja delimitação atuou o art. 202-A, do regulamento introduzido pelo Decreto n. 3.048/99, com alterações que lhe deram os diplomas posteriores, de forma a dar concretude aos princípios da isonomia tributária, da eficiência da Administração Pública, do valor social do trabalho e demais direitos sociais constitucionalmente assegurados, bem como ao da equidade na participação do custeio da previdência social.
Enfatize-se que o regulamento aqui é do tipo delegado ou autorizado, segundo posicionamento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho e de Carlos Mário da Silva Velloso, intra legem, ou seja, complementa os comandos da lei, a qual se caracteriza pelos predicados da generalidade, imperatividade e abstração, de acordo com as condições que ela mesma estatui.
Não vai além, não inova o ordenamento jurídico, não ofende o comando do art. 84, IV, da Carta Magna, mas apenas e tão-somente, dentro do campo de atuação que lhe foi prescrito pela norma primária, apresenta variáveis impossíveis de serem mensuradas pelo legislador, porque extraídas de elementos de fato (frequência, gravidade e custo), relacionados ao risco da atividade econômica preponderante das empresas, obtidos através de estudo analítico e estatístico do comportamento destas ao longo dos anos.
Ademais, num juízo de proporcionalidade, é bastante razoável que quem zela pela segurança e saúde de seus empregados recolha menos contribuição do que quem nada faz. É, sem dúvida, forma de se dar concretude ao princípio da dignidade da pessoa humana como o mais basilar do Estado Brasileiro.
Referências Bibliográficas
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 5.ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002.
STF, RE 343.446-2/SC, T.P., v.u., j. em 20/03/03, rel. Min. Carlos Velloso. DJ 04-04-2003 PP-00040. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=261045. Acesso em 30/07/10.
TRF3R., AI 399.144, Autos n. 2010.0.00.005448-6, 2. T., v.u., j. em 27/04/10, rel. Des. Fed. Henrique Herkenhoff. DJF3 CJ1, 06/05/10, p. 166. Disponível em: http://diario.trf3.jus.br/visualiza_acordaoDE.php?codigo_documento=624536. Acesso em 28/09/10.
TRF3R., AI 400.491, Autos n. 2010.03.00.007056-0, 5. T., v.u., j. em 13/09/10, rel. Des. Fed. André Nekatschalow. DJF3 CJ1, 28/09/10, p. 645. http://diario.trf3.jus.br/visualiza_acordaoDE.php?codigo_documento=712525. Acesso em 28/09/10.
VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Temas de direito público. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.
Notas
- VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Temas de direito público. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p. 443.
- Id., Ibid., p. 443.
- Id., Ibid., p. 443. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 5.ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 160-161. Explica este Professor que as leis delegadas compreendem-se na esfera da legislação "consentida", fruto da concessão do Parlamento, enquanto que as medidas provisórias estão na da legislação "permitida", em razão de atribuição ofertada pela própria Constituição.
- VELLOSO, op. cit., p. 443.
- FERREIRA FILHO, op. cit., p. 160.
- VELLOSO, op. cit., p. 443.
- Id. Ibid., p. 444-445.
- Id. Ibid., p. 445.
- Id. Ibid., p. 445.
- FERREIRA FILHO, op. cit., p. 161.
- VELLOSO, op. cit., p. 429, 448-449 e 439. Os exemplos foram atualizados, tendo em vista que extraídos do texto "Do poder regulamentar", inserido na obra citada, mas escrito na vigência da CF/67, conforme nota explicativa do próprio autor.
- Id., Ibid., p. 431.
- Id., Ibid., p. 431.
- FERREIRA FILHO, op. cit., p. 162 e 164. O autor esclarece que os regulamentos praeter legem sãoaqueles editados no espaço vazio porventura deixado pelas leis vigentes, os quais, por isso, flagrantemente criam regras novas, não sendo atualmente admitidos no Brasil.
- Id., Ibid., p. 164.
- TRF3R., AI 399.144, Autos n. 2010.0.00.005448-6, 2. T., v.u., j. em 27/04/10, rel. Des. Henrique Herkenhoff. DJF3 CJ1, 06/05/10, p. 166. Disponível em: http://diario.trf3.jus.br/visualiza_acordaoDE.php?codigo_documento=624536. Acesso em 28/07/10.
- TRF3R., AI 400.491, Autos n. 2010.03.00.007056-0, 5. T., v.u., j. em 13/09/10, rel. Des. Fed. André Nekatschalow. DJF3 CJ1, 28/09/10, p. 645. Disponível em: http://diario.trf3.jus.br/visualiza_acordaoDE.php?codigo_documento=712525. Acesso em m 28/09/10.
- STF, RE 343.446-2/SC, T.P., v.u., j. em 20/03/03, rel. Min. Carlos Velloso. DJ 04-04-2003 PP-00040. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=261045. Acesso em 30/07/10.
- Id., Ibid.
- Id., Ibid.
- Id., Ibid.