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Aspectos polêmicos da duplicata virtual

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2. A DUPLICATA

2.1. Histórico e Legislação

A duplicata é um título de crédito que tem origem no direito brasileiro, com peculiaridades singulares, vinculado a um contrato de compra e venda de mercadorias ou a um de prestação de serviços, tendo como matriz o art. 219 do Código Comercial, que dispõe:

Nas vendas em grosso ou por atacado, entre comerciantes, o vendedor é obrigado a apresentar ao comprador por duplicata no ato da entrega das mercadorias, a fatura ou conta de gêneros vendidos as quais por ambos serão assinadas, uma para ficar na mão do vendedor e outra na do comprador. Não se declarando na fatura o prazo de pagamento, presume-se que a compra foi à vista. As faturas sobreditas, não sendo reclamadas pelo vendedor ou comprador, dentro de 10 dias subseqüentes à entrega e recebimento, presumem-se contas líquidas.

Fábio Ulhoa 13 define a duplicata como "um título causal no sentido de que a sua emissão somente pode ocorrer na hipótese autorizada pela lei: a documentação do crédito nascido na compra e venda mercantil."

Amador Paes de Almeida 14 leciona que: "As duplicatas, num enunciado simples, pode ser conceituada como um título de crédito que emerge de uma compra e venda mercantil ou da prestação de serviços, na forma do que dispõe os arts. 2º e 20 da Lei nº 5.474/68 ".

Denominado por Tullio Ascarelli 15 de "título príncipe do direito brasileiro", a Duplicata tem origem no Decreto nº 16.041, de 22 de maio de 1923, quando o legislador aparelhou o comércio de um título de crédito dotado de liquidez, fácil circulação e conversibilidade em pecúnia.

Durante muito tempo, predominou o caráter eminentemente fiscal da Duplicata, pois, pela Lei nº 187, de 15 de janeiro de 1936, foi instituída a obrigatoriedade de emissão da fatura, com discriminação das mercadorias, nas vendas mercantis e respectiva duplicata, a qual deveria ser devolvida assinada pelo comprador, que permanecia de posse da fatura.

Atualmente, a Duplicata está disciplinada pela Lei nº 5.474, de 18 de julho de 1968, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 436, de 27 de janeiro de 1969. Dispõe o art. 1º da referida Lei:

Em todo contrato de compra e venda mercantil entre partes domiciliadas no território brasileiro, com prazo não inferior a 30 dias, contados da data da entrega ou despacho das mercadorias, o vendedor extrairá a respectiva fatura para apresentação ao comprador.

2.2. Requisitos Essenciais

A emissão ou extração da duplicata, nos termos da Lei nº 5.474/68, é uma faculdade do vendedor. A duplicata é título causal por está sempre vinculado à existência de uma compra e venda de mercadoria ou a uma prestação de serviço, sendo obrigatória a sua escrituração em Livro de Registro por ordem cronológica de emissão, contendo número de ordem, data e valor da fatura, nome e domicílio do sacado, anotações de reformas, prorrogações e circunstancias outras; provocando a ausência conseqüências cíveis e criminais, inclusive de ordem falimentar.

Trata-se de um título de crédito que tem como características formalidade, causalidade, liquidez, certeza e transmissibilidade, impõem-se, nos termos do art. 2º, §1º, da Lei nº 5.474/68, os seguintes requisitos para que o documento emitido produza efeitos de duplicata:

  • a) A denominação duplicata;

  • b) A data de sua emissão;

  • c) O número de ordem;

  • d) O número da fatura;

  • e) A data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista;

  • f) Nome e domicílio do vendedor e do comprador;

  • g) A importância a pagar em algarismo e por extenso;

  • h) A praça de pagamento;

  • i) A cláusula à ordem;

  • j) A declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite cambial;

  • k) Assinatura do emitente.

A duplicata deve ser confeccionada em impresso próprio do emitente, dentro do padrão previsto na Resolução 102/69, do Conselho Monetário Nacional.

2.3. Do aceite

A duplicata, sendo um título causal, pois documenta uma obrigação originária de um contrato, cumpre ao devedor (sacado) assumir o ônus de pagar os valores constantes na cártula mediante a aposição do aceite que somente é admissível a sua recusa na ocorrência de avaria, não recebimento de mercadorias, vícios de qualidade ou quantidade, divergência no preço ou nos prazos. O aceite pode ocorrer das seguintes formas:

  • a) aceite expresso ou ordinário, resultante de assinatura lançada no título pelo comprador;

  • b) aceite por comunicação, resultante de retenção da duplicata pelo sacado, autorizado por instituição financeira cobradora, e de comunicação escrita do aceitante(LD, art. 7, 1);

  • c) aceite tácito ou presumido, resultante da prova de recebimento das mercadorias, da falta de recusa justificada do aceite, no prazo de 10 dias, e do protesto do título(LD, art. 15, II).

A duplicata atinge o seu mais alto grau de certeza através do aceite, quando a obrigação se desvincula da sua origem contratual para assumir a feição cambial representada pelo direito contido no título, imprimindo-lhe eficácia executiva contra o comprador, tornando-se o título dotado de liquidez, certeza e exigibilidade.

O aceite é o ato pelo qual o sacado assume o compromisso de pagar, no vencimento, o título emitido pelo sacador. A apresentação é a submissão do título ao sacado, para que este o aceite, apondo a sua assinatura, tornando-se, assim, vinculado à obrigação cambial.

O vendedor dispõe de 30 dias contados da emissão para promover a remessa da duplicata diretamente ao comprador ou no prazo de 10 dias, quando a remessa for atribuída a representantes, instituições financeiras, procuradores ou correspondentes que se incumbem de promover a apresentação do título na praça ou lugar indicado, cabendo-lhes devolver a cártula após o aceite ou promover a retenção aguardando o momento do resgate, sempre seguindo as instruções recebidas.

2.4. Do endosso

A duplicata, como título à ordem, é transferível por meio de endosso que representa um modo específico de circulação que tornar o endossatário titular dos direitos contidos da cártula, passando, por conseqüência, o endossante a ser um co-devedor, responsabilizando-se pelo aceite e pelo pagamento do título, salvo cláusula cambial expressa em contrário (alínea 1ª, do art. 15 da Lei Uniforme de Genebra).

Segundo ensinamento doutrinário de Luiz Emygdio F. da Rosa Júnior: 16

Podemos conceituar o endosso como sendo o ato cambiário abstrato e formal correspondente a uma declaração unilateral de vontade, eventual, sucessiva, lançada no título de crédito ainda que do mesmo não conste a cláusula "a ordem", pela qual o seu subscritor, denominado endossante, transfere a outra pessoa, designada endossatário, que pode ou não ser identificado pelo endossante, os direitos emergentes do título, sendo, em regra, o endossante responsável não só pelo aceite como também pelo seu pagamento.

Para a efetivação do endosso, necessária se faz, tão somente, a aposição da assinatura do endossante no verso do título. O endossatário, com o ato translativo sucede ao endossante, exclusivamente, no direito de receber o valor constante no título, sendo-lhe estranho a causa que deu origem ao crédito.

A doutrina classifica o endosso em próprio, quando transfere os direitos contidos no título, vinculando o endossante à obrigação de pagar; e impróprio, quando não transfere a propriedade do títulos.

O endosso próprio é denominado em branco, quando o endossante não designa a pessoa a quem é transferido o título; e em preto, quando o beneficiário da transferência tem seu nome indicado pelo endossante.

O endosso impróprio, por seu turno, é designado endosso-mandato, quando o endossante transmite ao endossatário apenas a posse do título, a fim de que em seu nome seja promovida a cobrança; e de endosso-caução quando o título é transferido apenas como garantia de uma obrigação assumida pelo endossante.

2.5. Do aval

O direito de receber o crédito, representado por uma Duplicata, pode ser garantido por meio de aval, que deve ser lançado no próprio título garantido, vinculando um terceiro à relação cambial.

O aval é a garantia autônoma, dada por um terceiro que não participou da relação causal da duplicata, de que a dívida será paga nas condições constantes do título.

Aquele que dá o aval se denomina avalista, e aquele em favor de quem é assumida a obrigação se chama avalizado. O avalista é obrigado solidário, em favor de quem é dado o aval.

Ao lançar a assinatura no título, o avalista responsabiliza-se pela sua liquidação, sendo-lhe vedado argüir contra o emitente da duplicata as defesas pessoais somente cabíveis ao aceitante, dado que a sua obrigação é autônoma.

A prestação de aval exige, nos termos do art. 1.647, III, do Código Civil, autorização do outro cônjuge, quando o avalista for casado em regime diverso da separação absoluta de bens.

2.6. Do protesto

A duplicata é sujeita a protesto por falta de aceite, de devolução ou de pagamento, tendo o ato como objetivo forçar a liquidação do título pelo devedor ou preservar o direito de regresso contra os endossantes e seus avalistas. Nos termos do art. 202, III, do novo Código Civil, serve também o protesto como causa de interrupção da prescrição.

O protesto pode ser efetuado no prazo de 30 dias a contar do vencimento. A falta de protesto acarreta a perda do regresso cambial, isto é, decai o portador do direito de cobrar a duplicata dos endossantes e dos seus avalistas. O protesto não é necessário para sacado e seus avalistas.

O protesto pode ser efetivado sem a presença da cártula, inclusive, permite o art. 8º, parágrafo único, da Lei 9.492/97, que as indicações a protesto sejam fornecidas por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados, sendo de inteira responsabilidade do apresentante os dados fornecidos, ficando a cargo dos tabelionatos sua mera instrumentalização, abrindo, assim, o caminho para a introdução em nosso direito da duplicata virtual.

2.7. Da prescrição

A prescrição da ação executiva de cobrança de duplicata ocorre no prazo de 3(três) anos contra o sacado e seus avalistas, contados da data do vencimento do título; em um ano contra o endossante e seus avalistas, contado da data do protesto; e também em um ano a ação de qualquer dos coobrigados contra os demais, contado da data em que haja efetuado o pagamento do título.

2.8. Da cobrança judicial

A cobrança judicial da duplicata efetiva-se de acordo com o processo aplicável aos títulos extrajudiciais, regulamentados no Livro II, do Código de Processo Civil, que trata do processo de execução.

A Duplicata não aceita, mas protestada e com a prova da remessa e entrega da mercadoria, recebeu amparo legal, tendo o legislador conferido ao título, nestas condições, força executiva.

Não estando a duplicata em condições de instrumentalizar ação de execução, pode o credor viabilizar a cobrança da duplicata para satisfação do seu direito de crédito por meio de ação ordinária ou por ação monitória, espécie esta de ação de conhecimento de processamento abreviado, em que o devedor já é convocado ao pronto pagamento, podendo oferecer resistência e opor embargos, sem que seja efetivada qualquer constrição em seu patrimônio.

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2.9. Duplicata de Prestação de Serviços

Os artigos 20 e 21, da Lei 5.474, regulamentam a duplicata de prestação de serviço, título que pode ser emitido por empresas de prestação de serviços e sujeitos ao mesmo regime jurídico da duplicata mercantil.

Os profissionais liberais, bem como as pessoas que prestam serviços eventuais, podem emitir fatura ou conta, mas não duplicata. A fatura ou conta poderão ser levadas a protesto por falta de pagamento, desde que tenham sido registradas no Cartório de Títulos e Documentos.

O instrumento de protesto, acompanhado da fatura, da conta original ou da certidão do Cartório de Títulos e Documentos, é documento hábil para instruir processo de execução por falta de pagamento.

2.10. Da triplicata

Em caso de perda ou extravio da duplicata, admite o art. 23, da Lei 5.474/68, que o emitente extraia uma triplicata, nas condições e efeitos daquela. Trata-se de mera cópia ou segunda via da duplicata.

Por sua vez, o art. 13 da reportada lei permite que a triplicata seja extraída nos casos de falta de aceite, de devolução ou de pagamento, a fim de ser levada a protesto.

2.11. Dos títulos similares à duplicata no direito estrangeiro

Em razão do grande sucesso da duplicata no Brasil, outros países, procurando facilitar a circulação do crédito na industria e no comércio em territórios de suas jurisdições, criaram títulos de crédito com características bastante similares, tendo Fran Martins 17 assim anotado:

Apesar de ser o nosso direito o que melhor regula o assunto, não é o Brasil o único país a utilizar títulos especiais pra a cobrança das importâncias relativas às vendas a prazo. Em uns poucos outros, a prática comercial levou à criação de títulos que têm alguma semelhança com a duplicata; e a influência direta do direito brasileiro se fez sentir em determinadas legislações, que transportaram princípios de nossas leis, instituindo títulos semelhantes aos nossos.

Em França, foi criado o bordereou que constitui um regime especial de cessão de crédito destinado a facilitar a classe empresarial na obtenção de financiamentos junto às instituições financeiras.

Nos Estados Unidos, introduzido pelos usos e costumes, o Trade Accptance é um título que emitido pelo vendedor e aceito pode ser levado a uma instituição financeira para desconto.

Na Itália, há o Stabilito di compravendita,que comprova a celebração de um contrato de compra e venda mercantil e apesar de circular por endosso, não exprime uma promessa unilateral como nos títulos de crédito. Representa um sistema de agilização de cessão de crédito que, no território italiano, difundiu de forma extraordinária o factoring.

No Uruguai, as "facturas de vendas de mercadorias ", subscritas pelo obrigado ou seu representante legal, tem caráter de título executivo por disposição contida no Código de Processo.

Em Portugal, foi criada o "extrato fatura", com emissão obrigatória por empressários, estabelecidos no país ou em ilhas adjacentes, quando uma venda mercantil a prazo não tenha o preço representado por letras de câmbio.

Na Colômbia, o Código Comercial, promulgado em 1971, criou a "fatura cambiária de compra e venda", que permite às empresas contar com um instrumento eficaz na cobrança dos seus créditos e, ao mesmo tempo, funciona como um facilitador na obtenção de financiamento, considerando a possibilidade do aludido título ser objeto de desconto junto às instituições financeiras.

Finalmente, na Argentina a Lei 24.760, de 13. de maio de 1997, criou a "factura de crédito": um título com inúmeros avanços em relação à sua similar brasileira, conforme concluiu Paulo Roberto Colombo Arnoldi: 18

[...], os avanços da nova legislação Argentina sobre factura de crédito são muito e expressivos em relação às legislações anteriores, e diríamos até, em relação à sua similar brasileira (duplicata), que ficou defasada ante a sua atualidade, o que nos faz prever grande êxito e sucesso na sua aplicação, como forma de alavancar e incrementar as atividades econômico-empresariais argentinas, principalmente no que se refere às PYMES.

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Sobre o autor
Jocélio Carvalho Dias de Oliveira

Advogado aposentado do Banco do Brasil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Jocélio Carvalho Dias. Aspectos polêmicos da duplicata virtual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2709, 1 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17949. Acesso em: 26 abr. 2024.

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