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"Funcionários fantasmas" e a aplicação de penalidade administrativa

11/11/2010 às 22:51
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A existência dos assim denominados "funcionários fantasmas" constitui prática perniciosa da máquina pública e fere diversos princípios constitucionais de observância obrigatória para toda a Administração Pública, tais como: a moralidade administrativa, a eficiência, a impessoalidade, a finalidade administrativa e o da eficiência.

Funcionário fantasma é aquela pessoa nomeada para um cargo público que jamais desempenha as atribuições que lhe cabem. Ou seja, recebe sem trabalhar, se enriquece ilicitamente à custa do erário público e do suor do contribuinte, na maioria das vezes com remunerações muito superiores à da maioria da população brasileira, que não conta com o denominado "padrinho" ou "pistolão". Trata-se de experiência corriqueira no Estado brasileiro totalmente reprovável, tanto do ponto de vista da autoridade que nomeia quanto da pessoa que aceita ser favorecido por tal ilicitude.

A parte irônica desta situação é que em alguns recônditos do país é sinal de status e influência "ter contracheque", o que equivale a dizer que o beneficiário está acima das leis que vigem para o restante da população desprovida de influência, e que, portanto, tem o direito de receber polpudas quantias mensais pelo hipotético e etéreo exercício de cargo público, para o qual, na maioria das vezes, deveria se encontrar fisicamente na capital do país.

Por nunca ter, efetivamente, desempenhado as atribuições inerentes ao cargo para o qual foi nomeado, mas sim, aceitado participar de uma fraude contra a Administração Pública para atingir finalidades particulares, o dito funcionário fantasma não chega a entrar em exercício no cargo, segundo o que preceitua o art.15, da Lei 8.112/90, o qual reza que "Exercício é o efetivo desempenho das atribuições do cargo público ou da função de confiança."

Quanto ao assunto, cabe analisar a questão da nulidade dos atos administrativos. Nos termos já consagrados pelo STF, mediante as Súmulas nºs 346 e 473, "A Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos" e "A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".

A seu turno, a nulidade do ato administrativo normalmente decorre de vicio em um dos seus cinco elementos listados pela doutrina administrativista: a) Sujeito – a quem a lei atribui competência para praticar o ato; b) Objeto – ou efeito jurídico que o ato produz; c) Forma – a exteriorização do ato; d) Finalidade – Resultado almejado pela Administração com a prática do ato, e e) Motivo – pressuposto de fato e de direito para a prática do ato.

No caso do funcionário que toma posse no cargo nas condições ora sob análise, verifica-se vicio quanto ao motivo do ato em questão – a posse do envolvido. Segundo Di Pietro [01], o vício quanto ao motivo está previsto pela Lei 4.717/65 – Lei da Ação Popular, que fala apenas em inexistência dos motivos e diz que esse vício ocorre "quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido" (art. 2º, parágrafo único, d). Nas palavras da autora, "além da hipótese de inexistência, existe a falsidade do motivo. Por exemplo: se a Administração pune um funcionário, mas este não praticou qualquer infração, o motivo é inexistente: se ele praticou infração diversa, o motivo é falso".

A nomeação e posse de funcionário fantasma ocorre, também, com vício quanto à finalidade, que se verifica quando "o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência" (art. 2º, parágrafo único, e, da Lei de Ação Popular). Por sua vez, o artigo 12 da Lei de improbidade administrativa, ao falar dos atos que atentam contra os princípios da administração conceitua o desvio de poder, como um ato de improbidade administrativa.

Segundo o magistério de Carvalho Filho [02]:

"Finalidade é o elemento pelo qual todo ato administrativo deve estar dirigido ao interesse público. Realmente não se pode conceber que o administrador, como gestor de bens e interesses da coletividade, possa estar voltado a interesses privados. O intuito de sua atividade deve ser o bem comum, o atendimento aos reclamos da comunidade, porque essa de fato é sua função.

(...)

Os autores modernos mostram a existência de um elo indissociável entre finalidade e a competência, seja vinculado ou discricionário o ato. A finalidade, retratada pelo interesse público da conduta administrativa, não poderia refugir ao âmbito da competência que a lei outorgou ao agente. Em outras palavras, significa que, quando a lei define a competência do agente, a ela já vincula a finalidade a ser perseguida pelo agente. Daí a acertada observação de que "ocorre o desvio de poder quando a autoridade administrativa, no uso de sua competência, movimenta-se tendente à concreção de um fim, ao qual não se encontra vinculado, ex vi da regra de competência."

Dessa feita, resta extreme de dúvidas que a posse do funcionário fantasma se inquina do vício de motivo e finalidade. Nessa linha, tais defeitos levam à inevitável invalidação do ato de posse, tendo em conta a ausência dos seus requisitos de validade. No caso ora em análise, por se estar diante de vício insanável, outra alternativa não resta à Administração, se não a invalidação dos atos de nomeação e posse do funcionário "fantasma", com efeitos ex tunc, segundo o entendimento já sumulado pelo Egrégio STF. (Súmula n.º 473).

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Resta cristalino que a autoridade pública responsável pela nomeação do funcionário fantasma responde administrativamente pela prática do ato. Há que se perquirir, entretanto, quanto à possibilidade de aplicar-se penalidade administrativa ao beneficiário do ato.

Quanto ao tema, importante analisar os elementos da responsabilidade administrativa. Sabe-se que esta decorre da prática da desobediência a uma norma de conduta administrativa, ou seja, há que se ter um ilícito administrativo, seja definido no estatuto e nas leis em geral. Requer-se a ação ou omissão dolosa ou culposa. Portanto, nos termos esposados por Hely Lopes Meirelles [03], a falta funcional gera o ilícito administrativo e permite a aplicação de pena disciplinar.

Observa-se então que para estar configurado o ilícito administrativo, há a necessidade de que haja a desobediência do servidor pública a uma norma de conduta administrativa e que essa ação ou omissão contrária à norma se dê no exercício das atribuições do cargo ocupado.

A hipótese do funcionário fantasma não atende ao pressuposto de existência fática de conduta punível administrativamente, tendo em conta que tal pessoa nunca chega a exercer as atribuições para a qual foi nomeado. Ao invés disso, participa de uma fraude contra a Administração Pública, o que pode, a princípio, ensejar a aplicação de sanções penais e civis.

Nessa linha, entende-se que a conduta ilícita do beneficiado pelo ato foi cometida na condição de particular e não de servidor público, visto que de servidor público não se trata. Ademais, a conduta consistente na participação da fraude contra a Administração antecede cronologicamente a posse e nenhuma relação tem com o efetivo desempenho do cargo, o que exclui a responsabilização administrativa.

Segundo a previsão do estatuto dos Funcionários Públicos, no § 2º do art. 15, " O servidor será exonerado do cargo ou será tornado sem efeito o ato de sua designação para função de confiança, se não entrar em exercício nos prazos previstos neste artigo, observado o disposto no art. 18." Ao que parece, a Lei 8.112/90 exigiu a configuração dos dois elementos: legal (posse) e fático (exercício) para estar consubstanciada a condição de servidor público. Nesse diapasão, entendo que não há como atribuir ao funcionário fantasma a condição de servidor público.

Não se verifica, portanto, qualquer ação ou omissão, por parte do funcionário fantasma que tenha liame com o exercício de atribuições inerentes ao cargo público para o qual foi nomeado, passível de ensejar a aplicação de penalidades na seara administrativa, restando a responsabilização civil e penal.

Situação totalmente distinta é a da autoridade que nomeia o funcionário fantasma. Esta infringe diversos preceitos administrativos na sua condição de agente público, sujeitando-se, dessa forma, à punição nas searas administrativa, civil e penal.


Notas

  1. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo. 19ª ed. Editora Atlas, págs. 249.
  2. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17ª ed. Editora Lumens, 2007. Pág. 109.
  3. HELY LOPES MEIRELLES. Direito Administrativo brasileiro. 24. Ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
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Sobre a autora
Marilene Carneiro Matos

Advogada da Procuradoria Parlamentar da Câmara dos Deputados, Pós-Graduada em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Público - IDP e em Direito Processual Civil pelo COC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATOS, Marilene Carneiro. "Funcionários fantasmas" e a aplicação de penalidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2689, 11 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17806. Acesso em: 2 nov. 2024.

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