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Mediar e conciliar: as diferenças básicas

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29/11/2010 às 12:47
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5 – A Conciliação

A Conciliação visa obter das partes em litígio, um acordo amigável, mediante concessões mútuas.

O Conciliador é um terceiro, que pode ser o próprio Juiz, que atua no procedimento com forte carga indutiva, pois o Conciliador sugere opções, faz propostas de solução. No fundo procura fazer com que as partes, cada qual a seu modo, cedam um pouco em suas pretensões, cheguem a um meio termo, para terminar o litígio.

O acordo, geralmente, é feito em torno de um pagamento em dinheiro.

A possibilidade de criação de novas alternativas é sempre muito pequena. Geralmente, a Conciliação se dá dentro dos limites do litígio, principalmente quando feita em Juízo.

A Conciliação é prevista no Brasil no Código de Processo Civil (art. 331), devendo o Juiz, tentar a qualquer tempo, conciliar as partes (art.125, IV do CPC). É um meio adotado como alternativa à sentença judicial.

No Direito brasileiro, vigente, poderíamos resumir, os tipos de Conciliação, quanto ao momento em que ocorre, em:

a)facultativa ou obrigatória;

b)preventiva ou pré-processual, antes de iniciar o processo;

c)incidental, dentro do processo em curso.

5.1 - Conciliação Facultativa

Esse tipo de Conciliação no Direito brasileiro está previsto no artigo 331 do Código de Processo Civil, em processos que admitam a transação, geralmente, em casos, de direitos disponíveis.

Nesse caso, o Juiz pode designar a audiência de Conciliação para que as partes, pessoalmente, ou por seus procuradores, venham dialogar em Juízo. Se houver conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença.

O artigo 125, IV do CPC declara que compete ao Juiz "tentar a qualquer tempo, conciliar as partes". Esse princípio informa todo o processo, colocando a Conciliação como um dos meios adotados para resolver o litígio. O próprio Juiz tem o dever de funcionar como Conciliador.

5.2 - Conciliação Obrigatória

A Conciliação Obrigatória não pode deixar de ser feita, sob pena de causar a nulidade ao procedimento respectivo.

É, por exemplo, a Conciliação prevista nas Convenções Coletivas de Trabalho, quando se estabelece que as partes devam submeter o litígio à Comissão de Conciliação Prévia, antes de ingressar na Justiça do Trabalho.

A Conciliação Obrigatória também pode ser estabelecida por uma cláusula contratual, pela qual as partes devam se submeter a processo conciliatório.

É também obrigatória a Audiência de Conciliação nos processos sumários, que se iniciam com essa audiência (art. 277, do CPC). Se não houver Conciliação então a parte contesta e o processo continua. Nesse caso o CPC é expresso ao declarar que o Juiz pode ser auxiliado por Conciliador (art. 277 §1º). O Processo Sumário deve ser resolvido, preferencialmente, por Conciliação.

São esses alguns casos de Conciliação Obrigatória no direito vigente.

5.3 - Conciliação Preventiva, ou Pré-processual

As partes fazem uma tentativa de conciliação, espontaneamente, antes de ingressarem em Juízo, evitando assim o litígio.

Exemplo disso é a Reclamação Pré-Processual prevista no artigo 4º do Provimento 953 de 7 de julho de 2005 do Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo. As partes, antes do ajuizamento da ação, comparecem perante o Conciliador, informalmente, e discutem o litígio. Se chegarem a um acordo, fazem a transação e o Juiz homologa. Se não for obtida a conciliação, "as partes são orientadas quanto á possibilidade de buscar a satisfação de eventual direito perante a Justiça Comum ou Juizado Especial" (art.4º §4º).

Em boa parte dos casos, são frutíferas as tentativas de Conciliação Pré-Processual. Esse tipo de Conciliação Pré-Processual vem sendo incentivada pelo Poder Judiciário em todo o Brasil, como uma nova modalidade de Conciliação.

Não há dúvida que as partes se sentem mais á vontade, nesse tipo de Conciliação Pré-Processual, pois estão na presença de um Conciliador que não tem poderes de decisão e de julgamento.

O Juiz atua nesses casos a posteriori, apenas homologando o acordo feito depois de examinar se foram cumpridas as formalidades legais do caso. Pode até deixar de homologar o acordo se houver alguma irregularidade, mas o Juiz não está presente durante a discussão da Conciliação Pré-Processual.

Esse tipo de Conciliação é o que mais se aproxima da Mediação, tanto que no artigo 14 do Provimento 953/2005, acima citado, dispõe que se aplicam à Mediação as regras relativas à Conciliação, abrindo uma possibilidade do Conciliador atuar como Mediador, dentro das limitações do Provimento.

Porém, é importante ressaltar que no caso desse Provimento CSM 953/2005, do TJSP, a Mediação Pré-Processual nunca foi devidamente conceituada e definida, ficando como uma alternativa secundária e dependente das normas da Conciliação. Isso mostra como Mediação e Conciliação vem sendo apresentadas como similares, quando são bem diferentes.

5.4 - Conciliação, pós-processual ou incidental

Essa modalidade de Conciliação acontece dentro do Processo Judicial, como já exposto.

É feita pelos próprios Juízes ou por Conciliadores especialmente designados para a finalidade.

O estímulo á Conciliação é uma obrigação legal do Juiz, muito embora os Juízes sejam capacitados, essencialmente, para julgar e não para desenvolver técnicas de conciliação.

Porém, essa tendência no Brasil vem se modificando, como já expusemos, a partir da constatação da ineficiência, da inadequação do processo judicial e da morosidade do aparelho Judiciário para resolver os conflitos.

Há um estímulo muito grande para a Conciliação, vindo, sobretudo do Conselho Nacional de Justiça.

Isso é sinal que algo precisa ser modificado daqui em diante, sobretudo com o uso dos já mencionados MESCs (Meios Alternativos de Solução de Conflitos), em especial com a intensa utilização da Mediação, como mostraremos neste trabalho.

A Conciliação já está em fase de grande desenvolvimento no Brasil.

Porém a Conciliação possui muitas limitações que a Mediação não tem, como veremos em seguida.

5.5 - Limitações da Conciliação

Apesar da Conciliação estar sendo estimulada pelo Poder Judiciário ela tem suas limitações para abordar e resolver a complexidade do conflito.

O Conciliador, seja Juiz ou não, fica na superfície do conflito, sem adentrar nas relações intersubjetivas, nos fatores que desencadearam o litígio, focando mais as vantagens de um acordo, onde cada um cede um pouco, para sair do problema. Não há a preocupação de ir com maior profundidade nas questões subjetivas, emocionais, ou seja, nos fatores que desencadearam o conflito, pois isso demandaria sair da esfera da dogmática jurídica, dos limites objetivos da controvérsia.

A Conciliação fica muito limitada a vantagens econômicas, para equilibrar as perdas e ganhos monetários das partes.

A Conciliação é adversarial, as partes estão em oposição defendendo suas posições e interesses.

Porém na Mediação não há procedimento adversarial.

Na Mediação os interessados são reconhecidos como iguais e não como adversários.

Assim, na visão do jurista e mediador Luis Alberto Warat:

"A conciliação e a transação podem, em um primeiro momento, parecer com a mediação, mas as diferenças são gritantes. A conciliação e a transação não trabalham o conflito ignoram- no, e, portanto não o transformam como faz a mediação. O conciliador exerce a função de "negociador do litígio", reduzindo a relação conflituosa a uma mercadoria. O termo de conciliação é um termo de cedência de um litigante a outro, encerrando-o. Mas, o conflito no relacionamento, na melhor das hipóteses, permanece inalterado, já que a tendência é a de agravar-se devido a uma conciliação que não expressa o encontro das partes com elas mesmas" (Warat; 2001, 80).

Isso parece ocorrer na maioria dos casos que se encerra com a Conciliação. Há de fato, como regra, uma tolerância de parte a parte, mas não se busca facilitar um reconhecimento profundo das diferenças entre as partes, como uma etapa para mudança das relações.

A Mediação procura ser uma terapia do vínculo conflitivo, uma cura nos ressentimentos das partes, nas dificuldades de relacionamento, saneando o conflito e possibilitando uma comunicação prazerosa entre os mediandos.

A Mediação usa a moeda apenas como um meio existente, mas não como seu fim principal, recolocando a moeda no seu devido lugar: a moeda é meio e não fim.

Já, de um modo geral, a Conciliação acaba com um acordo monetário, num pagamento em dinheiro de uma parte a favor da outra, como se o dinheiro fosse o objetivo final do acordo conciliatório.

A maioria dos casos conciliados, na realidade judicial, são de natureza pecuniária, grandes acordo ou pequenos acordos, mas quase sempre envolvendo pagamento.

Até nos casos de Danos Morais, que por sua natureza é sofrimento, dor subjetiva, a controvérsia vem sendo monetarizada com acordos em dinheiro. (cf. a respeito nosso estudo "Reparar os Danos Morais pelos Meios Morais in RDP". SP, Ed. RT; n.16, out/dez 2003, pág.37).

Assim, o principal meio para obter a Conciliação acaba sendo a Moeda. É a Moeda quem dá a satisfação para as partes em litígio, deixando de lado a possibilidade de reparações emocionais, psicológicas e similares, ou seja, in natura, monetarizando as soluções, o que é reflexo da nossa economia global capitalista.

A Conciliação não tem a pretensão se possibilitar profundas mudanças e transformações no modelo judicial de resolver controvérsias.

Contudo, na Mediação as coisas acontecem de um modo muito diferente da que ocorre na Conciliação, sem as limitações de Conciliação, como veremos a seguir.


6 - A Mediação

O Mediador diferentemente do Juiz, não dá sentença, diferentemente do árbitro não decide, diferentemente do Conciliador não estimula, nem faz propostas para chegar a um acordo.

O Mediador fica no meio, não está nem de um lado e nem de outro, não adere a nenhuma das partes. As partes é que encontram a solução para seus problemas, se autocompondo.

O procedimento de Mediação é não adversarial, não existe ninguém na Mediação com poder de decidir ou influenciar as decisões.

O Mediador pratica a escuta ativa, ouvindo os interessados, sem indicar a solução, ainda que o Mediador tenha a percepção da melhor saída para a controvérsia. O Mediador deixa o mediando escolher o seu caminho, sem fechar nenhuma possibilidade.

O Mediador é um terceiro mesmo, uma terceira parte, quebrando o sistema binário do litígio jurídico tradicional. Ajuda a buscar livremente soluções, indo além dos limites do litígio, a partir da controvérsia mediada.

Uma outra característica da Mediação é possibilitar a abordagem sensível do lado subjetivo do litígio, o lado oculto que toda controvérsia apresenta, o lado não verbal, o emocional, o que se esconde no conteúdo latente do conflito.

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Na Mediação é essencial a percepção do conflito como um todo, para que as partes sintam e respeitem suas diferenças.

O sistema jurídico positivo procura muito mais estabelecer a uniformidade, eliminar os desvios, penalizar os culpados e obter a normalidade comportamental, através do Processo Judicial e da Conciliação, que atuam com base na lógica racional.

A Mediação atua em todos os níveis, é um procedimento ligado a uma visão sensorial da vida e não a lógica da razão, como já ressaltou Warat:

"Não é possível abordar um processo de mediação por meio de conceitos empíricos, empregando a linguagem da racionalidade lógica. A mediação é um processo do coração; o conflito precisamos senti-lo ao invés de pensar nele; precisamos, em termos de conflito, sê-lo para conhecê-lo. Os conflitos reais, profundos, vitais, encontram-se no coração, no interior das pessoas. Por isto é preciso procurar acordos interiorizados." (Warat, 2001, 35).

Na Conciliação busca-se o acordo, sem se preocupar se é interiorizado ou não.

Chegar ou não a um acordo, é uma consequência do procedimento de Mediação, não é sua finalidade.

Importa mais na Mediação a qualidade da comunicação e do relacionamento que se estabelece e/ou se restabelece entre as partes, para que aconteça o aprendizado com a controvérsia.

A Mediação tem, também, caráter transformativo, mas a partir das próprias partes envolvidas no conflito, ou seja:

"Se os terceiros sentem uma sensação de responsabilidade em produzir determinados resultados em suas intervenções, eles provavelmente não estarão atuando dentro da estrutura transformativa. Uma marca registrada importante da abordagem transformativa é que os mediadores e outros terceiros refutam conscientemente sentimentos de responsabilidade por gerar acordos, resolver o problema das partes, acalmar as partes ou por obter uma reconciliação entre ela. Ao invés disso, os terceiros que seguem uma estrutura transformativa se sensibilizam de modo a se sentirem responsáveis por gerar e apoiar um contexto para os esforços das próprias partes de deliberação, tomada de decisão, comunicação e tomada de perspectiva" (Schnitman, 1999, 89).

Nesse ponto também a Mediação é diferente da Conciliação.

A Conciliação não tem preocupação de possibilitar a transformação da situação controvertida, como acontece na Mediação.

A Conciliação visa, basicamente, a manutenção da ordem jurídica, eliminando, por acordo entre as partes, o litígio, de uma forma ou de outra, sem se preocupar com os sentimentos interiores das partes, nem com as demais decorrências sociais, econômicas, psicológicas e similares, simplificando a complexidade existente em todo conflito.

A crise atual do modelo oficial e tradicional de solução de conflitos é tão grande, que próprios Magistrados estão, aos poucos, reconhecendo a insuficiência da atuação do Estado, através do Processo Judicial e da Conciliação, para resolver conflitos.

Pode ser citado, em nome de todos, a ilustre Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Dra. Fátima Nancy Andrighi, que declarou, explicitamente:

"Por vivência, já temos a prova de que o sistema oficial do Estado de resolução de conflitos perdeu significativamente a sua efetividade, e, portanto, a busca do sistema paralelo para colaborar com o modelo oficial é não só oportuna como fundamental. Ao se examinar as formas alternativas de resolução de conflitos, observa-se que a Mediação é a que mais de destaca pelos benefícios que pode proporcionar e, por isso, deve receber nosso maciço investimento" (Revista AASP, 87, setembro/2006, pág.136).

Esse reconhecimento da Ministra do STJ sobre o valor da Mediação é muito importante para seu desenvolvimento no Brasil.

Mas para que isso aconteça a Mediação deve ser bem compreendida e diferenciada da Conciliação como estamos propondo nesta reflexão.

Nesse sentido, aprofundemos a análise da Mediação contemporânea, apresentando uma pequena visão das características de complexidade, de criatividade e de transdisciplinaridade, existentes e exigidas na Mediação.

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Sobre o autor
Ademir Buitoni

advogado e mediador em São Paulo, doutor em Direito Econômico pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUITONI, Ademir. Mediar e conciliar: as diferenças básicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2707, 29 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17963. Acesso em: 19 abr. 2024.

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