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Aplicabilidade do prazo prescricional trienal às pretensões de reparação civil contra a Fazenda Pública

20/12/2010 às 06:15
Leia nesta página:

Com o advento do Código Civil de 2002, a pretensão de reparação civil, a teor do art. 206, parágrafo 3º, inciso V, de referido diploma, passou a prescrever no prazo de 3 (três) anos.

Diante disso, surgiu a dúvida acerca da aplicabilidade do dispositivo às pretensões deduzidas em face da Fazenda Pública, que derrogaria o art. 1º, do Decreto n. 20.910/32, que trata, de forma específica, do prazo prescricional em favor das pessoas jurídicas de Direito Público.

Há abalizado posicionamento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que a regra especial, encartada no art. 1º do Decreto n. 20.910/32, que estabelece o prazo de 5 anos para a prescrição das pretensões formuladas em face da Fazenda Pública, deveria prevalecer em detrimento da regra geral instituída pelo Código Civil.

Não é, porém, o melhor entendimento. A regra da prescrição qüinqüenal foi esquadrinhada quando se encontrava em vigor o Código Civil de 1916, que, por sua vez, estabelecia o prazo de vinte anos para a ação reparatória de danos no direito privado. O prazo prescricional de 5 anos, portanto, foi criado para beneficiar as pessoas jurídicas de Direito Público, que tutelam interesses de toda a coletividade, por força da incidência do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular.

Justamente nesse sentido, as lições de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, na obra Direito Civil – Teoria Geral, da Editora Lumen Júris, p. 47/48:

Com o advento da Lei Civil de 2002, porém, o prazo da pretensão reparatória de danos foi diminuído para três anos, aplicando-se, por igual, às pretensões dirigidas à Fazenda Pública. É que não há justificativa para um tratamento diverso para regulamentar as pretensões reparatórias contra o Estado, devendo se submeter ao prazo trienal – que foi estabelecido em razão da especificidade da pretensão de direito material subjacente. Considere-se, inclusive, que na vigência do Código Civil de 1916 o Estado mereceu prazo diferenciado, não podendo se submeter a um prazo tão elástico (que era de vinte anos). Ora, se, hodiernamente, nem mesmo os particulares podem se submeter a prazos tão alongados, merecendo a diminuição para três anos, esta redução haverá de atingir, também, as pretensões ressarcitórias dirigidas à Fazenda Pública.

Impõe-se, no caso, a adoção do método teleológico de interpretação, através do qual se busca a finalidade das normas, que, no que tange à prescrição, sempre tencionaram beneficiar a Fazenda Pública, preservando, assim, o interesse público e o erário.

Como já visto, o prazo de 5 anos vigia quando o interstício previsto para a prescrição das pretensões em geral era de 20 anos, restando, assim, evidenciado, nítido escopo de se conferir estabilidade ainda maior às relações existentes entre os particulares e a Administração Pública.

Desta feita, introduzido na ordem jurídica prazo reduzido para as relações de direito privado, por imperativo de necessária interpretação teleológica, deve-se aplicar, às pretensões deduzidas em face do Estado, na pior das hipóteses, o mesmo prazo.

O consagrado administrativista José dos Santos Carvalho Filho, em seu Manual de Direito Administrativo, acentua que:

Se a ordem jurídica sempre privilegiou a Fazenda Pública, estabelecendo prazo menor de prescrição da pretensão de terceiros contra ela, prazo esse fixado em cinco anos pelo Decreto 20.910/32, raia ao absurdo admitir a manutenção desse mesmo prazo quando a lei civil, que outrora apontava prazo bem superior àquele, reduz significativamente o período prescricional, no caso para três anos (pretensão à reparação civil).

Além disso, deve-se atentar para o que dispõe o artigo 10 do Decreto n. 20.910/32, que assim dispõe:

Art. 10. O disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras.

Significa, desta feita, que a prescrição das pretensões formuladas contra a Fazenda Pública é qüinqüenal, ressalvados os casos em que a lei estabeleça prazos menores.

Irrepreensível, nesse sentido, a linha de raciocínio desenvolvida pelo Ministro Castro Meira, no voto condutor do julgamento do REsp 1.137.354, como se vê do trecho abaixo transcrito:

Ainda que, em tese, Ainda que, em tese, os princípios basilares da hermenêutica conduzam à prevalência da lei especial sobre a lei geral, tem-se que, no caso concreto, o conflito das normas encontra expressa solução justamente no Decreto nº 20.910/32, cujo art. 10 reza que "o disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas as mesmas regras."

E prossegue o magistrado, conferindo, assim, ainda maior robustez à tese:

Como se observa, o legislador estatuiu a prescrição de cinco anos em benefício do Fisco e, com o manifesto objetivo de favorecer ainda mais os entes públicos, estipulou que, no caso da eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o prazo quinquenal seria afastado neste particular. É exatamente essa a situação em apreço, daí porque se revela legítima a incidência na espécie do prazo prescricional de três anos, fruto do advento do Código Civil de 2002.

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Diante disso, a pretensão de reparação civil contra a Fazenda Pública submete-se ao prazo prescricional de 3 anos, e não à prescrição qüinqüenal. Aplica-se no particular, o disposto no art. 206, parágrafo 3º, V, do Código Civil de 2002, que instituiu prazo menor para uma pretensão específica, devendo, assim, por força do que estabelece o art. 10 do Decreto n. 20.910/32, prevalecer, no que diz respeito à reparação civil, em detrimento do prazo qüinqüenal, instituído para as ações em geral.

Defendendo o prazo trienal, o professor pernambucano Leonardo José Carneiro da Cunha, em seu A Fazenda Pública em Juízo, da Editora Dialética, p. 86, afirma que:

A legislação geral atual (Código Civil de 2002) passou a prever um prazo de prescrição de 3 (três) anos para as pretensões de reparação civil. Ora, se a finalidade das normas contidas no ordenamento jurídico é conferir um prazo menor à Fazenda Pública, não há razão para o prazo geral – aplicável a todos, indistintamente – ser inferior àquele outorgado às pessoas jurídicas de direito público. A estas deve ser aplicado, ao menos, o mesmo prazo, e não um superior, até mesmo em observância ao disposto no artigo 10 do Decreto n. 20.910/1932.

Segue, abaixo transcrita, ementa de recente julgado – Resp 1.137.354 - da 2ª Turma do STJ, que aplicou o prazo trienal:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. DECRETO Nº 20.910/32. ADVENTO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA TRÊS ANOS.

1. O legislador estatuiu a prescrição de cinco anos em benefício do Fisco e, com o manifesto objetivo de favorecer ainda mais os entes públicos, estipulou que, no caso da eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o prazo quinquenal seria afastado nesse particular. Inteligência do art. 10 do Decreto nº 20.910/32.

2. O prazo prescricional de três anos relativo à pretensão de reparação civil – art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002 – prevalece sobre o quinquênio previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32.

3. Recurso especial provido.

Por fim, deve prevalecer o entendimento segundo o qual as pretensões de reparação civil formuladas em face da Fazenda Pública prescrevem em 3 anos, por força da incidência do art. 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código Civil de 2002.

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Sobre o autor
Gustavo Leonardo Maia Pereira

Procurador Federal em exercício na Coordenação de Tribunais Superiores da Procuradoria-Geral Federal. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará e Especialista em Direito Processual Civil. Ex-Procurador do Estado de Goiás. Ex-Coordenador de Tribunais Superiores da PGF/AGU. Ex-Assessor Legislativo da Secretaria-Geral da Presidência da República. Ex-Chefe Adjunto da Assessoria Jurídica junto à Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Gustavo Leonardo Maia. Aplicabilidade do prazo prescricional trienal às pretensões de reparação civil contra a Fazenda Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2728, 20 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18068. Acesso em: 2 nov. 2024.

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