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Responsabilidade civil do Estado em relação à segurança pública.

O fenômeno "bala perdida"

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CAPÍTULO III

EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL

Conforme analisado no capítulo anterior, as decisões dos tribunais brasileiros seguem, de maneira nem sempre linear, as orientações doutrinárias. Contudo, no que tange a opção pela teoria do risco administrativo, a jurisprudência é bastante clara. [126] Por esta teoria a responsabilidade civil não é genérica, nem indeterminada. Em relação ao Rio de Janeiro, inicialmente, quando a responsabilidade do Estado em face do fenômeno "bala perdida", inicialmente, nosso tribunal adotava com freqüência a tese de exclusão de responsabilidade, por não considerar correto atribuir ao Estado a finalidade de segurador universal, pelas razões que Celso Antonio Bandeira de Mello destacou e já foi objeto de análise no capítulo anterior, como relata o seguinte julgado.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. LESÃO EM VÍTIMA CAUSADA POR BALA PERDIDA. DEVER DE SEGURANÇA DO PODER PÚBLICO. OMISSÃO GENÉRICA. 1)Não se pode, com arrimo no artigo 37, §6º da CRFB, conferir ao Estado a qualidade de segurador universal, uma vez que o referido dispositivo constitucional não consagrou a teoria do risco integral. 2) Somente restaria caracterizado o nexo de causalidade entre o dano e a inação estatal na hipótese de omissão específica do Poder Público, a qual pressupõe ter sido este chamado a intervir, ou se o disparo tivesse ocorrido por ocasião de confronto entre agentes estatais e bandidos, o que não restou comprovado na hipótese. 3) Ainda que se perfilhasse o entendimento de que no caso de omissão a responsabilidade do Estado é subjetiva, não se tem por caracterizada a culpa, se não comprovada a ausência do serviço ou sua prestação ineficiente, vez que não se pode esperar que o Estado seja onipresente. 4) Provimento do primeiro recurso. Prejudicada a segunda apelação. [127]

Vê-se pelos julgados abaixo que a indenização do Estado está associada à prova da autoria do disparo do projétil de arma de fogo. Sendo de policiais, a obrigação se impõe. Do contrário, ela é afastada.

RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. BALA PERDIDA. OMISSÃO ESPECÍFICA DO ESTADO. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. Em havendo omissão específica por parte de agentes do Estado, a responsabilidade civil exsurge objetivamente. Todavia, se para sua configuração é irrelevante o exame da culpa, nem por isso fica o demandante dispensado da prova da conduta do agente, do evento danoso e do nexo causal entre eles existente. Portanto, inexistindo nos autos comprovação de que o projétil de arma de fogo causador do ferimento sofrido pela Apelante tenha partido de uma das armas utilizadas pelos Policiais Militares que participaram do confronto narrado na exordial, não há como se imputar ao Estado a responsabilidade pelo dano a ela causado. Não restando estabelecido o nexo, impossível a cogitação acerca de eventual responsabilidade. Recurso desprovido, nos termos do voto do Desembargador Relator. [128]

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. BALA PERDIDA. OMISSAO GENERICA DO PODER PÚBLICO INEXISTENCIA DE DOLO OU CULPA. Apelação Cível. Responsabilidade civil do Estado. Bala perdida. Apelante que foi atingido na porta de seu bar, sem saber de onde veio o tiro. Sentença que julgou o pedido improcedente, adotando entendimento de ser a responsabilidade subjetiva, no caso de omissão do Estado. O par. 6. do art. 37 da CF/88 estabelece a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público, sem distinção entre a conduta comissiva ou omissiva de seus agentes, mas não adota a teoria do risco integral, não sendo o Estado garantidor universal. No caso, não há provas de que houvesse troca de tiros entre policiais e marginais, ou de onde teria sido efetuado o disparo, afastando a conduta de algum agente estatal. Analisada a omissão quanto à segurança pública, não pode o Estado estar onipresente, pelo que não havendo prova de que foi chamado a agir e se omitiu, não é de se reconhecer a responsabilidade pela omissão genérica, por ausência de culpa e de nexo causal. Em qualquer dos entendimentos doutrinários ou jurisprudenciais, a pretensão do apelante não merece prosperar, embora se lamente e seja motivo de revolta a ocorrência de fatos como o que lesionou. Sentença de improcedência que merece ser mantida. Recurso não provido. [129]

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. AUTOR ATINGIDO POR "BALA PERDIDA". INEXISTÊNCIA NOS AUTOS DE PROVA CABAL NO SENTIDO DE IMPOR RESPONSABILIDADE AO RÉU. A responsabilidade do Estado, ainda que objetiva, em razão do disposto no artigo 37, §6°, da Carta Magna, exige a comprovação do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano, não podendo ele ser responsabilizado por "bala perdida" que atingiu ao autor quando não trazido aos autos elementos probatórios que a tanto conduzam. Inexistindo nos autos qualquer prova técnica, ou testemunhal, que comprove que o projétil de arma de fogo que causou o ferimento sofrido pelo autor tenha partido de armas utilizadas por policiais, não há como se imputar ao réu a responsabilidade pelo dano causado. Aquele que pretender indenização do Poder Público em razão da ação de seus agentes deve trazer provas aos autos capazes de evidenciar o nexo de causalidade entre a ação e o dano causado. Não o fazendo, impõe-se a rejeição da pretensão. Sentença de improcedência que não merece reforma. Artigo 557, caput do CPC. RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. [130]

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. AUTOR ATINGIDO POR BALA PERDIDA. TROCA DE TIROS ENTRE POLICIAIS MILITARES E BANDIDOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE. A responsabilidade do Estado, ainda que objetiva, em razão do disposto no artigo 37, §6°, da Carta Magna, exige a comprovação do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano, não podendo ele ser responsabilizado por bala perdida que atingiu o autor quando não trazido aos autos elementos probatórios que a tanto conduzam.Laudo pericial inconclusivo. Inexistindo nos autos comprovação de que o projétil de arma de fogo que causou o ferimento sofrido pelo autor tenha partido das armas utilizadas pelos policiais militares, não há como se imputar ao réu a responsabilidade pelo dano causado. Aquele que pretender indenização do Poder Público em razão da ação de seus agentes deve trazer provas aos autos capazes de evidenciar o nexo de causalidade entre a ação e o dano causado. Não o fazendo, impõe-se a rejeição da pretensão. Sentença que condenou o réu ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 19.000,00, além de pensão mensal pelo período de incapacidade laborativa no valor e período a serem apurados em liquidação de sentença que merece reforma.Agravo retido não conhecido, na forma do art. 523, caput e §1°, do CPC.Artigo 557, §1° - A, do CPC. PROVIMENTO DO SEGUNDO APELO, DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, PARA REFORMA A SENTENÇA E JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL, COM INVERSÃO DOS ONUS SUCUMBENCIAIS, OBSERVADO O ART. 12, DA LEI Nº 1.060/50, FACE A GRATUIDADE DE JUSTIÇA, RESTANDO, EM CONSEQUÊNCIA, PREJUDICADO O PRIMEIRO RECURSO, DO AUTOR. [131]

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. AUTORA ATINGIDA POR "BALA PERDIDA". TROCA DE TIROS ENTRE POLICIAIS E BANDIDOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE. INEXISTÊNCIA DE PROVA TÉCNICA OU TESTEMUNHAL A CORROBORAR AS ALEGAÇÕES INICIAIS. A responsabilidade do Estado, ainda que objetiva, em razão do disposto no artigo 37, §6°, da Carta Magna, exige a comprovação do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano, não podendo ele ser responsabilizado por "bala perdida" que atingiu a autora quando não trazido aos autos elementos probatórios que a tanto conduzam. Inexistindo nos autos qualquer prova técnica que comprove que o projétil de arma de fogo que causou o ferimento sofrido pela autora tenha partido das armas utilizadas pelos policiais, não há como se imputar ao réu a responsabilidade pelo dano causado.Aquele que pretender indenização do Poder Público em razão da ação de seus agentes deve trazer provas aos autos capazes de evidenciar o nexo de causalidade entre a ação e o dano causado. Não o fazendo, impõe-se a rejeição da pretensão. Sentença que condenou o réu ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) que merece ser reformada. Artigo 557, §1° - A, do CPC. PROVIMENTO DO RECURSO PARA REFORMAR A SENTENÇA E JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL, COM INVERSÃO DOS ONUS SUCUMBENCIAIS, OBSERVADO O ART. 12, DA LEI Nº 1.060/50, EM FACE DE PARTE AUTORA SER BENEFICIÁRIA DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA. [132]

AGRAVO INTERNO. PROVIMENTO DO APELO DO ORA AGRAVADO PARA REFORMAR A SENTENÇA, JULGANDO IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. "BALA PERDIDA". TROCA DE TIROS ENTRE POLICIAIS E BANDIDOS. NEXO DE CAUSALIDADE NÃO COMPROVADO. INEXISTÊNCIA DE PROVA TÉCNICA OU TESTEMUNHAL A CORROBORAR AS ALEGAÇÕES INICIAIS DE QUE TERIA SIDO A AUTORA, ORA AGRAVANTE ATINGINDA POR UMA BALA QUE TERIA PARTIDO DA ARMA DE POLICIAL. A responsabilidade do Estado, ainda que objetiva, em razão do disposto no artigo 37, §6°, da Carta Magna, exige a comprovação do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano, não podendo ele ser responsabilizado por "bala perdida" que atingiu a autora, ora agravante, quando não há nos autos elementos probatórios que a tanto conduzam. E, desta forma, não havendo qualquer prova técnica, ou mesmo testemunhal, que comprove que o projétil de arma de fogo que causou o ferimento sofrido pela agravante tenha partido das armas utilizadas pelos policiais, não há como se imputar ao réu/agravado a responsabilidade pelo dano causado. Aquele que pretender indenização do Poder Público em razão da ação de seus agentes deve trazer provas aos autos capazes de evidenciar o nexo de causalidade entre a ação e o dano causado. Não o fazendo, impõe-se a rejeição da pretensão. E, ainda, não se pode achar como razoável e normal que a autora, à época dos fatos com 08 (oito) anos de idade, estivesse na rua por volta das 21h00min horas, acompanhada de dois outros menores, um contando com 03 (três) anos de idade, se dirigindo a um bar, não se sabe com que finalidade, principalmente por ser o local bastante conhecido devido à ocorrência de vários confrontos entre policiais e meliantes. DESPROVIMENTO DO RECURSO. [133]

Ação de Indenização. Bala perdida. Autor atingido por projétil de arma de fogo em razão da troca de tiros entre policiais e marginais. Sentença que não reconheceu o nexo de causalidade, reconhecendo a improcedência da pretensão deduzida em Juízo. Daí o inconformismo do autor. Manifesta ausência de comprovação a respeito dos elementos configuradores da responsabilidade civil do Estado o que afasta eventual dever reparatório. Não resta evidenciado nos autos se o autor foi atingido por disparo de arma de fogo de algum policial militar ou se de algum marginal. Manifesto rompimento do nexo de causalidade. Sentença mantida por sua própria fundamentação. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. [134]

E mais, para o acolhimento do pedido, nosso tribunal entendia que não bastavam as "referencias genéricas sobre o abandono da cidade, que embora notório", não seria suficiente (TJRJ, 5ª Câmara. AC nº3590/93, julgado em 26/10/1993, DJRJ, de 03/02/1994, p.160). Este também é o sentido do acórdão seguinte:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - BALA PERDIDA – VÍTIMA ATINGIDA NO INTERIOR DE COLETIVO A dogmática do Direito Administrativo enquadra a situação em exame na chamada omissão genérica, não geradora de responsabilidade civil, porque o aparelho de segurança do Estado não se omitiu diante da situação concreta, sendo essa a configuração da responsabilidade por omissão, por falta ou deficiência do serviço público. Entender a responsabilidade civil nos termos pretendidos pela autora reconduziria à consagração de uma espécie de responsabilidade sem nexo de causalidade entre uma conduta e o respectivo resultado lesivo, amplitude conceitual não admitida, seja em sede doutrinária, seja em sede jurisprudencial. A documentação carreada aos autos demonstra que o marido da autora teria sido atingido fatalmente por munição de arma de fogo às 10:00 horas da manhã do dia 08 de março de 2005, não havendo prova nos autos de que no momento do sinistro havia qualquer troca de tiros no local. Na verdade, o confronto entre policiais e criminosos ocorreu somente às 19:00 horas daquele mesmo dia, segundo procedimento instaurado pelo Comando do competente Batalhão de Policia Militar. Improvimento ao recurso. [135]

Ao contrário das decisões acima, há julgados, no entanto, que não exigem a comprovação de que o projétil da arma de fogo que atingiu a vítima pertença a policial, para efeito de responsabilização do Estado. São eles:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - CONFRONTO ENTRE POLICIAIS E TRAFICANTES - BALA PERDIDA MORTE DA FILHA DOS AUTORES - NEXO DE CAUSALIDADE DEVER DE INDENIZAR - PENSIONAMENTO - DANO MORAL. Havendo confronto entre o Estado-polícia e traficantes, trazendo a morte de menor, que nada tinha haver com o fato, impõe-se o dever de indenizar ao Estado, independentemente da bala ter sido desferida por arma de policial ou de traficantes. Risco da atividade que dá causa ao dano, impondo o dever de indenizar. Precedentes. Reparação material - pensionamento - que impõe prova. Ausência de presunção de dano. Reparação moral bem mensurada. Conhecimento e provimento parcial do recurso. [136]

Direito Administrativo. Lesão. Bala perdida. Troca de tiros entre policiais e supostos marginais. Sentença condenando o Estado do Rio de Janeiro a pagar indenização por danos morais. Apelação. Recurso pleiteando a reforma total da sentença. No que tange ao nexo causal, aplica-se a teoria da causalidade adequada, isto é, a responsabilidade somente recairá sobre aquela condição que poderia concretamente concorrer para a produção do resultado, excluindo-se as demais condições que concorriam, mas que não eram as mais adequadas para produzir o dano. Caso se adotasse a teoria aplicada pelo Supremo Tribunal Federal da interrupção do nexo causal, a solução seria a mesma, visto que segundo esta teoria, o nexo causal existirá sempre que a conduta for considerada a causa direta e imediata para a ocorrência do dano.Assim, o apelante deve ser responsabilizado pelo infortúnio experimentado pelo apelado, pois a conduta de seu agente público se não foi aquela que efetivamente deu causa ao resultado - alvejando o apelado com o disparo da arma de fogo -, contribuiu em muito para a causação do dano, já que falhou com o seu dever de segurança.Dano moral. Redução. Atenção aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, tendo em vista o dano e o sofrimento causado no caso concreto. Provimento parcial do recurso. [137]

Ação Indenizatória. Responsabilidade do Estado. Incursão de policiais militares em favela. Bala perdida. Menor baleado. Mutilação de membro. Lesão corporal gravíssima e perene (amputação da perna esquerda). Fato não negado pelo Réu e corroborado pela prova testemunhal produzida. Ainda que não tenha sido comprovado através de prova técnica que o projétil que atingiu o Autor tenha partido da arma de policial militar, é indiscutível que o dano sofrido pelo ora Apelado decorreu da atividade policial exercida pelo aparelho estatal, o que acarreta a aplicação das normas do art. 37, § 6º da Constituição Federal e do parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002, das quais resulta a responsabilidade objetiva do ente público independentemente da prova da culpa de seus agentes, responsabilidade essa que somente pode ser elidida mediante a prova da culpa exclusiva da vítima ou da ocorrência de caso fortuito ou força maior, prova essa cujo ônus incumbia ao Réu, na forma preconizada no art. 333, II, do CPC, por se tratar de fato impeditivo ou modificativo do direito do Autor, ônus esse do qual o Apelante não se desincumbiu na hipótese em tela. Verbas indenizatórias pelos danos morais e estéticos fixadas de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade levando em conta as circunstâncias de fato constatadas no laudo pericial. Conhecimento e desprovimento do recurso. Manutenção da sentença em reexame necessário". [138]

DIREITO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. PERSEGUIÇÃO. TROCA DE TIROS ENTRE POLICIAIS E BANDIDOS. "BALA PERDIDA". AUTOR ATINGIDO POR PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO. AVARIAS EM SEU VEÍCULO. INCAPACIDADE TOTAL TEMPORÁRIA PARA O TRABALHO. PERDA TEMPORÁRIA DOS MOVIMENTOS DA MÃO. AUSÊNCIA DE PLANEJAMENTO NO ATUAR ESTATAL. DEVER DE INDENIZAR. É indiferente se o disparo que atingiu a vítima foi deflagrado por policial ou pelos meliantes que eram perseguidos. O nexo de causalidade está na atuação despreparada dos agentes estatais, que causarem a situação de perigo a todos os administradores que circulavam em horário de intenso movimento por local de grande circulação. A função do Estado é garantir genericamente a segurança pública, ao passo que a reiterada omissão transmuda a natureza desse dever em específica. Responsabilidade objetiva do Estado. Danos materiais e morais que devem ser reparados. Redução da verba compensatória. Conhecimento e parcial provimento do recurso. [139]

Pelo cotejo das decisões pretorianas acima transcritas, percebe-se a dicotomia na solução desse problema social.

É certo que o Tribunal do Estado seguiu a posição do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual, para aferir a alegada ofensa ao artigo 37, §6º da Constituição Federal, havia de se provar "a ação ou omissão do ente estatal na prestação do serviço público", conforme o seguinte julgado:

CONSTITUCIONAL. agravo regimental EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL. VÍTIMA DE TROCA DE TIROS ENTRE ASSALTANTES E POLICIAL. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. FATOS E PROVAS. SÚMULA STF 279. 1. Incidência da Súmula STF 279 para aferir alegada ofensa ao artigo 37, § 6º, da Constituição Federal - responsabilidade extracontatual do Estado. 2. Agravo regimental improvido. Trata-se de agravo regimental em decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário, interposto contra acórdão que condenou o Estado ao pagamento de indenização por danos morais em favor da autora vitima de disparo de arma de fogo, decorrente de troca de tiros entre assaltantes e policial militar no interior de transporte coletivo, nos seguintes termos: o recorrente sustenta que o artigo 37, §6º, da Constituição Federal não agasalha a teoria do risco integral, na qual é desnecessário o liame causal entre a conduta e o dano, e que foi aplicada na espécie, ferindo assim a Carta Magna. Aduz, de outra parte, a inaplicabilidade de tal dispositivo constitucional, pois, no caso, não houve comprovação de ação ou omissão por parte do ente estadual na prestação de serviço público e, ainda, que o dano não foi causado por qualquer agente da Administração, o que não dá ensejo a indenizações por danos morais. (...) Inicialmente, é relevante que, no caso em tela, asseverou o acórdão recorrido que ficara comprovado o dano moral, de forma a responsabilizar o recorrente pelos danos suportados pela parte autora. (...) O apelo extremo, portanto, não merece prosperar, pois, no caso, para concluir se algum agente público deu causa ao dano sofrido pela autora, para ter presente o dever de indenizar da recorrente, é imprescindível a analise dos fatos e das provas, em que se baseou o Tribunal a quo, o que é vedado em sede extraordinária. [140]

Recentemente, contudo, esta mesma Corte proferiu uma decisão relevante sobre o tema: concedendo a tutela antecipada para condenar o Estado de Pernambuco e, assim, afastando pela primeira vez, a ineficiência financeira do Estado como causa para não responsabilizar:

TUTELA ANTECIPADA E RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO - Entendeu-se que restaria configurada uma grave omissão, permanente e reiterada, por parte do Estado de Pernambuco, por intermédio de suas corporações militares, notadamente por parte da polícia militar, em prestar o adequado serviço de policiamento ostensivo, nos locais notoriamente passíveis de práticas criminosas violentas, o que também ocorreria em diversos outros Estados da Federação. Em razão disso, o cidadão teria o direito de exigir do Estado, o qual não poderia se demitir das conseqüências que resultariam do cumprimento do seu dever constitucional de prover segurança pública, a contraprestação da falta desse serviço. Ressaltou-se que situações configuradoras de falta de serviço podem acarretar a responsabilidade civil objetiva do Poder Público, considerado o dever de prestação pelo Estado, a necessária existência de causa e efeito, ou seja, a omissão administrativa e o dano sofrido pela vítima, e que, no caso, estariam presentes todos os elementos que compõem a estrutura dessa responsabilidade. Além disso, aduziu-se que entre reconhecer o interesse secundário do Estado, em matéria de finanças públicas, e o interesse fundamental da pessoa, que é o direito à vida, não haveria opção possível para o Judiciário, senão de dar primazia ao último. Concluiu-se que a realidade da vida tão pulsante na espécie imporia o provimento do recurso, a fim de reconhecer ao agravante, que inclusive poderia correr risco de morte, o direito de buscar autonomia existencial, desvinculando-se de um respirador artificial que o mantém ligado a um leito hospitalar depois de meses em estado de coma, implementando-se, com isso, o direito à busca da felicidade, que é um consectário do princípio da dignidade da pessoa humana. [141]

Tal decisão é importante não só pelo resultado pretendido, senão pela mudança de entendimento da Corte na interpretação da realidade da segurança pública no Brasil. Levando em conta o histórico do Supremo Tribunal Federal em questões que envolvam a responsabilidade civil do Estado por omissão nessas matérias, percebe-se o grande marco deste julgado, em que pese o fato de que o mérito ainda não recebeu tratamento.

Ao condenar o Estado de Pernambuco por omissão do dever de zelar pela ordem pública, o ministro Celso de Mello abriu um precedente importante na concretização deste direito, ao sinalizar que o artigo 144 da Constituição da República de 1988 não confere apenas ao particular o encargo de zelar pela segurança, mas também e precipuamente ao Estado.

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A decisão desse Tribunal, que também funciona como Corte Constitucional (artigo 102, da Constituição Federal), pode representar um marco também no próprio desenvolvimento da atividade da segurança pública, na medida em obrigará o Estado a melhor qualificar seus agentes.

Hoje, o que se tem visto, são policiais capacitados profissionalmente de forma inadequada nas academias e atuando sem as ferramentas apropriadas para o desempenho de suas atividades, por falta de investimento público dirigidos a esses fins. Os equipamentos tecnológicos de última geração disponibilizados no mercado, não chegam às mãos desses profissionais, ao contrário do que se percebe com os criminosos. Além das precárias condições em que esses agentes públicos trabalham principalmente relativas à sua própria segurança, os salários são irrisórios. Todos esses fatores contribuem para a instabilidade emocional, que, neste caso, aliada à ausência de tecnicismo e preparo profissional, tendem a aumentar as situações de riscos que as operações policiais desencadeiam. [142]

É preciso salientar a lição de Luiz Eduardo Soares de que as "nossas polícias são máquinas pesadas e lentas, nada inteligentes e criativas, que não valorizam seus policiais nem os preparam adequadamente; não planejam nem avaliam o que fazem; não aprendem com os erros porque não os identificam; não conhecem os problemas sobre os quais atuam (os policiais, individualmente, sabem muito; a polícia, como Instituição, nada sabe); não cultivam o respeito e a confiança da população; cada vez mais só prendem em flagrante, porque pouco investigam; limitam-se a reagir depois que os crimes já ocorreram; cometem um número imenso de crimes, quando sua tarefa é evitá-los ou conduzir à Justiça os perpetradores". [143]

Com a nova decisão do Supremo Tribunal Federal, a responsabilidade do Estado adequa-se formal e substancialmente ao perfil político-constitucional previsto na Carta de 1988, ou seja, de um Estado garantidor da ordem, da segurança pública e do resguardo dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Nos termos do preâmbulo da Constituição Federal de 1988, foi instituido um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar os valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvércias, como: o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça.

Em um Estado Democratíco de Direito, aplica-se a garantia do respeito das liberdades civis, ou seja, do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, através do estabelecimento de uma proteção jurídica. Isto se torna possível com a devida aplicação da Constituição Federal (colocada no ápice de uma pirâmide escalonada), que representa o interesse da maioria.

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Sobre a autora
Ana Patricia da Cunha Oliveira

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Bennett e pós graduanda em Gestão Pública pela Universidade Cândido Mendes/RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Ana Patricia Cunha. Responsabilidade civil do Estado em relação à segurança pública.: O fenômeno "bala perdida". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2721, 13 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18024. Acesso em: 24 abr. 2024.

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