A constitucionalidade das Medidas Provisórias não convertidas em lei, e reeditadas sucessivamente, vem sendo questionada pelos Tribunais fazendo surgir forte corrente jurisprudencial contrária a utilização desse instrumento normativo como fonte de extinção dos direitos garantidos pelas leis ordinárias, por lhe faltar legitimidade, notadamente em razão das reedições, que corroboram a ausência de relevância e urgência da matéria nela tratada, requisitos constitucionais inarredáveis, a teor do art. 62 da Carta da República.
O instrumento normativo plasmado no art. 62 da Constituição Federal, mais conhecido como medida provisória, equipara-se, "mutatis mutandis" a um projeto de lei, de iniciativa do Poder Executivo, eis que depende necessariamente da discussão e da aprovação do Congresso Nacional - seu foro próprio, para que seja transformado em lei. Ao Poder Legislativo, portanto, cabe a decisão sobre a aprovação ou rejeição do texto legal, embora a iniciação do projeto legislativo seja de competência exclusiva do Poder Executivo.
Como ocorre ao projeto de lei rejeitado pelo Poder Legislativo, cuja renovação não pode ocorrer na mesma sessão legislativa, senão mediante proposta da maioria dos membros de qualquer de qualquer das casas do Congresso (art. 76 da CF), também a Medida Provisória, com maior logicidade, não poderá ser reeditada no decorrer da sessão legislativa durante a qual foi tacitamente rejeitada. Tanto isso é verdade que o preceito que a concebeu determina a perda de sua eficácia, se não aprovada, ou seja, se não é convertida em lei, no prazo de trinta dias. Nesse caso, fulmina-se automaticamente a eficácia transitória do instrumento normativo.
Destarte, a renovação de medida provisória não se harmoniza com o comando constitucional, ainda mais quando o ato normativo vem de ser reeditado no decorrer da mesma sessão legislativa. Intolerável, assim, do ponto de vista constitucional, a reedição das MP´s, à proporção em que vão perdendo a sua eficácia.
Na prática, isso significa uma mera prorrogação de um ato normativo tacitamente rejeitado, cujo termo final foi previsto pela Carta da República, quando não recepcionado pelo Poder Legislativo, em 30(trinta) dias. A Constituição abriu uma exceção no mecanismo das leis, fornecendo ao Executivo um instrumento ágil de iniciativa de lei, com força de vigência imediata, em casos de relevância e urgência, mais criou também pressupostos e regras próprias, para não permitir a deturpação do processo legislativo. não se eleve, portanto, aquele instrumento à condição de arma poderosa capaz de revogar leis ordinárias, ao largo da efetiva participação do Congresso Nacional, principalmente quando a legislação afetada restringe direitos do cidadão, já consolidados nas leis ordinárias.
A ordem jurídica no Estado democrático de direito exige que suas leis sejam revogadas através dos mesmos mecanismos que as criou.
Em nossa ótica, não foi intenção do legislador constituinte permitir a reedição das Medidas Provisórias. Do contrário não teria erigido a condição de requisitos a urgência e a relevância da matéria que autoriza a sua edição, nem tampouco fixado um prazo improrrogável de trinta dias, para a conversão da medida em lei. Ainda, o legislador constituinte atribuiu tanta relevância e urgência às matérias passíveis de serem tratadas pela via da medida provisória, que determinou a convocação extraordinária do Congresso Nacional, quando em recesso, para se reunir no prazo de cinco dias.
Observe-se, por oportuno, que a Carta da República estipulou para o poder legiferante um prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, para se manifestar sobre os projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, com pedido de urgência., findo o qual a matéria deve ser incluída na ordem do dia, sobrestando-se a deliberação quanto aos demais assuntos, para que se ultime a votação (art. 64 e parágrafos). Ora se qualquer projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo deve ser votado em quarenta e cinco dias pelo Congresso, como se justificar que uma medida provisória, excepcionalmente permitida como instrumento de iniciação de lei, em caráter de urgência, deite seus efeitos transitórios indefinidamente por meses e até anos a fio sem qualquer apreciação do Poder competente? Onde estaria a urgência da matéria, cuja apreciação pelo Congresso Nacional não se realiza nem mesmo no prazo fixado pela Carta da República para matérias ordinárias? A quem cabe, porém, dizer sobre a urgência da matéria objeto da medida provisória? Entendo que o pressuposto da "urgência ", bem como o da "relevância" comportam exame político e jurídico, sujeito, assim, ao duplo critério de avaliação pelo Congresso e pelo Judiciário.
No caso, creio que o Congresso já tenha se manifestado tacitamente, quando deixou de apreciar a matéria. Essa manifestação comporta apenas duas interpretações: ou se posicionou o Poder Legislativo pela rejeição tácita, quando deixou de apreciar o assunto; ou lhe negou o caráter de urgência, protelando a sua votação, do contrário passaria a nação a impressão de absoluta irresponsabilidade. Parece mais adequada a primeira interpretação.
De uma forma ou de outra, as Medidas Provisórias que se sucedem, sempre com o mesmo objeto de restringir direitos já consagrados por leis ordinárias, parecem não atender os pressupostos do art. 62 da Carta Magna, notadamente o da urgência da matéria.