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O novo divórcio brasileiro

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14/11/2010 às 07:13
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4. SEPARAÇÕES QUE PERMANECEM

Acredita-se afirmável que desapareceu o instituto da separação, ou desquite, como preferia Rodrigues (2004), em todas as suas modalidades, judicial e administrativa, litigiosa e consensual. No entanto, permanecem, por exceção, duas modalidades: a separação de fato e a separação de corpos. A primeira, à prova de extinção. Perniciosa à segurança jurídica (NOGUEIRA DA GAMA, 2008), não há como impedir que as pessoas negligenciem com o rompimento da sociedade conjugal, fazendo-o ao arrepio das regularidades cuidadosamente postas pelo Estado.

A separação de corpos (Art. 1.562 do Código Civil) é um instrumento de natureza acautelatória, que separa provisoriamente os consortes, autorizando liminarmente a saída do demandante ou determinando a saída do outro (NOGUEIRA DA GAMA, 2008), nos casos em que o convívio se torna insustentável (sob risco de lesão a direito), por ocasião das demandas previstas no referido dispositivo (anulação, nulidade, separação judicial, divórcio e dissolução de união estável). Esse dispositivo permanecerá de pé, portanto, exceto que deve ser derrogado quanto à expressão separação judicial.


5. PROCESSOS DE SEPARAÇÃO PENDENTES E FINDOS

Ante essa interpretação da extinção da separação de direito (enquanto regra), é possível afirmar que os processos judiciais pendentes podem ser emendados, transmudando o pedido para divórcio. A iniciativa do advogado nessa diligência será um diferencial durante essa fase de transição, pois possivelmente os juízos, premidos pelo excesso de demanda, não terão como provocar as partes.

No caso dos processos findos, em que os consortes estão no aguardo do transcurso do prazo, podem imediatamente propor a demanda divorcista ou atuar pela via administrativa, uma vez que deixa de existir o requisito temporal. Para quem já escriturou a separação e aguarda o transcurso do prazo, idem à mesma solução.


6. DISCUSSÃO DE CULPA E SUAS CONSEQÜÊNCIAS

Nesse período inicial sob eficácia da nova norma constitucional, especialmente por ainda não haver produção de pareceres doutrinários, essa questão da discussão da culpa é mais uma vexata, mesmo pelas importantes conseqüências jurídicas que sua constatação enseja.

Em que pese a tendência de se encerrar a discussão de culpa no moderno direito de família (LÔBO, 2008; VENOSA, 2010), ela ainda é parte da realidade jurídica posta, ante o que se arrisca aqui a opinião de que essa discussão há que se acomodar, doravante, no seio do procedimento divorcista, opinião que pode se escorar em lição de Gonçalves (2010, p. 208):

Os juízes, no entanto, por economia processual, têm admitido a discussão sobre a culpa mesmo nas ações de divórcio direto, mas para os efeitos de perda do direito a alimentos ou da conservação do sobrenome do ex-cônjuge, e não para a decretação do divórcio.

Essa manifestação se deu, em verdade, em contexto diverso e anterior à Emenda sob análise, mas que pode, como se vê, ser aqui aproveitada, no sentido de abalizar aquela opinião de que o rito procedimental deve adaptar-se à nova realidade divorcista.

O divórcio-sanção era aquele que convertia a separação-sanção, a separação com discussão de culpa. Agora nele próprio se discute a culpa. Sabe-se que a culpa tem por corolário aplicar sanção ao cônjuge culpado, e esta sanção consiste exatamente na perda do direito a alimentos e ao direito de manter o sobrenome.

Interessante que, como verdadeiro prenúncio de que a questão da culpa tende a desaparecer, a sanção pode ser afastada nos termos das exceções legais, sem contar as ponderações que vem sofrendo na prática, como se vê do Enunciado 254, da III Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal:

Formulado o pedido de separação judicial com fundamento na culpa (Art. 1.572 e/ou Art. 1.573 e incisos), o juiz poderá decretar a separação do casal diante da constatação da insubsistência da comunhão plena de vida (Art. 1.511) – que caracteriza hipótese de "outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum" – sem atribuir culpa a nenhum dos cônjuges.

Repete-se, todavia, que não está descartada a discussão de culpa, e enquanto for assim há que se amoldar a eventual discussão ao rito do divórcio.


7. ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES

Feitas essas cuidadosas considerações, pode-se dizer, em sede de precária conclusão, que a Emenda Constitucional 66/2010 veio plantar um novo divórcio no Brasil, numa modalidade mais arrojada, à medida que permite o rompimento do núcleo familiar com maior celeridade e economia processual, fatores que, pela natureza da matéria personalíssima, significam essencialmente a minoração do sofrimento dos envolvidos no duro processo de desenlace. E mais, a prestação jurisdicional que se faz mais humana aqui, também ganhará maior qualidade, nas demandas em geral, com o desafogamento considerável que a sistemática monofásica há de provocar.

Entendeu-se, portanto, que a Emenda, submetida a processo de interpretação que combinou os métodos literal, histórico e teleológico, mostra-se revogadora do normamento infraconstitucional que prevê as separações de direito, sejam pela via judicial ou administrativa.

O rompimento do vínculo conjugal, no Brasil, passa a ser monofásico, e o divórcio, portanto, direto. Excepcionalmente será sucedâneo de separação de fato ou de separação de corpos, o que o mantém direto, pois nem mesmo esta última é pressuposto para o rompimento definitivo.

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Quanto ao rito, está recepcionada a processualística da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977, de forma que enquanto for permitida a discussão de culpa no rompimento, ainda assim esta deve acomodar-se aí mesmo.

Ademais, se neste país, desde a Emenda, o divórcio só pode ser direto, sugere-se pela retirada do adjetivo, para dizer apenas divórcio, deixando a adjetivação para os ordenamentos que continuam com o rompimento em dois tempos.

Numa última palavra, e em homenagem aos férreos defensores da conservação do núcleo familiar, registre-se que essa Emenda não torna o casamento descartável nem o diminui, mas principalmente torna mais humano o rompimento do núcleo familiar, que aqui já existe desde 1977, para o bem ou para o mal.


7. REFERÊNCIAS

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PATIÑO, Ana Paula Corrêa. Direito Civil: Direitos de Família. São Paulo: Atlas S.A., 2006, v. 8.

PORTO, Delmiro. União estável sob os ângulos da informalidade e da prova. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2411, 6 fev. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14280>. Acesso em: 4 nov. 2010.

REALE, Miguel. O Direito como Experiência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 28. Ed. Atualização por Francisco José Cahali. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 6.

SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. v. 7.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. São Paulo: Atlas, 2010.

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Sobre o autor
Delmiro Porto

Advogado Familiarista - Família e Sucessões. Leciona na Universidade Católica Dom Bosco. Coord. da Pós-Graduação em Direito Civil, com ênfase em Família e Sucessões. Adjunto Jurídico aposentado do Comando da Aeronáutica.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTO, Delmiro. O novo divórcio brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2692, 14 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17815. Acesso em: 26 abr. 2024.

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