Artigo Destaque dos editores

A doação voluntária de sangue como pena restritiva de direitos

Exibindo página 3 de 3
16/12/2010 às 14:53

Resumo:


  • As penas restritivas de direitos foram introduzidas no Brasil em 1984, limitando-se a infrações de menor gravidade;

  • A doação de sangue como modalidade de pena restritiva é uma proposta inovadora que visa suprir a falta de sangue nos hospitais;

  • A doação de cestas básicas e a doação de sangue como penas alternativas precisam ser voluntárias e consensuais, atendendo aos requisitos legais e éticos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

8. Conclusões. A Lei 10.205, de 21 de março de 2001, regulamentou o § 4º do art. 199 da Constituição Federal, relativo à coleta, processamento, estocagem, distribuição e aplicação do sangue, seus componentes e derivados, estabelece o ordenamento institucional indispensável à execução adequada dessas atividades, e dá outras providências. E, em seu capítulo II – Dos Princípios e Diretrizes –, no art. 14, elege como fundamento da estratégia governamental, dentre outros, a universalização do atendimento à população; a utilização exclusiva da doação voluntária, não remunerada, do sangue, cabendo ao poder público estimulá-la como ato relevante de solidariedade humana e compromisso social; e, a proibição de remuneração ao doador pela doação de sangue.

Diante da certeza de que a atuação do Poder Judiciário em prol dos que necessitam de sangue para se curar e/ou para viver está em harmonia com as políticas públicas correlatas ao espírito de desprendimento individual e de solidariedade humana, finalizo este trabalho apresentando os tópicos formadores desse convencimento.

Duas vertentes preponderantes guiaram-me na realização desse trabalho: a viabilidade jurídica e o cunho humanitário.

8.1 – Aspecto Jurídico. A doação de sangue como pena restritiva de direitos, deve atender a três requisitos: tipicidade, voluntariedade e consensualidade.

a) Tipicidade. A doação de sangue é uma pena alternativa inominada, a exemplo da doação de cestas básicas, e encontra seu fundamento jurídico no art. 45, § 2º, do Código Penal. E como pena restritiva de direitos deverá atender aos seguintes postulados constitucionais: ter natureza social alternativa (art. 5º, XLVI, d), não ser proibida (art. 5º, XLVII), assegurar respeito à integridade física e moral (art. 5º, XLIX) e preservar a dignidade da pessoa humana. É prestação alternativa inominada oriunda de proposta da acusação em audiências de tentativa de conciliação emanadas da Lei 9099/95, i.e., em transações penais e em audiências de suspensão condicional do processo. Não pode ser decretada em sede de sentença condenatória, por traduzir imposição e não consensualidade.

b) Voluntariedade/Consensualidade. Oferecidas duas ou mais propostas, estas serão apresentadas ao autor da infração que, sponte sua, escolherá aquela que lhe aprouver. Caso opte pela que contenha a doação de sangue, o juiz/conciliador expor-lhe-á o questionário prévio e inicial para que analise e responda se pode doar sangue, tornando indiscutível o caráter voluntário e não impositivo da aceitação. Ultrapassadas essas etapas, a lavratura do acordo poderá ser finalizada com a homologação judicial.

Note-se que se mostra essencial para a completude da exteriorização do ato de vontade, que a doação de sangue seja voluntária, sem representar imposição/ordem.

8.2 – O veio humanitário. Desnecessário estender-me sobre o alcance da pena em tela, uma vez que os quadros, estatísticas e as opiniões das autoridades médicas envolvidas falam por si. Para o juiz ingressar nessa cruzada do bem e da vida, basta articular-se e, em sua cidade, procurar o centro médico adequado para recepcionar os autores de infrações, e expor o ideal de implantação da doação de sangue como pena alternativa. A partir daí, fomentar o interesse dos demais integrantes do tripé judiciário e o auxílio para a comunidade estará materializado.

Tenho esperança que estas linhas sirvam de inspiração para que os colegas juízes, bem como os demais integrantes da justiça, adotem esta sugestão.

Evoco atitudes que nos chegam tímidas, uma vez que somente os Estados do Rio de Janeiro e Paraná divulgaram a adoção da doação de sangue como pena alternativa. Se cada um pensar bem, pressentirá que, logo, todo o país, via Poder Judiciário, poderá ser um agente de transformação do bem para evitar mortes e a eternização de algumas doenças. Daremos início a uma empreitada visando amenizar a dor de tantas famílias que vêm os seus falecer pela falta de sangue.

Repiso que cada juiz criminal detém, sob sua presidência, todo o campo de labor pertinente e indispensável à execução dessa tarefa nobilíssima, bastando que lidere a introdução da novidade em sua seara contatando os operadores do direito e com eles discutindo a implantação da medida.

Quiçá o Poder Judiciário brasileiro deixe de ser criticado por "n" fatores e passe e receber elogios por se tornar um vetor natural de mutação positiva da saúde brasileira.


BIBLIOGRAFIA

AZEVEDO, Mônica Louise. Em busca da Legalidade das Alternativas Penais. In I Congresso Brasileiro de Execução de Penas e Medidas Alternativas. Curitiba, trabalho inscrito em 08.03.2005.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral, vol. I. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral: vol. 1. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

CHAGAS, Rosana Navega. Doações Voluntárias de Sangue: uma alternativa para a pena e para a vida. TJRJ. Texto disponibilizado no Banco do Conhecimento em 16 de julho de 2008.

DELMANTO, Celso et alli. Código Penal Comentado. 7 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

DOTTI, René Ariel. Penas Restritivas de Direitos - críticas e comentários às penas alternativas. Lei 9.714, de 25.11.1998. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

FRANCO, Alberto Silva, STOCO, Rui. Código Penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência. 8 ed. Ver., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

GOMES. Luiz Flávio. Penas e Medidas Alternativas à Prisão. Coleção Temas Atuais de Direito Criminal, vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

JESUS, Damásio Evangelista de. Código Penal Anotado. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 1999.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Prestação de Serviços à Comunidade. São Paulo: Saraiva, 1993.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Jayme Walmer de Freitas

Professor da Escola Paulista da Magistratura e de Pós-Graduação no COGEAE da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Coordenador do 7º Curso de Pós Graduação "Lato Sensu" - Especialização em Direito Processual Penal, da Escola Paulista da Magistratura. Autor das obras Prisão Cautelar no Direito Brasileiro (3ª edição), OAB – 2ª Fase – Área Penal e Penal Especial, na Coleção SOS – Sínteses Organizadas Saraiva vol. 14, pela Editora Saraiva, além de coordenador da Coleção OAB – 2ª Fase, pela mesma Editora. Coautor do Código de Processo Penal Comentado, pela mesma Editora. Colaborador em Legislação Criminal Especial, vol. 6, coordenada por Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha, pela Editora Revista dos Tribunais. Colaborador em o Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, coordenada por Jorge Miranda e Marco Antonio Marques da Silva, pela Editora Quartier Latin. Colaborador em o Direito Imobiliário Brasileiro, coordenada por Alexandre Guerra e Marcelo Benacchio, pela Editora Quartier Latin. Autor de artigos jurídicos publicados em revistas especializadas e nos diversos sites jurídicos nacionais. Foi Coordenador Pedagógico e professor de Processo Penal, Penal Geral e Especial, por 14 anos, no Curso Triumphus – Preparatório para Carreiras Jurídicas e Exame de OAB, em Sorocaba. Juiz criminal em Sorocaba/SP, mestre e doutor em Processo Penal pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Jayme Walmer. A doação voluntária de sangue como pena restritiva de direitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2724, 16 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18046. Acesso em: 22 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos