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Precisamos de um novo Código de Processo Civil?

30/11/2010 às 10:36
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Desde 1994 o Código de Processo Civil vem sofrendo alterações, com a criação de institutos e a reforma de outros, como por exemplo, as alterações nas regras para a interposição dos recursos de agravo e a antecipação da tutela.

As reformas se acentuaram após o advento da Emenda Constitucional n.º 45/2004, que ficou conhecida como a emenda da "Reforma do Poder Judiciário" [o termo diz mais do que a mudança realmente significava].

Essa reforma trouxe alguns pontos polêmicos, como o controle externo do Poder Judiciário, através da criação do Conselho Nacional de Justiça, a instituição das Súmulas Vinculantes e das Súmulas impeditivas de recursos, se destacando ainda a inserção do inciso LXXVIII no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, segundo o qual "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

O Código de Processo Civil vem sofrendo sucessivas reformas tópicas, em fatias, se alterando de forma paulatina o processo de conhecimento e, mais recentemente, o processo de execução.

O sentido da reforma é sempre o mesmo: buscar dar ao processo uma maior efetividade, para torná-lo um instrumento eficaz da jurisdição na realização dos direitos.

A chamada reforma em fatias é uma opção legislativa inteligente, na medida em que projetos menores e pontuais têm uma tramitação mais ágil no Congresso Nacional.

Por óbvio que não é preciso muito esforço para chegarmos à conclusão de que o Código de Processo Civil vigente já não atende mais as necessidades dos jurisdicionados, sendo incapaz de tornar concreto o mandamento constitucional do direito à razoável duração do processo.

Recentemente foi apresentado à comunidade jurídica brasileira o anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, elaborado por uma Comissão de doze notáveis juristas, capitaneada pelo ilustre Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luiz Fux.

As conclusões apresentadas nessa primeira parte dos trabalhos da Comissão fixaram as diretrizes que devem pautar as etapas seguintes, apontando os caminhos que certamente serão trilhados para a construção de um Novo Código de Processo Civil.

Dentre esses caminhos está a redução do número de recursos, a compatibilização do processo civil com as novas tecnologias [processo eletrônico] e o fortalecimento da jurisprudência dos tribunais.

Sem dúvida que algumas propostas são merecedores de elogios, como por exemplo, a redução dos incidentes processuais, a extinção da reconvenção e a alteração na contagem dos prazos processuais, com fluência apenas nos dias úteis.

Por outro lado, também existem propostas que merecem críticas, como a nítida intenção de reduzir recursos, com extinção dos recursos contra decisões interlocutórias, ressalvada a utilização do agravo de instrumento para decisões de urgência satisfativas ou cautelares.

A celeridade do processo é um problema em todas as codificações processuais ao longo da história, de modo que seria um absurdo pensarmos que ele possa ser resolvido tão somente com a diminuição de recursos.

O texto do Novo Código de Processo Civil segue à risca a posição dos magistrados, de que os recursos são os vilões para o andamento dos processos.

Constata-se ausência de um prévio diagnóstico para apontar onde está o estrangulamento ao bom andamento dos processos, se na lei, no deficiente preparo dos seus aplicadores, na burocracia, na falta ou deficiência de estrutura dos órgãos julgadores.

Fatores, como a modernização dos Tribunais, investimentos em infra-estrutura e contratação de novos profissionais também devem ser discutidos.

É preciso considerar questões ligadas à administração da justiça, evitando, por exemplo, conceder ao juiz de primeiro grau o poder de decidir sozinho sobre algumas demandas.

O próprio processo eletrônico, embora seja inevitável, é preciso ser visto com cautela, sob pena de apenas ingressarmos na era do hipertexto, com uma quantidade significativa de conteúdo onde apenas seja privilegiada a celeridade em detrimento da qualidade.

Consta da exposição de motivos do anteprojeto do Novo Código de Processo Civil a pretensão de um sistema processual que proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, se harmonizando com as garantias constitucionais do Estado Democrático de Direito.

Para tanto, a Comissão efetua a constitucionalização do direito processual, na medida em que o Novo Código de Processo possui do artigo 1º ao artigo 11º um elenco de princípios e garantias, relacionados às normas processuais, jurisdição e ação.

A atitude sem dúvida é elogiável, porquanto estabelece de forma expressa e implicitamente verdadeira sintonia com a Constituição, criando condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais próxima da realidade fática subjacente à causa.

Todavia, ainda que possa parecer simples, talvez a maior dificuldade ao se pensar em um novo código seja o que fazer como velho, ou seja, até onde se deve considerar a legislação que se pretende sepultar. Um código novo ou uma reforma?

Vale lembrar, essa dúvida também foi enfrentada quando se pensou no código vigente. Na época, vigia o Código de Processo Civil de 1939 e o então responsável pela mudança, Ministro da Justiça Alfredo Buzaid, confessou na exposição de motivos que tinha dúvida se elaborava um código novo ou apenas uma reforma. Decidiu-se por um novo código!

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Não seria melhor prosseguir com a estratégia das minirreformas?

É duvidosa a necessidade de um Novo Código de Processo Civil, na medida em que simplesmente revisita, em várias matérias, o que hoje já dispõe o Código de Processo Civil de 1973 [cerca de 80% dos dispositivos do novo código — num total de 970 — reproduzem ipsis litteris os artigos do Código Buzaid].

Portanto, um dos temas levantados é justamente a necessidade de se fazer um Novo Código, uma vez que não existe nenhum clamor no sentido de substituir o atual Código de Processo Civil por parte dos processualistas muito menos dos operadores do direito em geral, apesar de ser geral a crítica a respeito da demora da prestação jurisdicional.

Essa indagação pode ser respondida se levando em consideração alguns critérios objetivos, talvez com Carnelutti, que há muito advertia que os códigos principiam a envelhecer no prelo, quando estão sendo impressos, tamanha a evolução social.

Assim sendo, se espera muita coerência de todos e que o trabalho seja o mais próximo do ideal possível, de modo que as divergências, ainda que ocorram dentro da Comissão – elas já existem – não se constituam em empecilhos, mas impulsos para se alcançar o objetivo.

Sob perspectivas diferenciadas de direitos fundamentais e de democratização processual, existe a necessidade de construção de um modelo processual cooperativo de processo, no qual a cooperação entre os sujeitos processuais promova um diálogo - debate - mais profícuo para a construção de decisões qualitativamente melhores e de um processo mais efetivo e legítimo.

O inconveniente de se contrapor celeridade e garantias processuais reside, dentre outros, na circunstância de que vigora entre nós – inclusive entre alguns operadores do Direito – a convicção de que vivemos em um estado de qual total impunidade [conceito que, em perspectiva genérica, se estende também à matéria civil].

Vem assim a solução ilusória: quanto menos garantias mais eficiência e, portanto, menos impunidade.

O conflito que se coloca ao legislador não é exatamente entre celeridade de um lado e garantias processuais de outro; o desafio não é buscar o equilíbrio entre celeridade e garantias, mas entre decisões rápidas e decisões justas; é preciso instrumentalizar a norma e não o processo.

Assim, em resposta ao questionamento do título, afirmo que não precisamos de um Novo Código, pois como disse Ronald Dworkin, o império do Direito é definido pela atitude, não pelo território, o poder ou o processo.

Contudo, a nova reforma virá [muito embora fosse preferível prosseguir com as minirreformas] e a técnica processual, ao que tudo indica, será ainda mais direcionada para o escopo de rápida eliminação das controvérsia; até porque ele é que pode ser explorado perante o grande público, sob a forma de estatísticas, relevantes na perspectiva macroscópica, mas frias para as pessoas de carne e osso vinculadas pela decisão.

Então, quando tivermos eliminado mecanismos predispostos à obtenção de decisões justas nos perguntaremos: era mesmo o processo o grande vilão da ineficiência da Justiça?

Por derradeiro, sendo a reforma do processo civil inevitável, é preciso que ela seja feita objetivando oferecer aos jurisdicionados uma prestação jurisdicional célere, mas de qualidade, não como uma forma de reduzir o volume de trabalho dos Tribunais, apenas dificultando o acesso à Justiça.

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Sobre o autor
Loacir Gschwendtner

advogado em São Bento do Sul (SC), coordenador do curso de Direito da Univille – Campus II, pós-graduado em Direito Comercial pela Furb - Blumenau (SC), mestrando em Ciência Jurídica pela Univali - Itajaí (SC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GSCHWENDTNER, Loacir. Precisamos de um novo Código de Processo Civil?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2708, 30 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17956. Acesso em: 23 dez. 2024.

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