RESUMO
O trabalho tem por objetivo o estudo do orçamento público no Brasil, sua influência na implantação das políticas-públicas no país, e sua utilização como um poderoso instrumento de desenvolvimento e planejamento estrutural de uma nação. O controle das contas públicas é um tema que preocupa nossa sociedade desde épocas remotas do Brasil-Colônia, mas que pode ser feito de forma eficiente se realizado em conjunto com o planejamento orçamentário. Dessa forma, analisaremos a importância do orçamento em suas várias dimensões, analisando a sua importância contábil, política, econômica e social. O estudo se concentrará com maior estudo da natureza das leis orçamentárias elaboradas após a edição da Lei 4.320, momento em que o foco do orçamento passou a ser feito em relação à classificação funcional-programática, na qual os programas passam a ser o objetivo principal da política de gastos. A partir daí o governo passou a gastar de acordo com o que se planeja, e o controle das despesas passa a ser feito de forma mais eficiente, compatibilizando os recursos arrecadados e dispêndios, em obediência aos ditames da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ao final, faremos uma análise da natureza jurídica do orçamento, confrontando o modelo mais producente de controle dos gastos em relação às despesas orçamentárias: se o orçamento autorizativo ou o modelo impositivo.
Palavras-chave: orçamento-programa, planejamento, receitas, despesas, controle orçamentário.
ABSTRACT
This is a study of the public budget in Brazil and its influence on the implementation of public policies in the country, and how the budget can be used as a powerful tool for the nation's development. Furthermore, the control of public finance is an issue that has concerned Brazilian society since its colonial time. This control can be efficient if done in accordance with budget planning. The study will review the importance of budgeting in its various dimensions, such as its importance in the accounting, political, economic and social development. In 1964, with the approval of Law 4320, the focus of the budget has been related to the functional classification, in which government programs are the main target of the spending policy. Therefore, the government has had to spend according to what was planned, in obedience to the Law of Fiscal Responsibility, which has led to a more efficient control of the public finance. In this study, after legal analysis, two models are confronted in order to stablish the most efficient one: whether the compulsory model or the authorizing model of budgeting.
Key-Words: program-budget, planning, revenue, expenditure, budget control.
1. INTRODUÇÃO
Na visão da maioria dos estudiosos, o orçamento público é uma lei que contempla a previsão de receitas e despesas, possibilitando a programação da vida econômica e financeira do Estado, constituindo-se em um instrumento dinâmico de planejamento público, elaborado após discussões obtidas entre os diversos estratos sociais que formam a sociedade.
De acordo com a sistemática atual, é considerado pela maioria dos intérpretes como uma lei autorizativa, que não cria direitos subjetivos porque não modifica as leis tributárias e nem financeiras, estando adstrita às disposições constitucionais dos arts. 165 a 169, e às demais leis infraconstitucionais a ele relacionadas, como a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei 4.320/64.
A sua origem está relacionada ao nascimento dos ideais democráticos em uma época onde os monarcas eram os soberanos que se consideravam detentores do patrimônio da coletividade. Nesse sentido, foi criado como um instrumento capaz de controlar os gastos arbitrários dos monarcas, que àquela época não deviam satisfação aos demais poderes e, em conseqüência, aos cidadãos em geral.
Posteriormente, além da função de controle de gastos, o orçamento passou a ter a função de controle da qualidade das despesas, avaliando seus efeitos e seus impactos na sociedade, facilitando a implementação das políticas-públicas, passando a ser denominado de orçamento-programa. Hoje, seu objetivo maior é assegurar a boa governança no trato da coisa pública, através de uma gestão moderna, eficiente e eficaz, que controle o uso dos recursos de modo racional e econômico. Uma gestão transparente, que garanta ao cidadão saber como estão sendo gastos seus recursos, por meio de uma gestão moderna e responsável, orientada para os resultados da ação, e não simplesmente com foco nos gastos. Insere-se, desta feita, o conceito de eficiência, eficácia e efetividade no processo orçamentário paralelamente à atividade governamental e administrativa.
Para que se consiga que o orçamento cumpra esse papel incrementalista de desenvolvimento, devemos modificar alguns comportamentos perniciosos a nossa sociedade, como os desvios de finalidade por parte do Poder Executivo na execução dos gastos e as falhas dos mecanismos de controle hoje existentes, carecedores de um maior engajamento tanto do Legislativo quanto dos cidadãos em geral. Melhorar esse controle é o que pretende a alteração legislativa proposta no Congresso Nacional visando implantar o orçamento impositivo no que se refere à execução das despesas. Esse é um debate que foi motivado pelo descaso cometido pelo Governo na execução dos gastos, uma vez que geralmente só executa a parte que lhe rende proveitos políticos.
Mas seria esse a solução ideal para que tenhamos a efetivação das políticas-públicas discutidas e aprovadas pelo Parlamento? O modelo atual já não seria bastante vinculado a ponto de ser considerado, no mínimo, um modelo misto entre o orçamento meramente autorizado e o orçamento impositivo. Não seria mais prudente para o sucesso de nosso desenvolvimento o foco na melhoria do controle social do orçamento, com uma educação voltada para o cidadão, de modo que a população se engajasse de maneira mais incisiva no acompanhamento de toda o ciclo orçamentário, ao invés de simplesmente tentar fazê-lo por mudança legislativa? A legislação atual já não permitiria a intervenção do Poder Judiciário para combater excessos de poder ou para obrigar ao cumprimento dos gastos visando à manutenção do mínimo existencial do indivíduo?
O objetivo desse trabalho é analisar todos esses questionamentos referentes à otimização do orçamento público no Brasil, de forma a dar-lhe a máxima efetividade possível, por ser ele, hoje, um instrumento importantíssimo para o desenvolvimento de qualquer nação, sobretudo num país necessitado de investimentos sociais e estruturais como o Brasil.
A metodologia adota para confecção deste estudo utilizará pesquisas textuais livros, periódicos e pesquisa de dados de órgãos oficiais. Serão analisadas, também, monografias e artigos as relacionados ao assunto, de maneira a contribuir para o alargamento do seu universo de estudo, tendo em vista se tratar de um tema de relevada importância para nossa nação, que ainda não despertou o devido interesse que a ele merece ser dispensado.
2. O ORÇAMENTO PÚBLICO COMO PEÇA DE PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL
2.1. O orçamento: peça de ficção ou um instrumento estratégico integrado ao planejamento?
O orçamento apresenta, em linhas gerais, o quadro orgânico da economia pública, e não apenas uma simples peça contábil, de controle de numerário gasto na prestação dos serviços. Na realidade, ele é um espelho da vida do Estado, é um mecanismo de conhecimento da realidade social e um importante instrumento de promoção de políticas públicas com qualidade.
O nosso país precisa se adequar em relação ao controle do gasto público. Apesar de termos evoluído bastante nos últimos anos, ainda temos muito que melhorar em matéria de planejamento estratégico. Mesmo que lentamente, nossas instituições estão se desenvolvendo, estamos começando a respeitar leis, e, mesmo que de maneira tímida, estamos começando a punir os dirigentes faltosos que desviam a coisa pública. Temos sérios problemas sociais a enfrentar, uma urgência de investimento em infra-estrutura, um custo-Brasil que onera nossas exportações etc.. E, para obtermos sucesso nesse desafio, temos que planejar com competência e seguir os rumos traçados desde a discussão das propostas até o fechamento do processo orçamentário, com um controle eficaz desses dispêndios.
O setor público existe para promover, no campo econômico, a proteção dos mercados, garantir a propriedade privada, o intercâmbio comercial entre nações e a livre concorrência do mercado. No campo social, busca a implementação do estado do bem estar social, a manutenção da ordem e o cumprimento das leis. Essas tarefas são precípuas do estado, uma vez que são medidas que não podem ser supridas pela iniciativa privada, porque dizem respeito a interesses de toda a coletividade, demandam poder e necessitam verbas elevadas, que não retornam lucros concretos de imediato.
O Brasil enfrenta problemas em diversas frentes como educação, saúde, saneamento, infra-estrutura, dívida externa, ineficiência da máquina pública, concentração de renda, política agrícola equivocada, escassez de energia, meio-ambiente desequilibrado e, por fim, devido ao mau planejamento, sempre ocorre déficit fiscal e orçamentário. São questões que devem ser resolvidas o mais urgentemente possível. Resta saber como fazê-lo, uma vez que o que se arrecada é insuficiente para atacar tudo isso de uma só vez, sempre havendo a paralisação de programas por falta de recursos, conseqüentemente comprometendo a sua efetividade.
Por isso, o orçamento não pode mais ser considerado uma mera peça de ficção, como antigamente se considerava. É um programa de governo que tem contornos na vida social de um país. Não pode ser tido como simples lei formal, mas, pelo contrário, uma lei essencial para se por em prática o que se discutiu entre o comandante do Executivo e os representantes do povo no Parlamento.
Por representar os anseios da sociedade, a elaboração do orçamento tem que ser mais bem discutido em nosso país. Na prática, o orçamento é aprovado no Parlamento, discutido conforme a vontade popular (mesmo que isso ocorra apenas na teoria). Só que a sua execução cabe ao Executivo, que geralmente, no caso brasileiro, contingencia os gastos que não lhe interessam politicamente, só liberando verbas para seus "currais eleitorais". Ou seja, independe da importância do programa à população, passando a depender dos interesses eleitoreiros. Principalmente no que tange aos gastos de capital, as populações dirigidas por políticos adversários dificilmente serão beneficiadas com esse tipo de rubrica. Só chegam a elas as verbas de custeio e as provenientes dos fundos e despesas constitucionais obrigatórias como educação e saúde, por exemplo.
O nosso modelo orçamentário baseia-se nas disposições Constitucionais (art. 165 a 169 da CF), passando pelo PPA, LDO e LOA, que, ao final, permitirá o gasto, ou seja, a positivação das despesas públicas. No sistema atual de elaboração, o orçamento permite a integração entre o planejamento e a execução orçamentária, formando, como visto, o denominado orçamento-programa. Nesse modelo, o orçamento deixa de ser uma simples norma de meios (com a simples função de justificar os gastos, como se dava no modelo tradicional) e passa a ser uma norma de metas (como ocorre no orçamento-programa).
2.2. Garantia do mínimo vital e a intervenção do Judiciário na execução do orçamento
Questão interessante é a discussão sobre a garantia dos direitos sociais mínimos esculpido pela nossa Constituição. Seria essa garantia do cidadão vinculativa ao Poder Executivo, a ponto de permitir a intervenção do Poder Judiciário para obrigar o seu cumprimento a um nível do "mínimo existencial" aceitável à dignidade humana? Dessa forma, já não estaria grande parte da lei orçamentária já vinculada aos gastos constitucionais obrigatórios, a ponto de haver um travamento da margem de manobra do Executivo para outros dispêndios necessários ao nosso desenvolvimento, como investimentos de capital e criação de novos programas?
Antes de qualquer discurso, devemos nos atentar para o fato de que o sistema de checks and balances, corolário do princípio da separação dos poderes, não admite a interferência de um Poder com relação à função constitucional de outro por qualquer motivo, sendo a intromissão admitida apenas para coibir excessos e abusos de autoridade, devendo a intervenção cessar logo após o equilíbrio das forças.
Razões de natureza ético-jurídica impõem que o direito à vida se sobreponha a interesses financeiros e secundários do Estado. No controle dos atos administrativos feito pelos cidadãos, em se tratando de direitos sociais, a Administração deve penetrar em determinadas áreas essenciais ao indivíduo e realizar as prestações necessárias à sua concretização, o que exigirá uma ótica de análise distinta, essencialmente voltada á aferição das omissões administrativas. Nesse diapasão, é possível, com base na Constituição, a intervenção do Judiciário na discricionariedade nas decisões do Executivo, sobretudo em relação à execução orçamentária, que é a própria concretização desses direitos, no caso de ocorrerem omissões na órbita das garantias sociais mínimas. [01]
Por exemplo, na medida em que existam recursos para sua implementação, esses gastos de natureza social devem ser executados logo quando possível. Num país onde os índices sociais destoam absurdamente em desfavor das classes menos favorecidas, e as condições de sobrevivência em muitos casos e regiões estão abaixo do aceitável, não há como interpretar esse mandamento como uma simples norma programática. É norma de eficácia plena, que gera direitos subjetivos ao cidadão em condição de miséria, possibilitando, inclusive, a intervenção do Judiciário como elemento coercitivo para sua imposição.
O STF alberga esse entendimento, porém limitando essa intervenção do juiz na análise do controle de excessos do poder discricionário do Executivo em relação àqueles direitos necessários a compor o mínimo de subsistência do indivíduo.
E M E N T A: PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ- LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. [02]
Devemos nos aperceber que o rol de direitos mínimos, por ser um conceito eminentemente subjetivo, variará com o tempo e as circunstâncias. Os direitos mínimos para o cidadão francês, por exemplo, é bem diferente do cidadão do terceiro mundo. Nossas prioridades são muito mais básicas. Essa variação conceitual dependerá principalmente da arrecadação de recursos para provimento das necessidades e da força das classes menos favorecidas na defesa de seus interesses dentro da arena política, devendo se impor desde a elaboração da proposta até a fase final do controle dos gastos.
Logicamente, se não houver recursos, ficará mais difícil ao Poder Judiciário obrigar o Executivo à implementação dessas políticas sociais. Nesse caso, o descumprimento resultará de uma total impossibilidade material, impedindo que se censure o administrador. Em uma situação extrema como esta, resta ao governante elaborar plano de ação alternativo para contornar o problema, como diminuição em gastos de capital ou aumento de impostos, por exemplo, para cobrir esse déficit na área social, que deve ser prioritária.
2.3. A natureza jurídica da lei orçamentária
Analisando-se a lei orçamentária nos moldes traçados pela Constituição Federal de 1988, o intérprete irá se defrontar com uma questão de cunho teórico relevante, qual seja, o de se saber se a lei orçamentária tem natureza formal ou natureza material. Alguns autores consideram uma terceira modelagem, considerando-a uma lei formal para as despesas e material para as receitas, pelo fato de que a Lei de Responsabilidade Fiscal obriga à política de arrecadação de maneira impositiva. E, nos abstraindo mais um pouco, será que não poderia ser aceito uma tese mista, em que a considerasse autorizativa para algumas despesas e impositiva para outras, como no caso das despesas de natureza obrigatória?
Caso se reconheça sua natureza formal, tal entendimento implicará em acatar a tese de que o orçamento não obriga à sua execução tal qual foi aprovado. Nesse modelo há uma grande margem de discricionariedade do governo, que detém o poder de definir as prioridades de gastos. Nesses termos, o orçamento terá uma função eminentemente autorizativa de gastos.
Por outro lado, caso a defina como lei material, o Executivo será obrigado a acatar todas as disposições contidas na peça orçamentária, obrigando-se a gastar o que nela constar, inclusive gerando direito subjetivo àqueles que forem prejudicados pela inexecução da despesa. Nesse caso, o orçamento será impositivo ao titular do Poder Executivo, obrigando-o a justificar o porquê da não execução daquela determinada rubrica ao Legislativo.
A doutrina se debruçou sobre o tema, elaborando algumas importantes teorias sobre essa discussão. Hely Lopes Meirelles, num entendimento mais clássico, via no orçamento público simples ato administrativo da espécie "ato-condição". Para ele, "não importa que, impropriamente, se apelide o orçamento anual de lei orçamentária ou lei dos meios, porque sempre lhe faltará a força normativa e criadora de lei propriamente dita [03]".
Para Kiyoshi Harada, a lei orçamentária é, na verdade, uma lei de efeito concreto para vigorar por um prazo determinado de um ano, fato que, do ponto de vista material, retira-lhe o caráter de lei. E foi exatamente essa peculiaridade que levou parte dos estudiosos a sustentar a tese do orçamento como ato-condição. Para o autor, no entanto, sob o enfoque formal não há como negar a qualificação de lei. [04]
Lafayete Josué Petter entende que a peça orçamentária se configura uma lei formal, para um só exercício e que não cria direitos subjetivos, com natureza de simples lei autorizativa de gastos, uma vez que a despesa aprovada na lei não pode ser exigida judicialmente. [05]
Regis Fernandes de Oliveira analisa a evolução interpretativa da lei orçamentária, ensinando que na vigência do orçamento de modelo tradicional, a peça orçamentária tinha um caráter meramente documental, de cunho financeiro, enquadrando-se como instrumento contábil de controle de gastos. Era, portanto, simples lei autorizativa, desobrigando o administrador a exaurir o que na lei se continha. Era tida como "peça de ficção, ou seja, uma lei para não ser cumprida". Com o advento do orçamento-programa, a lei orçamentária passa a ser considerada um verdadeiro programa de governo, através do qual se demonstra não só a elaboração financeira, mas também se define a orientação da Administração quanto aos gastos. Adquire, assim, diversas funções, tendo um caráter político (por revelar desígnios sociais e regionais na destinação de verbas), econômico (porque manifesta a atualidade econômica e a intervenção do governo na economia real), técnico (pelo cálculo das receitas e despesas para manter o equilíbrio contábil) e o jurídico (pelo atendimento às normas constitucionais e legais). [05]
Por fim, o autor interpreta a lei orçamentária como sendo impositiva para as receitas e autorizativa para as despesas, exceto aquelas de caráter vinculado com saúde, educação, precatórios etc, que também entende ser vinculativas ao Poder Executivo, por determinação do próprio sistema legal vigente. [06]
Nota-se que, devido a abusos cometidos pelos administradores públicos na inexecução de alguns programas, está havendo uma pressão da sociedade para que haja uma modificação na lei, de forma a dar maior coercitividade ao que dispuser a lei orçamentária no que tange à efetividade de execução das despesas nele aprovadas. O que gera esse problema é que o Executivo utiliza-se de subterfúgios de forma a ter maior autonomia para deliberar em que investir e o quanto investir, deixando para segundo plano a vontade popular, representada pelo voto do parlamento.
Como mecanismos de desvio, o Executivo gasta menos do que foi aprovado, principalmente se o gasto beneficiar regiões representadas por políticos de oposição; apresenta previsão de arrecadação de receitas menor do que a real potencial de captação, possibilitando, durante o exercício financeiro, utilizar-se dos denominados créditos especiais; ou, o contrário, apresenta previsão de receitas maior, para se encaixar dentro dos limites de endividamento do ente federativo, porém impossibilitando prover de recursos todas as rubricas de gastos durante o exercício; há, ainda, a desvinculação de parte da receita através da DRU (desvinculação de receitas da União), aumentando o poder de manobra no uso desses recursos, por meio de créditos adicionais.
O efeito maléfico de tudo isso é que a vontade parlamentar passa a se situar em segundo plano, sendo sobrepujada pelo autoritarismo do Executivo na destinação de gastos, prejudicando o controle sobre os dispêndios. Temos que ter em mente que, mesmo sendo um plano, para não se tornar realmente uma ficção, o orçamento deve ser o mais próximo possível da realidade, sendo que a correta previsão de receitas é um dos elementos primordiais do sucesso nas políticas sociais. Isso porque, a partir da programação da receita é que se obtém a possibilidade da integral e efetiva execução da despesa.
A decisão de gastar, sem dúvida, é eminentemente política. Porém deve passar por todo um processo numa arena de negociação, onde os atores políticos primeiramente discutem a proposta orçamentária; depois, discute-se novamente no Parlamento, até que haja sua aprovação; E, só depois, é executada pelo Governo. Nessa última fase é onde o governo detém certa margem de discricionariedade para executar as despesas, porém não lhe sendo permitido o cometimento de abusos de forma a desvirtuar a vontade popular concretizada na lei dantes aprovada. Como afirma Regis Fernandes de Oliveira: "Se a inexecução puder ser considerada como um excesso de poder, fora dos limites discricionários razoáveis, ela pode ser questionada judicialmente por quem tiver interesse jurídico na demanda". [07]
Dessa forma, a melhor interpretação quanto a natureza jurídica do orçamento é a de que, em regra, as despesas autorizadas na lei orçamentária obrigam o administrador, salvo se houver a demonstração de não ser possível a execução por falta de verbas ou por perda de interesse público na efetivação do programa. Porém, a interpretação dos juristas e doutrinadores, é a de que há vinculação quanto a arrecadação das receitas e, em relação às despesas, não há a obrigatoriedade de executá-las, salvo aquelas vinculadas legal ou constitucionalmente.
2.4. Que melhorias adviriam com a adoção do modelo de orçamento impositivo?
Tramitam no Congresso Nacional duas Propostas de Emenda Constitucional com o intuito de implementar o orçamento impositivo no Brasil. São as PECs 565/2006 e 281/2008, que tornariam obrigatória a execução, pelo presidente da República, do Orçamento aprovado pelo Congresso sem mudanças e sem contingenciamento de recursos. As propostas principiam alterar o art. 165, § 9º da Constituição, passando a determinar expressamente no texto do dispositivo que o orçamento público passaria a ter caráter participativo, impositivo e inclusivo, devendo as despesas ser executadas de forma obrigatória, sob pena de caracterização de crime de responsabilidade. Dessa maneira, entendem os proponentes, que haveria a ampliação do canal de participação popular desde a sua elaboração até o controle da efetividade dos programas nele elencados.
A necessidade de fazer essa previsão expressa em dispositivo constitucional demonstra o descrédito a que levou a desobediência ao que se aprova na lei orçamentária, que quase sempre é descumprido, e impossibilita a continuidade de programas importantes para a sociedade em geral. Priorizam-se interesses políticos e locais em detrimento de toda a coletividade.
Espera-se que com o orçamento impositivo o interesse pelo controle da coisa pública aumente, tendo em vista que o anseio do cidadão discutido e aprovado no processo orçamentário, será subsidiado por instrumentos de controle e de persuasão ao governante, passando a ter força coercitiva. Do modo como ocorre atualmente, podemos resumir a peça orçamentária como uma espécie de carta de intenções, porque é descumprida em suas determinações sem qualquer apenação ao faltante. Com as essas práticas orçamentárias vigentes e com os controles pouco efetivos, o orçamento público se mostra hoje como uma verdadeira fonte de desvios.
A verdade é que o orçamento público autorizativo deixa muitas brechas para ações fraudulentas por parte dos gestores públicos, em todas as esferas de governo. Visto como uma medida de redução de fraudes à lei, o orçamento impositivo manifesta-se como uma ferramenta de educação e integridade da gestão pública no país, tendo por finalidade manter um controle efetivo sobre as ações do governo, reduzindo os abusos na discricionariedade do Poder Executivo na execução orçamentária.
A diferença primordial entre o orçamento autorizativo e o impositivo é que no primeiro, o governo não está obrigado a justificar o porquê de não ser executada integralmente determinada despesa. Já no impositivo, caso não tenha a intenção de gastar, o governo tem que pedir autorização ao Legislativo para não executá-la, justificando os motivos, como, por exemplo, a arrecadação insuficiente de recursos. Em suma, nesse modelo proposto, o que realmente vai ser alterado, para melhor, é o controle e a aplicação do gastos pelo Parlamento. Por outro lado, o Parlamento vai ter que trabalhar para o bem da população, devendo-se votar esses pedidos de cancelamento de gastos com máxima urgência, sob pena de emperrar todo o processo. Caso demore em analisar a anulação de despesas, haverá a perda do controle pelo parlamento, impossibilitando punir o Administrador que deixar de executar certas despesas.
Caso esse processo não seja respeitado à risca por todos os envolvidos, acabará por engessar o Estado, podendo ter um resultado ainda pior do que o visto hoje. Como saída a essa problemática, poderia se implantar o mecanismo de cancelamento tácito das despesas caso a apreciação do pedido pelo Congresso não se desse em determinada quantidade de dias (15 ou 30 dias, por exemplo).