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A inelegibilidade decorrente da desaprovação de contas

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4. A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Superadas essas questões examinaremos a aplicabilidade do princípio da insignificância relativamente ao julgamento das contas. É que algumas contas podem ter sido desaprovadas unicamente em função de pequenos pagamentos indevidos mas que não representam montante expressivo.

Nessa hipótese, indaga-se se a sanção daí decorrente (inelegibilidade) não seria desproporcional à infração cometida, em agressão ao princípio da proporcionalidade (verhältnismassigkeitsprinzip), notadamente no seu sub princípio da proporcionalidade em sentido estrito.

No campo penal, o princípio da insignificância exige o cumprimento cumulativo dos seguintes parâmetros (STF, HC 84.412. DJ 19.11.2004, p. 37): a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) reduzido grau de ofensividade do comportamento; c) nenhuma periculosidade social da ação e d) inexpressiva lesão ao bem jurídico tutelado pela norma.

Na seara eleitoral, por sua vez, como se verificou anteriormente, para a caracterização da insanabilidade, faz-se necessário que o agente tenha atuado com má-fé ou que o ato questionável tenha provocado lesão ao erário. Com amparo, então, nesses vetores interpretativos, pode-se indicar o princípio da proporcionalidade como referência para aferir a inexpressividade da lesão ao erário.

Além disso, não se pode esquecer que no campo tributário, o próprio Estado fixou como limite para a punibilidade do agente a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com amparo no art. 20 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, como se observa do julgamento do HC 99.594 pelo Supremo Tribunal Federal:

"EMENTA: HABEAS CORPUS. TIPICIDADE. INSIGNIFICÂNCIA PENAL DA CONDUTA. DESCAMINHO. VALOR DAS MERCADORIAS. VALOR DO TRIBUTO. LEI Nº 10.522/02. IRRELEVÂNCIA PENAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. O postulado da insignificância é tratado como vetor interpretativo do tipo penal, que tem o objetivo de excluir da abrangência do Direito Criminal condutas provocadoras de ínfima lesão ao bem jurídico por ele tutelado. Tal forma de interpretação assume contornos de uma válida medida de política criminal, visando, para além de uma desnecessária carceirização, ao descongestionamento de uma Justiça Penal que deve se ocupar apenas das infrações tão lesivas a bens jurídicos dessa ou daquela pessoa quanto aos interesses societários em geral. 2. No caso, a relevância penal é de ser investigada a partir das coordenadas traçadas pela Lei nº 10.522/02 (lei objeto de conversão da Medida Provisória nº 2.176-79). Lei que, ao dispor sobre o "Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais", estabeleceu os procedimentos a serem adotados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, em matéria de débitos fiscais. 3. Não há sentido lógico permitir que alguém seja processado, criminalmente, pela falta de recolhimento de um tributo que nem sequer se tem a certeza de que será cobrado no âmbito administrativo-tributário. 4. Ordem concedida para restabelecer a sentença absolutória." (HC 99594, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 18.08.2009, DJe-204 DIVULG 28.10.2009 PUBLIC 29.10.2009 EMENT VOL.2380-03 PP. 593)

Ora, se o próprio Estado não possui interesse na persecução penal em função de prática de crime que provoque lesão ao erário em patamar inferior a R$ 10.000,00 (dez mil Reais), mostra-se necessária a adoção de um juízo de proporcionalidade a fim de aferir e ponderar o sancionamento decorrente de mínima lesão ao erário no campo eleitoral.

Essa inexpressividade deve ser aferida de acordo com o caso concreto, dependendo das circunstâncias fáticas que orbitam a atuação do agente público. É certo, por exemplo, que a condenação de um gestor em R$ 100,00 (cem reais) frente ao total de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) não evidencia de forma significativa lesão ao erário, sendo, nessa hipótese, desproporcional que o agente não possa se qualificar como candidato nas eleições ao cargo eletivo desejado. Mostrou-se, suficientemente, que sua gestão não compromete os recursos públicos.

Com relação à aplicação desse princípio, o Tribunal Superior Eleitoral tem acolhido sua incidência na prestação de contas dos candidatos após as eleições, como se infere do seguinte precedente:

"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO. MANDADO DE SEGURANÇA. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE.

1. Tendo em vista que as irregularidades apontadas não atingiram montante expressivo do total dos recursos movimentados na campanha eleitoral, não há falar em reprovação das contas, incidindo, na espécie, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

2. Diante das peculiaridades do caso concreto e do parecer do órgão técnico, que foi pela aprovação com ressalvas, não se vislumbra ilegalidade a ser reparada por meio do mandado de segurança.

3. Agravo regimental desprovido." (Agravo Regimental em Recurso em Mandado de Segurança nº 704, Acórdão de 08/04/2010, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: DJe - Diário da Justiça Eletrônico, Data 04.05.2010, Página 28 )

O caso julgado envolvia irregularidades da ordem de R$ 2.740,00 (dois mil, setecentos e quarenta reais) frente ao total de despesas no montante de R$ 35.935,50 (trinta e cinco mil, novecentos e trinta e cinco reais e cinquenta centavos), representativo de um percentual de 7,60% (sete vírgula sessenta por cento).

No âmbito do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte, a aplicação do princípio mereceu acolhida em sede de verificação do julgamento das contas pela Corte de Contas, como se infere do seguinte precedente:

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"RECURSO ELEITORAL - INDEFERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA - PRELIMINARES DE EXTINÇÃO DO FEITO SEM APRECIAÇÃO DO MÉRITO E AUSÊNCIA DE DOCUMENTO NECESSÁRIO AO EXAME DA LIDE - REJEIÇÃO - DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS DE PRESIDENTE DE CÂMARA PELO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO - ÓRGÃO LEGÍTIMO - PEQUENA MONTA- PAGAMENTO DE MULTA ANTES DO AJUIZAMENTO DA IMPUGNAÇÃO - AUSÊNCIA DA CAUSA DE INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ARTIGO 1º, INCISO I, ALÍNEA "G", DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90 - CONHECIMENTO E PROVIMENTO.

Rejeita-se a preliminar de extinção do feito sem julgamento do mérito, posto que a Juíza, mesmo tendo acolhido a preliminar de ilegitimidade ativa, apreciou e decidiu matéria de ordem pública.

Caberá a qualquer candidato, partido político, coligação ou ao Ministério Público a impugnação de registro de candidato, nos termos do art. 3º da LC 64/90 e art. 38 da Res. 21.608/04 - TSE, não fazendo a norma legal qualquer distinção de estar a agremiação coligada ou não.

A verificação da insanabilidade das irregularidades deve levar em conta a gravidade da conduta e suas consequências. Tendo o agente, antes da impugnação, quitado o débito junto ao erário, tratando-se, ainda, de pequena monta, há de ser afastada a causa de inelegibilidade prevista na alínea "g", do inciso I, do artigo 1º, da Lei Complementar nº 64/90.

Conhecimento e provimento do recurso." (RECURSO ELEITORAL nº 4687, Acórdão nº 4687 de 04/09/2004, Relator(a) PAULO FRASSINETTI DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 04.09.2004 LIV - Livro de Decisões do TRE-RN, Volume 38, Tomo 10, Página 182. Grifou-se)

As mesmas conclusões podem ser transferidas para a prestação de contas por ocasião do registro de candidatura. Não é razoável ou proporcional que a um agente seja negado o registro por conta de inexpressiva lesão ao erário. A desproporcionalidade entre a sanção e a infração seria evidente, não se ajustando ao postulado da justiça.

Com relação aos efeitos temporais da desaprovação, a nova redação conferida ao art. 1º, inciso I, alínea "g", da Lei Complementar nº 64/90 pela Lei Complementar nº 135/10, autoriza a conclusão de que apenas as decisões administrativas proferidas, no máximo, há 8 (oito) anos poderão provocar a inelegibilidade, em alteração ao prazo anteriormente fixado de 5 (cinco) anos.


5. CONCLUSÕES

O art. 1º, inciso I, alínea "g" da Lei Complementar nº 64/90 foi introduzido no ordenamento jurídico iluminado pelos princípios da moralidade e probidade administrativas, na medida em que serve de elemento de seleção dos agentes que se desincumbiram do ônus da boa gestão dos recursos públicos em detrimento daqueles outros que desrespeitam a coisa pública.

Por outro lado, é preciso que se examine a natureza da reprovação das contas, a fim de aferir a nota da insanabilidade, apta a provocar a grave sanção da inelegibilidade do pretendente ao cargo eletivo. Nesse sentido, por exemplo, o não atendimento aos limites mínimos da receita de impostos em educação e saúde é caracterizado pelo Tribunal Superior Eleitoral como irregularidade sanável e, portanto, são provoca a inelegibilidade do agente responsável.

Ainda sobre o tema, não se constata a existência de obstáculo à aplicação do princípio da insignificância, tendo-se em mente o princípio da proporcionalidade, a fim de não se excluir do pretendente a candidato o seu legítimo exercício de cidadania diante de inexpressiva lesão ao erário.


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CÂNDIDO, Joel J. Inelegibilidades no Direito Eleitoral. Bauru/SP: Edipro, 1999.

CASTRO, Edson de Resende. 4ª Ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008.

CONEGLIAN, Olivar Augusto Roberti. Inelegibilidade. Inelegibilidade e proporcionalidade. Inelegibilidade e abuso de poder. Curitiba/PR: Juruá, 2008.

COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 6ª ed. Belo Horizonte/MG: Del Rey, 2006.

GARCIA, Emerson. Improbidade Administrativa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 4ª ed. Belo Horizonte/MG: Del Rey, 2010.

OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

PINTO, Djalma. Elegibilidade no direito brasileiro. São Paulo: Atlas, 2008.

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Sobre o autor
Adrian Soares Amorim de Freitas

Servidor Público Federal. Pós graduado em Ministério Público, Direito e Cidadania, pela FESMP/RN e Direito e Processo Eleitoral, pela Universidade Potiguar/RN.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Adrian Soares Amorim. A inelegibilidade decorrente da desaprovação de contas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2682, 4 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17759. Acesso em: 23 nov. 2024.

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