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A concessão de licença por motivo de doença em pessoa da família para trabalhadores regidos pela CLT.

Um esboço crítico pelo cabimento do mandado de injunção

22/11/2010 às 09:55
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Um problema jurídico é encontrado quando o trabalhador imerso no regime geral da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) precisa obter licença em razão de pessoa de sua família estar doente. A questão é trabalhada na Lei nº 8.112/90 que trata do regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais, especialmente no Capítulo V – Das Licenças –, Seção I, artigo 81, inciso I, in verbis: "conceder-se-á ao servidor licença: I – por motivo de doença em pessoa da família", posteriormente ampliado no artigo 83 sobre as condições e requisitos para o benefício.

Ressalte-se que não há previsão legal expressa deste direito àqueles regidos pela CLT que, no âmbito do Direito do Trabalho apenas se reconhece o seguro-doença ou auxílio-enfermidade ao empregado que, durante esse período, não perceberá remuneração (art. 476, CLT), por outro lado, apesar do dispositivo prever a ausência de pagamento, na verdade, o trabalhador recebe da empresa apenas os primeiros quinze dias, que serão computados como férias, à medida que se trata de enfermidade atestada pelo INSS (art. 131, III, CLT), enquanto que a partir do décimo sexto dia, o encargo passa para a Previdência Social consoante os artigos 59 e 60 da Lei n.º 8.213/91. [01][02]Note-se, também, que há menção expressa sobre a pessoalidade do benefício, recaindo exclusivamente para o empregado, todavia não para pessoa da família em situação de doença. Neste ponto encontramos o nosso grande problema.

Acreditamos que não há razão jurídica para a não concessão do direito em xeque por, justamente, não violar os princípios constitucionais, como na verdade, representar inteiramente seus mandamentos. Vejamos as razões.

No caput do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil encontramos: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança [...]" (grifo nosso). Segundo uma interpretação conforme a Constituição, mas, sobretudo, conforme os princípios pressupostos, "todos são iguais perante a lei" indica isonomia de todos em relação ao tratamento que se lhes destina a ordem de princípios e direitos humanos postos e pressupostos; "sem distinção de qualquer natureza"que, independentemente da não existência de lei específica que regule caso extraordinário, é permitida a extensão dos motivos significantes dos princípios relacionados, imediatamente correlatos e associáveis à situação, a priori, não vigiada pelo ordenamento; enfim, "igualdade"e "segurança", especificamente, tendem a reforçar a necessidade de certeza quanto à incidência do Direito pressuposto à experiência social sequer prevista, tornando-se, pois, jurídica a partir do auxílio principiológico que se lhe é imanente.

De todo o certo, o mandado de injunção há de ser aplicado frente às necessidades sociais emergentes – constituindo, assim, um corolário hermenêutico do pós-positivismo e, sobretudo, do Estado Constitucional e Humanista de Direito, [03] a possibilidade de sua impetração em favor do exercício de direito público subjetivo não regulado em lei –, ainda que tal raciocínio tenha se frutificado a partir da exegese [04] meramente principiológica, destarte, faltando indício ou base minimamente constitucional posta que haja previsto o mandamento para criação de lei assecuratória do direito ora perseguido.

"O mandado de injunção há de ter por objeto o não-cumprimento de dever constitucional de legislar que, de alguma forma, afeta direitos constitucionalmente assegurados (falta de norma regulamentadora que torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à soberania e à cidadania" [05]

Sobremaneira, trata-se de omissão parcial do texto constitucional precisamente porque a existência do princípio é, mormente, a primeira etapa de efetivação do direito em tese não regulado, enquanto que a segunda etapa, qual seja a da regulação e previsão específica do imperativo principiológico, deverá ser atacada via mandado de injunção como aqui defendido.

"A omissão parcial envolve, por sua vez, a execução parcial ou incompleta de um dever constitucional de legislar, que se manifesta seja em razão do atendimento incompleto do estabelecido na norma constitucional, seja em razão do processo de mudança nas circunstâncias fático-jurídicas que venha a afetar a legitimidade da norma (inconstitucionalidade superveniente), seja, ainda, em razão de concessão de benefício de forma incompatível com o princípio da igualdade (exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade." [06]

Deste excerto precisamos ponderar que os princípios detêm efetividade automática com a sua inclusão no texto constitucional, e que, por assim ser, o mero fato de estarem presentes na ordem jurídica pátria já se legitima o benefício de serem utilizados no caso concreto, principalmente para a implementação de direito ainda não assegurado – logo, não decorre a omissão parcial, nesse caso, de um vácuo legislativo tipicamente configurado em norma constitucional de índole regradora, como decorre de uma ausência normativa constitucional ou infraconstitucional apta à dar praticidade e efetividade à princípio constitucional posto e, sobretudo, anterior à qualquer ordenamento constituído, à medida que é da dignidade e da igualdade que estamos tratando.

Com efeito, atribui-se uma maior plasticidade às normas ordinárias frente à incidência de princípios significativamente ligados à dignidade da pessoa humana, premissa deveras extensiva aos remédios destinados à proteção e concretização das prerrogativas constitucionais que ocupam e baseiam toda a ordem positiva.

Por isso, para um caso não regulado expressamente em texto infraconstitucional, e havendo suficiente razão no pleito, o mais correto é estender-lhe os poderes principiológicos da Carta Magna, através da qual, a solução não prevista restará subordinada. Essa suposta criação judicial do Direito nada mais é do que o reconhecimento particular da essência do próprio Direito, não havendo outro caminho senão aceitá-la como a verdadeira estrutura valorativa dos Direito Humanos, por conseguinte, princípios, de per si, aplicáveis e, inclusive, aptos a representarem novidades no campo da experiência jurídica. [07] Quer dizer, em outras palavras, que no caso ventilado neste trabalho, ou poderemos enfrentar a lacuna com a utilização do mandando de injunção ou, ainda, compreender a legislação positivada à luz dos mesmos princípios que outrora poderiam ensejar a impetração do remédio alhures. Inobstante, temos o condão de elevar a discussão para o campo macro, trazendo o problema para o universo social brasileiro onde existem diversas pessoas envolvidas em relações típicas de trabalho, ou seja, mediante a cobertura jurídica da CLT, pois, há a possibilidade destes trabalhadores verem-se na situação da qual prescreve o benefício, só que previsto unicamente na legislação do servidor público. Com efeito, é uma garantia razoável aos aspectos substantivos da dignidade da pessoa humana e da isonomia, à medida que o Estado Constitucional e Humanista de Direito respeita a integralidade o ser, conferindo-lhe prerrogativas condizentes com sua preocupação social para com o mesmo e, ainda, um Estado que se comporta isonomicamente frente às duvidas e desídias jurídicas surgidas no plano positivo do Direito pátrio.

"Por outro lado, é de registrar, igualmente, que a cada concretização os modelos normativos se ampliam e se enriquecem, adquirindo sempre novas possibilidades de utilização, que não poderiam ter sido imaginadas nem pelo mais profético dos legisladores históricos. Mais ainda, os casos assim decididos passam a valer como precedentes e ponto de partida para futuras aplicações, sem que esse movimento jamais se interrompa." [08]

Os princípios ergueram-se sobre amplo terreno sócio-valorativo e sua conformidade com a realidade hodierna certifica que a estrutura ampla e universal destes é maleável por natureza mesma, outorgando à hermenêutica judicial um cânone permissivo no sentido de que da generalidade abstrata do princípio extraem-se as diretrizes adequadas ao caso concreto, logo, eivado de um inequívoco juízo de ponderação, interpreta-se o problema à luz do extrato principiológico obtido ligado intrinsecamente àquilo que o determinou.

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"Por tudo isso, assiste razão a Martin Kriele quando afirma que não se pode interpretar nenhum texto jurídico a não ser colocando-o em relação com problemas jurídicos concretos (reais ou imaginários), com soluções que se procuram para os casos ocorrentes, porque é somente na sua aplicação aos fatos da vida e na concretização, que assim necessariamente se processa, que se revela completamente o conteúdo significativo de uma norma e ela cumpre sua função de regular situações concretas." [09]

Tal instrumento deve ser utilizado parcimoniosamente, a fim de que não tenha seu escopo subvertido para encobertar transgressões à legalidade, à moralidade, à supremacia do interesse coletivo e à dignidade da pessoa humana. No caso contrário, nada mais correto do que seu uso em prol da dignificação prática do Direito abstrato, legitimando, in concreto, a razão de existir dos princípios que, pela ordem natural, servem-nos com o que pode e deve ser melhor diante da sociedade contemporânea, marcada pela desvalorização do ser e da relativização da ética e da moral. Tais ordens extraídas dos princípios máximos permitem analogias e interpretações extensivas conforme o Direito, através do Direito, porém, nunca contra o Direito. É a justa medida do princípio ao fato. E, ao mesmo tempo, sua inteira perfeição.

"No campo da experiência judicial – em que a criatividade do intérprete encontra soluções mais rápidas para os conflitos de interesses do que as sempre demoradas respostas do legislador –, nesse terreno as exigências sociais são imediatamente absorvidas e racionalizadas pelo aplicador do direito, sob a forma de mutações normativas ou novas leituras dos mesmos enunciados normativos, leituras tão inovadoras que chegam a criar modelos jurídicos inteiramente novos [...]." [10]


Conclusão

A partir dessas considerações:

I)Entendemos ser perfeitamente cabível a concessão do benefício para que o empregado regido pela CLT goze de quinze dias de afastamento em razão de doença de pessoa da sua família, pagos pelo empregador, e a partir do décimo sexto dia o mesmo benefício pago pela Previdência Social, conferindo interpretação conforme a constituição (artigos 5º dos direitos fundamentais e 201, inciso I – "cobertura dos eventos de doença" na parte que toca à Previdência Social) aos artigos 59 e 60, §3º da Lei n.º 8.213/91 (dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social), e, com base no princípio constitucional da igualdade, a extensão interpretativa do artigo 81, inciso I e 83 da Lei nº 8.112/90 no que toca à possibilidade do benefício, sendo, no entanto, regidos os prazos e condições pelo regime estabelecido quanto à interrupção do contrato de trabalho no sistema geral da CLT.

II)Logo, com fulcro na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, nada mais razoável do que a solução "normativa" para a decisão judicial, [11] no sentido de que a corte aceita "a possibilidade de uma regulação provisória pelo próprio Judiciário, uma espécie de sentença aditiva, se se utilizar a denominação do direito italiano". [12]


Referências bibliográficas

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

GOMES, Luis Flávio. Primeiras Linhas do Estado Constitucional e Humanista de Direito. In: Juris Plenum Ouro nº 14, jul. de 2010.

HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1997, reimp. 2002.

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3ª ed. Lisboa: [s. n.], 1997.

MENDES, Gilmar Ferreira; INOCÊNCIO, Mártires Coelho; BRANCO, Paulo Augusto Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 26ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.


Notas

  1. Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Parágrafo único: Não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão. Art. 60. O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a conter da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz. § 1º Quando requerido por segurado afastado da atividade por mais de 30 (trinta) dias, o auxílio-doença será devido a contar da data da entrada do requerimento. § 3º Durante os primeiros quinze dias consecutivos ao do afastamento da atividade por motivo de doença, incumbirá à empresa pagar ao segurado empregado o seu salário integral.
  2. Cf. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 26ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 341.
  3. "No Estado Constitucional e Humanista de Direito, que constitui a última evolução do sistema jurídico, são fontes normativas (que se dialogam): 1. as leis; 2. as leis codificadas (os códigos); 3. a constituição; 4. a jurisprudência interna que dá vida à conformidade constitucional do sistema jurídico; 5. os tratados internacionais, destacando-se os de direitos humanos; 6. a jurisprudência internacional, principalmente a do nosso sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e 7. o Direito universal (que conta com valor supra-constitucional)." GOMES, Luis Flávio. Primeiras Linhas do Estado Constitucional e Humanista de Direito. In: Juris Plenum Ouro nº 14, jul. de 2010.
  4. Cf. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 146.
  5. MENDES, Gilmar Ferreira; INOCÊNCIO, Mártires Coelho; BRANCO, Paulo Augusto Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1259, grifamos.
  6. . Idem, ibidem, p.1259, grifamos.
  7. Cf. HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1997, reimp. 2002, passim.
  8. Idem, ibidem, p. 79, grifamos.
  9. Apud LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3ª ed. Lisboa: [s. n.], 1997, p. 396, apud MENDES, Gilmar Ferreira; INOCÊNCIO, Mártires Coelho; BRANCO, Paulo Augusto Gonet. Op. cit., p.78.
  10. Idem, ibidem, p. 79.
  11. Conforme se depreende pelas decisões proferidas nos Mandados de Injunção n. 283 (Rel. Sepúlveda Pertence), 232 (Rel. Moreira Alves) e 284 (Rel. Celso de Mello), apud MENDES, Gilmar Ferreira, op. cit., p. 1264. Nesse sentido também é o ensinamento doutrinário de José Afonso da Silva in: Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 112.
  12. Idem, ibidem, p. 1264.
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Sobre o autor
Luiz Felipe Nobre Braga

Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas; Advogado; Consultor e Parecerista; Professor de Direito Constitucional e Lógica Jurídica na Faculdade Santa Lúcia em Mogi Mirim-SP; Professor convidado da pós-graduação em Direito Processual Civil e no MBA em Gestão Pública, da Faculdade Pitágoras em Poços de Caldas/MG. Autor dos livros: "Ser e Princípio - ontologia fundamental e hermenêutica para a reconstrução do pensamento do Direito", Ed. Lumen Júris, 2018; "Direito Existencial das Famílias", Ed. Lumen Juris-RJ, 2014; "Educar, Viver e Sonhar - Dimensões Jurídicas, sociais e psicopedagógicas da educação pós-moderna", Ed. Publit, 2011; e "Metapoesia", Ed. Protexto, 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Luiz Felipe Nobre. A concessão de licença por motivo de doença em pessoa da família para trabalhadores regidos pela CLT.: Um esboço crítico pelo cabimento do mandado de injunção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2700, 22 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17875. Acesso em: 21 dez. 2024.

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