INTRODUÇÃO
Os contratos são ajustes obrigatórios entre as partes. Mas o fundamento desta obrigatoriedade não é consenso na doutrina. Após o surgimento de diversas teorias, generalizou-se a convicção de que este fundamento seria a autonomia da vontade das partes. Uma vez que as partes, por livre vontade obrigaram-se, deveriam cumprir o que pactuaram.
Não obstante, em contratos de execução diferida ou continuada, a doutrina se deparou com a possibilidade de ocorrerem fatos imprevisíveis que modificassem a situação em que um contrato havia se firmado originalmente, gerando excessiva onerosidade para uma das partes.
Assim, a vontade como fundamento do contrato passou a ser questionada. Se, por um lado, o contrato deveria ser mantido porque teria decorrido da livre disposição da vontade das partes, por outro lado, era inegável a injustiça advinda desta obrigatoriedade.
A possibilidade de revisão dos contratos passou a ser aventada, havendo vários fundamentos que a justificavam na doutrina, inclusive alguns que se baseavam na própria vontade das partes, que teria sido deturpada pelo fato superveniente e imprevisível e deveria ser restaurada.
Ocorre que a acurada investigação acerca do fundamento da obrigatoriedade dos contratos, que se relaciona com a possibilidade deste ser revisto ou extinto, não pode se basear unicamente na vontade das partes.
Sob o pano de fundo da aplicação da teoria da imprevisão, constata-se que o motivo para os contratos obrigarem ou poderem ser revistos se baseia no interesse social, no caráter que o contrato assume como elemento que interfere na sociedade, e não só na relação privada das partes.
FUNDAMENTOS DA OBRIGATORIEDADE DOS CONTRATOS
Todos os ordenamentos jurídicos consagram a obrigatoriedade dos contratos, sem exceção. Em razão desta unanimidade, acredita-se que a uniformidade de regulamentação não é uma regra arbitrária inserida nas diferentes legislações por uma simples coincidência. Há fundamentos considerados relevantes para que os contratos sejam estipulados como de cumprimento obrigatório.
Apesar da idéia da força obrigatória dos contratos ser de aceitação geral, o seu embasamento não é sempre o mesmo, havendo diversas teorias que tratam dos fundamentos da obrigatoriedade dos contratos.
Há diversas teorias que explicam o fenômeno da obrigatoriedade dos contratos, destacando-se algumas teorias principais [01].
De acordo com a Teoria da Sociabilidade, também conhecida como Pacto Social, o fundamento da obrigação contratual residiria em uma convenção tácita e primitiva de fidelidade às próprias promessas, celebrada pelos homens.
Já conforme a Teoria da Ocupação, Posse ou Tradição, a promessa constituiria uma abdicação de direito e a aceitação importaria na ocupação do direito abdicado, operando-se, assim, a tradição.
A Teoria do Abandono da própria liberdade preceitua que todo homem teria uma esfera particular de direito, na qual poderia impedir o ingresso de qualquer outro, mas, se livremente o permitisse, não haveria injustiça na apropriação pelo credor de uma parte de sua liberdade.
De acordo com a Teoria do Interesse, o homem deve manter, lealmente, suas promessas, no próprio interesse, porque, de outro modo, perderia a confiança pública e dificilmente encontraria com quem contratar.
O fundamento da Teoria de Ahrens é que a consciência e a razão mandam fazer o bem, e, por conseqüência, é necessário respeitar as próprias promessas. Acresce que, se as promessas pudessem ser violadas impunemente, a ordem social tornar-se-ia impossível, a sociedade seria inútil e o homem ficaria reduzido às suas próprias e frágeis forças.
Em conformidade com a Teoria do Neminem Laedere, não seria tolerável que se ofenda ou se faça mal a outrem, arrebatando-lhe o direito.
A Teoria da Veracidade prescreve que o homem deve manter as suas promessas, porque a lei da natureza o obriga a dizer a verdade. O ser humano tem a liberdade de prometer ou não, mas se promete, o dever de ser verdadeiro o obriga a cumprir o prometido.
Por fim, a Doutrina de Cimballi defende que a essência da força obrigatória do contrato estaria na liberdade natural de disposição da própria liberdade e na necessidade de respeitar o direito do aceitante.
Grande parte dos doutrinadores afirma que o consentimento, ou seja, a vontade contratual obtida pela fusão conjunta da vontade dos contratantes seria o fundamento da obrigatoriedade dos contratos. O ato jurídico pode ser formado unilateralmente ou bilateralmente, havendo a intervenção de uma ou mais vontades. Mas apenas havendo a intervenção de mais de uma vontade é que poderia haver obrigação contratual.
Entretanto, segundo Darcy Bessone [02], a possibilidade da declaração unilateral da vontade possuir força imperativa evidenciou que a vontade unilateral, independente do consentimento, também pode obrigar. Inclusive, há vários exemplos da obrigatoriedade da vontade unilateral do atual direito brasileiro, como a obrigatoriedade da manutenção de uma oferta mesmo antes de alguém aceitar. Então, se a declaração unilateral também tem caráter obrigatório, não há razão para se afirmar que o caráter obrigatório resulta apenas do acordo de vontades.
O contrato pode ser decomposto em diversas promessas unilaterais que possuem caráter obrigatório. Por isto a promessa antecede o caráter obrigatório do contrato. O consentimento tornará irrevogáveis as proposições unilaterais. A aceitação extingue a faculdade de revogação. Mas a obrigatoriedade não se confunde com a irrevogabilidade.
Por isto, surge o questionamento acerca do motivo do poder obrigatório da declaração de vontade.
Nas relações humanas, a declaração de vontade é instrumento natural e indeclinável. Para ser eficaz, é necessário que seja obrigatória quando possa afetar interesses alheios. O contrato sempre afeta interesses de terceiros, mas a declaração unilateral nem sempre o faz. Mas se o afetar, será imprescindível que o seu cumprimento possa ser compelido forçosamente.
A sanção é essencial à segurança das relações jurídicas, pois quem é beneficiário de uma promessa deve poder contar com a sua execução. Portanto, eis que se apresenta uma razão ou necessidade social que justifica a obrigatoriedade das declarações que afetem ou possam afetar interesses alheios. Além disso, quem promete livremente cria, por sua própria vontade, um limite à sua liberdade, relativo ao ato ou abstenção prometida.
Correspondendo à necessidade social de segurança nas relações jurídicas, a obrigatoriedade tem a sua forma na autonomia da vontade do promitente, por constituir a promessa uma permitida e renúncia da própria liberdade.
Esta concepção relativa ao contrato e à declaração unilateral de vontade adapta-se às teorias já apresentadas. Possui consonância com a Teoria da Sociabilidade, à Teoria do Interesse, à de Ahrens, à do Neminem Laedere e à da Veracidade.
Deveriam ser parcialmente revistas a Teoria da Ocupação, a do abandono e, de certo modo, a de Cimballi, a fim de que pudessem agasalhar também a declaração unilateral. Quanto à primeira, a abdicação vincularia antes mesmo da aceitação ou ocupação, podendo registrar-se um período no qual a situação permanecesse em suspenso, com o direito já abdicado, mas ainda não ocupado por outrem. Do mesmo modo, na Teoria do Abandono, este dito abandono se verificaria antes do ingresso do credor, ocorrendo período semelhante. Na Teoria de Cimballi, mas simples seria a adaptação, talvez até desnecessária, porque, também na declaração unilateral, o declarante dispõe de sua liberdade, independentemente da aceitação imediata, mas é por uma necessidade de respeitar o direito do credor que se lhe confere eficácia.
Defendeu Orlando Gomes [03] que o princípio da força obrigatória dos contratos consubstancia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes. Tendo sido celebrado com observância de todos os pressupostos e requisitos, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos imperativos.
Se o seu conteúdo foi estipulado adequadamente, as cláusulas têm força obrigatória. O contrato torna-se intangível. Nenhuma consideração de equidade justificaria a revogação unilateral do contrato ou a alteração de suas cláusulas, que somente se permitem mediante novo concurso de vontades. O contrato importa restrição voluntária da liberdade, cria vínculo do qual nenhuma das partes pode se desligar sob o fundamento de que a execução a arruinará ou de que não o teria estabelecido se houvesse previsto a alteração radical das circunstancias.
Esta força obrigatória atribuída pela lei aos contratos é o fundamento que suporta a segurança das relações jurídicas. O princípio da intangibilidade do conteúdo dos contratos significa a sua impossibilidade de revisão, pelo juiz. Também significa que as partes não podem se libertar do contrato mediante um ato unilateral. As cláusulas contratuais não podem ser alteradas judicialmente, seja qual for a razão invocada por uma das partes. Se ocorrem motivos que justificam a intervenção judicial, há de realizar-se para a decretação da nulidade ou da resolução do contrato, nunca para a modificação de seu conteúdo.
Em virtude do princípio da força obrigatória dos contratos, este raciocínio encontra justificativa na regra moral de que todo homem deve honrar a palavra empenhada, bem como em decorrência do princípio da autonomia da vontade, pois a possibilidade da intervenção do juiz atingiria a liberdade de contratar.
Orlando Gomes [04] reconhece que, a despeito da obrigatoriedade dos contratos, passou-se a aceitar, em caráter excepcional, a possibilidade de intervenção judicial no conteúdo de certos contratos. A mudança de orientação deve-se a acontecimentos extraordinários que revelaram a injustiça da aplicação do princípio em seus termos absolutos.
Como bem afirmou César Fiúza [05], para alguns jusnaturalistas, os fundamentos do princípio da obrigatoriedade contratual se encontram no contrato social. As pessoas, ao se agruparem em sociedade, formularam uma espécie de contrato, estabelecendo regras de convivência. Dentre elas, a obrigatoriedade dos contratos. Para outros jusnaturalistas, as bases do princípio se encontram na própria natureza humana. De qualquer forma, para a escola jusnaturalista, esse princípio seria indubitavelmente norma de direito natural.
Para os utilitaristas, como Jhering, os fundamentos do princípio da obrigatoriedade contratual estariam na conveniência de respeitar para ser respeitado.
Na concepção positivista, o fundamento estaria no direito positivo. O contrato obriga porque esta regra está na lei. Segundo o normativismo kelseniano, é também a Lei o fundamento do princípio, que se origina da norma fundamental. Já para Kant, o princípio funda-se na própria liberdade de contratar. O contrato obriga por terem as partes assim se acertado.
Embora tenha havido muitas teorias para justificar a força obrigatória dos contratos, o Estado Moderno Liberalista, vigente no século 19, criou o dogma da autonomia da vontade, que impregnou fortemente o Direito Contratual, criando a sua concepção denominada como clássica.
Na concepção clássica e tradicional de contrato, a vontade é o elemento essencial, a fonte, a legitimação da relação contratual; afinal, se o homem é livre para manifestar a sua vontade e para aceitar somente as obrigações que a sua vontade cria, ficaria evidente que, por trás da teoria da autonomia da vontade, está a idéia de superioridade da vontade sobre a lei. O direito deve moldar-se à vontade, deve protegê-la, interpretá-la. A vontade é, portanto, a força fundamental que vincula os indivíduos. Analisando a concepção clássica do contrato, Cláudia Lima Marques [06] afirma:
"Na concepção clássica, portanto, as regras contratuais deveriam compor um quadro de norma supletivas, meramente interpretativas, para permitir e assegurar a plena autonomia de vontade dos indivíduos, assim como a liberdade contratual. Esta concepção voluntarista e liberal influenciará as grandes codificações do Direito e repercutirá no pensamento jurídico do Brasil, sendo aceita e positivada pelo Código Civil Brasileiro de 1917."
Assim, de acordo com o entendimento tradicional dos contratos, uma vez celebrados pelas partes, na expressão de sua vontade livre e autônoma, os contratos não podem mais ser modificados, a não ser por mútuo acordo. Devem ser cumpridos como se fossem lei. Este princípio contratual é conhecido como "pacta sunt servanda", que significa "os contratos devem ser cumpridos".
Evidentemente, este princípio é aplicado somente aos contratos realizados em consonância com a lei. Os contratos, bem como as suas cláusulas que forem contrárias ao direito, reputam-se ilegítimos, saindo da esfera do princípio da obrigatoriedade contratual. Este princípio tem larga base de fundamentação filosófico-doutrinária.
A teoria da autonomia da vontade tem como postulado que a vontade das partes é a única fonte da obrigação contratual, mesmo acima da autoridade da lei.
Enfim, a obrigatoriedade dos contratos foi embasada através das mais diversas teorias. Contudo, a concepção tradicional do contrato, que fortemente marcou a História ocidental, baseou-se, precipuamente, na vontade humana, na escolha livre do homem em se obrigar e, por este motivo, ser compelido a cumprir aquilo a que livremente se obrigou.
Ocorre, contudo, que este paradigma tem sido abandonado atualmente, em razão da adoção do princípio da socialidade e da função social dos contratos que privilegia o interesse social dos contratos em detrimento da pura autonomia da vontade.
A Socialização do Contrato
A questão do fundamento dos contratos foi fortemente marcada pela doutrina da autonomia da vontade. Contudo, as modificações na sociedade conduziram a uma nova etapa na evolução do pensamento jurídico. Interesses sociais, interesses outros que não os derivados da doutrina da autonomia da vontade, passaram a integrar as preocupações do direito dos contratos, destacando o papel maior da lei na nova noção do contrato.
De acordo com esta nova concepção, a autonomia da vontade não seria a fonte única da obrigação. A autonomia da vontade deveria ser entendida como auto-regulamentação de interesse das partes, e portanto, um ato de autonomia privada, mas este ato deveria ser realizado nas condições admitidas pelo direito, pois apenas desta forma o contrato teria eficácia jurídica. Desta forma, a lei se sobrepõe à autonomia da vontade.
Este novo ponto de vista destrói a posição de supremacia da vontade individual e livre no direito. Juntamente com a vontade individual, outros valores dividem o fundamento dos contratos, como a boa-fé, a confiança, a equidade e a segurança nas relações jurídicas na nova teoria contratual.
Assim, se na concepção clássica do contrato a vontade interna deveria prevalecer sobre a vontade declarada, na nova teoria contratual, a preferência recairá sobre a vontade declarada e a aparência de vontade, na chamada teoria da confiança.
Cláudia Lima Marques registra que:
O direito dos contratos socializado redescobre o papel da lei, que não será mais meramente interpretativa ou supletiva, mas cogente. (...) A lei protegerá determinados interesses sociais e servirá como instrumento limitador do poder da vontade. (...)
Em nossa opinião esta almejada justiça contratual encontra-se justamente na equivalência das prestações ou sacrifícios, na proteção da confiança e da boa-fé de ambas as partes [07].
A vontade continua sendo um dos fundamentos dos contratos, mas encontra limitações na função social do contrato, na boa-fé, na equidade. E o Estado limitará a autonomia da vontade através de normas e também da revisão ou extinção dos contratos na via judicial.
O direito desenvolve uma teoria contratual com função social, ou seja, reconhece a influência do aspecto social do contrato, incluindo aí a justiça no caso concreto. Nesta nova teoria há grande relevância da boa-fé e também da boa-fé objetiva; uma atuação dos contratantes que seja coerente com as expectativas razoáveis, que seja movida pela lealdade e vedando o abuso. A boa-fé acolhe um princípio ético, fundado na lealdade, confiança e probidade.
Pode se dizer que nos tipos de contratos mais modernos, como os contratos de consumo, vontade das partes, além de relativizada chega a ser mesmo dispensável. De fato, há relações sociais que implicam em obrigações, e, realmente o próprio viver está mesmo juridicizado. E isto não causa espanto quando se fala em responsabilidade civil extracontratual, que é uma das formas pelo qual o viver implica em obrigações para terceiros independentemente de nossa vontade. Mas é claro que há limites para a juridicização do contato social, e este limite é semelhante ao do contrato atual: a boa-fé, o princípio da confiança, a equidade.
A sociedade deve ser responsável pelo bem-estar social dos cidadãos e regular o direito dos particulares, sendo que a conseqüência disso é a relativização dos direitos subjetivos com a utilização do princípio da função social nas relações privadas.
Ainda que as partes de um contrato firmem um contrato privado patrimonial, a sociedade pode interferir nesta relação privada para assegurar o equilíbrio deste contrato para promover a harmonia das relações sociais, mesmo que tenha que mitigar a autonomia da vontade.
Taisa Maria Macena de Lima [08] sintetiza bem o princípio do solidarismo social:
Naturalmente, o princípio do solidarismo social não importa menosprezo pelos direitos individuais, mas uma tendência ao equilíbrio entre o valor da dignidade da pessoa humana e os valores coletivos.
Assim, o aspecto social passa a estar presente em todos os direitos e os deveres firmados pelos contratantes que devem ser realizados funcionalmente, mas sem se afastar dos fins econômicos e sociais pelos quais o contrato foi celebrado. Defronte do ponto de vista de socialidade, constata-se que o direito contratual, em razão das novas realidades sócio-econômicas, precisou se adaptar e adquirir uma nova função, que significa a realização da justiça e o equilíbrio contratual.
A socialização se manifesta no intervencionismo do Estado na vida dos contratos e na própria mudança dos paradigmas, o que acabará por levar a maior utilização dos princípios da boa-fé e da revisão contratual na formação e execução das obrigações.
Essa perspectiva está ligada à nova compreensão da vontade no fenômeno negocial e da ‘função do contrato’, esta como fonte autônoma de relações obrigacionais. Desta forma, o contrato passa a ter a função precípua de resguardar a justiça e a equidade.
Revisão dO cONTRATO POR situações supervenientes
Como se constatou, atualmente um dos princípios que regem os contratos é o princípio da justiça contratual. E a equidade é fundamental ao princípio da justiça contratual. É a equidade que impede que a regra jurídica conduza a injustiças, trata-se da aplicação da justiça no caso concreto.
Desta forma, nos contratos de execução futura ou diferida, existe a probabilidade dos fatos sobre os quais o contrato foi construído se modifique com o tempo, gerando a onerosidade excessiva para uma das partes. Por conseqüência, esta modificação causará injustiça no contrato. Portanto, surge um importante problema a ser resolvido pelo direito: O contrato poderá ser resolvido ou alterado nesta circunstância?
Nos séculos 14 a 16, os juristas medievais, observando que as circunstâncias externas eram de extrema importância nos contratos de execução futura, sustentaram que, uma vez tornando-se o ambiente adverso ao já estipulado contratualmente, a execução do contrato deveria se adaptar ao novo ambiente, como objetivo de evitar o prejuízo excessivo de uma das partes [09].
Assim, consagrou-se a fórmula: "contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur". Traduzindo-se a expressão do latim, tem-se: "os contratos de execução sucessiva, dependentes de circunstâncias futuras, entendem-se pelas coisas como se acham".
Em resumo, esta teoria foi divulgada como obediência à cláusula rebus sic stantibus que significa deixar "as coisas como estão". Esta teoria, também conhecida por teoria da imprevisão, acaba por relativizar o pacta sunt servanda, porque pretende alterar a situação contratual, em virtude de desequilíbrio entre as partes. Por conseqüência, a rebus sic stantibus está implícita em todos os contratos de execução continuada ou diferida e, sendo assim, objetiva manter o contrato nos termos em que a negociação inicialmente se pautou, isto é, sem quaisquer alterações.
A rebus sic stantibus apresentou grande força na Idade Média, como uma forma de praticar a "Justiça Superior" de Deus, a que os homens estavam vinculados [10].
Destarte, a cláusula rebus sic stantibus, ínsita dos contratos, não necessariamente expressa, mas implícita, significaria que nas convenções que gerassem obrigações sucessivas ou dependentes do futuro, o seu cumprimento ficaria condicionado à permanência do estado de fato contemporâneo da formação do vínculo.
O cumprimento do contrato seria exigido apenas sob o pressuposto de que as circunstâncias do ambiente se conservassem inalteradas no momento da execução, permanecendo idênticas às que vigoravam no momento da celebração. Se esse estado se alterasse, havendo situação imprevisível ao tempo da celebração do ajuste, o contratante que, em conseqüência, tivesse seus encargos excessivamente majorados poderia ser desvinculado de sua obrigação.
Há objeções relevantes a esta teoria. Alega-se que a cláusula resolutória deve ser sempre prevista, sendo que admiti-la como implícita seria simples suposição, enquanto que considerá-la inerente aos contratos seria pura e perigosa ficção. Objeta-se também que, se a cláusula se relaciona com as alterações imprevisíveis, a sua própria admissibilidade como inserta na convenção, constituiria previsão contraditória.
Esta concepção entrou em declínio no século 16, época do Renascimento, quando se passou a valorizar mais a vontade do indivíduo de uma forma geral, inclusive quando expressa no contrato. No início do século 19, esta teoria estava totalmente abandonada. Inclusive, foi no século 19 que foi positivada a norma da força obrigatória dos contratos, através do Código Napoleônico, em que se procurou dar mais valor à autonomia da vontade.
No século 20, as idéias liberalistas perderam força e a causa deste fato se deveu, principalmente, ás guerras mundiais. Os conflitos generalizados trouxeram enormes desequilíbrios a certos contratos, e com a mudança da mentalidade liberal para a intervencionista, ressuscitou-se a antiga formula medieval: a doutrina da cláusula rebus sic stantibus.
Os modernos procuraram adaptar essa tese aos tempos atuais, e desta adaptação surgiram várias teorias. A maioria dessas teorias tem em comum a imprevisibilidade de certo evento, que vem destruir o equilíbrio do contrato, após a sua celebração e antes ou durante sua execução. A teoria da imprevisão seria um gênero do qual nascem várias teses específicas, as quais têm como principal objetivo delimitar o campo de aplicação do revisionismo contratual, ou seja, especificar em que circunstâncias os contratos poderiam ser revistos pelo juiz.
De acordo com a Doutrina da Cláusula Rebus Sic Stantibus, tem-se que, havendo a ocorrência de um fato imprevisível pelas partes que provoque onerosidade excessiva, o contrato pode ser revisto.
A Teoria da Pressuposição [11], defendida por Bernardo Windscheid e pelo austríaco Pisko, restaurou o prestígio do revisionismo contratual. As partes, ao celebrar um contrato, fazem uma representação mental da situação negocial em que se estão envolvendo. Esta pressuposição relaciona-se com os motivos do contrato. Quem manifesta sua vontade sob uma determinada pressuposição quer, da mesma forma de quem emite uma declaração de vontade condicionada, que o efeito jurídico pretendido só venha a existir se ocorrer um certo estado de relações.
O efeito do contrato perdura ainda que falte o pressuposto, mas então, sem corresponder à verdadeira vontade do emitente. A subsistência do contrato, mesmo que formalmente justificada, não contará com uma razão que a legitime. Então o emitente da promessa, prejudicado pela falta de correspondência entre a realidade anterior e a realidade diversa que ocorreu, que não era perceptível ao tempo da formação do vínculo, pode defender-se para fazer cessar o efeito jurídico superveniente.
A teoria da pressuposição ficava aquém da cláusula rebus sic stantibus, uma vez que basta que as circunstâncias futuras contrariem a pressuposição típica do contrato para que ele seja revisto, não sendo necessário que a situação seja imprevisível. Esta teoria teve larga repercussão.
A Teoria da Superveniência, defendida por Giuseppe Osti em 1914, considera que, como a promessa é para ser cumprida no futuro, o promitente, ao se vincular, faz a representação mental abstrata dos efeitos que posteriormente serão concretizados. Opera-se, então, a simples determinação de vontade, destinada a se traduzir em atos de vontade no momento da execução do prometido. Assim, ocorre a distinção da vontade contratual (vontade de se obrigar) da vontade marginal, que é a vontade de realizar a prestação, apenas determinada no momento da formação do contrato, mas cuja efetivação, por meio da prestação prometida, depende de uma atividade voluntária ulterior. A vontade marginal compreende a consecução efetiva da contraprestação, mas enquanto não se traduzir em atos, esta vontade não é perfeita e definitiva, porque até ela pode ser modificada a situação que constitui seu pressuposto, pela superveniência de eventos não previstos pelas partes [12].
Contudo, a tutela jurídica da vontade contratual tem por fundamento uma avaliação de seu conteúdo, do ponto de vista da utilidade social. E a utilidade social da obrigação está no fato dela ser um organismo dinâmico, destinado a conduzir a um resultado prático definitivo, e justamente neste ponto reside sua importância. Se o cumprimento da obrigação não conduz a resultado visado, a própria razão da tutela jurídica autoriza a sua eliminação, porque a prestação deixa de corresponder à vontade marginal. A superveniência seria o fato ulterior impeditivo da verificação do resultado concreto representado pelo promitente.
A Teoria da Condição Implícita floresceu na Inglaterra e tem como preceito a idéia de que a sobrevivência do contrato pressupõe uma condição implícita de que as circunstâncias externas permaneçam do mesmo modo no momento da execução. O problema foi encarado de forma empírica, através do conhecido caso da coroação [13].
Quando ocorreria a coroação de Eduardo VII, foram alugadas casas onde se poderia assistir a passagem do cortejo real. Contudo, o monarca ficou doente e a coroação foi adiada. Alteradas as circunstâncias previstas, os tribunais ingleses consideraram que os locatários não tinham obrigação de pagar pelos aluguéis. O fundamento da solução foi extraído da teoria das cláusulas tácitas ou subentendidas, aproximando-se da cláusula rebus sic stantibus.
Na França, após primeira guerra mundial, a questão jurídica era de suma relevância, em razão da desvalorização rápida do dinheiro. Nos contratos de fornecimento, o preço avençado tornava-se incoerente à época da entrega das mercadorias. O cumprimento dos contratos significaria a ruína econômica. O tradicional princípio do respeito ao contrato era difícil obstáculo.
A situação foi resolvida, após muitas divergências, através da Lei Failliot, segundo a qual os contratos comerciais celebrados durante a guerra e também aqueles celebrados em data próxima a ela, poderiam ser resolvidos, independentemente dos termos do pacto ou das leis, se, em virtude da guerra, houvesse onerosidade excessiva imprevisível [14].
Foi assim que, na França, através da jurisprudência e da Lei Failliot, foi elaborada a teoria da imprevisão. Na hipótese se haver embate entre os princípios da obrigatoriedade contratual e o princípio da boa-fé e da equidade, estes prevaleceriam nos contratos de execução futura quando houvesse circunstâncias imprevisíveis que agravassem a situação de uma das partes.
A Teoria da Base Negocial Subjetiva foi criada da Alemanha, tendo Oertmann por seu principal defensor. De acordo com esta teoria, ambas as partes em um contrato devem pressupor que a base do negócio permaneça a mesma. Se a base do negócio se modificar, o contrato poderá ser revisto Se apenas uma das partes tem uma pressuposição, esta será a apenas um motivo do contrato, e, se esta pressuposição não se verificar, o contrato não poderá ser revisto [15].
Como exemplo prático, é possível citar a seguinte situação: se o locatário aluga uma casa porque vai haver uma festa na região. Se a festa não se realiza, poderá rever o contrato somente se o locador estiver ciente que o motivo do contrato de locação é somente a realização da festa. A representação mental dos contratantes pelo qual ambos se guiaram, fixa o conteúdo do contrato, o qual não tem como pressuposto a imprevisibilidade das circunstâncias adversas.
A Teoria da Base Negocial Objetiva foi defendida por Larenz, na Alemanha [16]. Preceitua esta teoria que todo contrato é celebrado na expectativa de que certa situação presente permaneça, tendo os contratantes consciência disso ou não. Se ocorrer uma alteração total da situação não prevista por nenhuma das partes, e não levada em conta na celebração do contrato, pode ser que a manutenção do contrato se revele uma injustiça. A manutenção do conjunto de circunstâncias e o estado geral das coisas são necessários para que o contrato, segundo o significado dos contratantes, possa subsistir como relação dotada de sentido.
Em conformidade com a Teoria da imprevisibilidade econômica, a prestação contratual há de ser considerada impossível se a ela se opõem obstáculos extraordinários, que só se pode vencer com exagerado sacrifício. Nestes casos, o contrato deve ser revisto ou resolvido.
Na Itália foi criada a Teoria da Excessiva Onerosidade, pela qual se possibilita a extinção contratual por causa superveniente à sua conclusão que implique em excessiva onerosidade a uma das partes.
Em suma, a teoria da imprevisão, como um todo, consiste na possibilidade de desfazimento ou revisão forçada do contrato quando, por eventos imprevisíveis e extraordinários, a prestação de uma das partes torna-se exageradamente onerosa. Dá-se em momento posterior à conclusão do contrato, por isso se fala em desequilíbrio superveniente.
A possibilidade de revisão contratual é teoria que vem se expandindo. Não obstante, as principais divergências doutrinárias sobre o seu verdadeiro fundamento são as seguintes: Alteração do estado de fato faria desaparecer a vontade contratual; haveria falta parcial de causa do contrato; haveria abuso de direito, pois o credor abusaria do direito de obter o cumprimento da obrigação, tirando vantagem desproporcional.
Darcy Bessone [17] defende que a equivalência das prestações, segundo o cálculo das partes, é a base do contrato comutativo. Se acontecimentos novos a alteram, além dos limites da previsão do contratante médio, o contrato se transforma em instrumento de aniquilamento de um dos contratantes, em proveito do outro. Foge assim, á sua própria finalidade e contraria os princípios da equidade, e por isto deve ser revisto. O fundamento da possibilidade da revisão contratual seria, portanto, a equidade.
Orlando Gomes [18], ainda vinculado à regra da obrigatoriedade contratual, afirma que os contratos podem ser revistos se a alteração das circunstâncias for de tal ordem que a excessiva onerosidade da prestação não possa ser prevista. As modificações normais do estado de fato existente ao tempo da formação do contrato devem ser previstas, pois constituem uma das razões que movem o indivíduo a contratar, garantindo-se contra as variações que trariam insegurança às suas relações jurídicas.
Quando ocorre a agravação da responsabilidade econômica, ainda ao ponto de trazer para o contratante muito maior onerosidade, mas que podia ser razoavelmente prevista, não há que pretender a resolução do contrato ou a alteração de seu conteúdo. Nesses casos o princípio da força obrigatória dos contratos conserva-se intacto.
Para que o contrato possa ser afastado, o acontecimento deve ser extraordinário e imprevisível. Mas não basta. Necessário que a alteração determine dificuldade do contratante cumprir a obrigação, pela prestação ter se tornado excessivamente onerosa. Não é necessário que haja a impossibilidade de cumprimento da obrigação, basta a dificuldade.
Nessas condições, o vínculo contratual pode ser resolvido, ou, a requerimento do prejudicado, pode ser alterado pelo juiz, restaurando o equilíbrio desfeito.
De todas as teorias da imprevisão, extrai-se que, como elemento comum, para que a parte prejudicada possa requerer a revisão do contrato, algumas condições devem ocorrer. É necessário que o contrato seja de execução futura, pois só assim existirá margem para a alteração de seu substrato; deve ocorrer também a alteração das condições ambientes entre a celebração e a execução do contrato.
E tal alteração deve ser imprevisível, sendo que, dependendo da teoria, a imprevisibilidade poderá ser mais ou menos radical. A imprevisibilidade pode ser relativa ou absoluta. Será absoluta quando atingir ao homem médio, e pode ser relativa se o fato pudesse ser previsto, mas não naquele caso específico. É necessário, também, que advenha a onerosidade excessiva para uma das partes.
Além disso, o contrato deve ser pré-estimado, ou seja, a prestação de cada um deve ser previamente conhecida.
O intervencionismo estatal sobre o contrato soluciona o problema, mas importante é dosar a sua medida. Com base nos valores e princípios da dignidade humana, bem estar social e proteção aos mais fracos é que se deve admitir a intervenção na esfera privada. Qualquer ato intervencionista que não se fundamente neles será inconstitucional. Somente o Judiciário poderá realizar a revisão, não cabendo à parte procedê-la por si mesmo.
A revisão contratual tem efeitos ex nunc, ou seja, os efeitos passam a surtir a partir do momento em que ela é realizada. As prestações já adimplidas são intocáveis. No caso de se aplicar a teoria da imprevisão, a melhor solução não deve ser a resolução do contrato com atingimento de situações passadas, mas apenas a resolução produzindo efeitos com relação ao futuro.
Importantíssimo salientar que os elementos subjetivos não podem ser invocados para justificar a revisão das obrigações. Seria indevido elastecimento da norma civil permitir que elementos subjetivos como o desemprego e acidentes, por exemplo, pudessem, atualmente, interferir nas relações negociais. Não se pode admitir que a força obrigatória dos contratos passe a ser uma exceção. Afinal, permitir que o contrato seja revisto em função do desemprego de uma das partes seria o mesmo que decretar o fim da imperatividade das obrigações, subvertendo o sentido da norma.
Em relação aos contratos aleatórios, parte da doutrina defende que não poderiam ser revistos, justamente porque se baseiam na álea, ou na possibilidade aberta em relação ao futuro. Contudo, Darcy Bessone [19] defende que até mesmo nestes contratos pode ser aplicada a teoria da imprevisão, porque mesmo a álea deve ser considerada dentro de certos limites de previsibilidade. Aos contratos aleatórios só não será aplicável a teoria da imprevisão se a adversidade ocorrida estiver dento dos riscos assumidos pelas partes. Por exemplo, se tomado um contrato de seguro-saúde, a superveniência de uma doença grave do segurado não significaria imprevisão, mas sim uma possibilidade cogitada em neste tipo de contrato.
A possibilidade do contrato tornar-se lei intocável entre as partes com fundamento na autonomia da vontade foi relativizado. Não mais se elege a autonomia da vontade como fundamento máximo e único da obrigação contratual, tomado em uma perspectiva estática. A existência do contrato se baseia em um sopesamento entre a vontade das partes e em valores tais como a justiça, a boa-fé e a equidade. Só assim é possível alcançar a verdadeira vontade dos contratantes em uma perspectiva social, que considera os interesses de toda a sociedade.