Nem contra, nem a favor; muito pelo contrário
Os ilustrados juízes-ministros do Supremo sacrificaram seus privilegiados neurônios na busca de uma solução para o dilema que eles próprios criaram, qual seja: o Presidente está obrigado a extraditar o senhor Cesare Battisti conforme deferido pelo STF ou, muito embora tenha o STF decidido pela extradição, ele não está obrigado a dar cumprimento ao deferimento - ele pode extraditar ou não, decidirá como bem lhe aprouver?
E "magistralmente", decidiram: "Não reconhecimento", o que vale dizer: o STF não reconhece a absoluta submissão do Presidente da República ao quanto por ele decido, mas também não reconhece que o Presidente tenha poder discricionário, ou seja, que a extradição fique ao seu bel-prazer. Esse "Não reconhecimento" equivale a dizer: "Não somos contra nem a favor, muito pelo contrário". Em resumo, discutiu-se, discutiu-se, e nada se decidiu a respeito do dilema que o próprio STF criou. E da "indecisão" resultou a não menos "magistral" e inútil conclusão:
"Obrigação apenas de agir nos termos do Tratado celebrado com o Estado requerente".
Meu Deus! A celebração do tratado extradicional entre Brasil e Itália não teve outro escopo senão o de os celebrantes obrigarem-se reciprocamente ao cumprimento do quanto nele entabulado. Está no papel; o Estado brasileiro e o Estado italiano sabem que se impuseram uma obrigação que, preenchidos os requisitos estabelecidos no tratado, não pode ser negada, sob pena de desgaste da honradez de um perante o outro e, também, perante a comunidade internacional, especialmente quando, hoje, se vive num mundo globalizado. O art. 1º do Decreto Presidencial nº 863, de 9 de julho de 1993, diz o seguinte: "O Tratado de Extradição, firmado entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, em 17 de outubro de 1989, apenso por cópia ao presente decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém" (grifos nossos). No Artigo I do Tratado de Extradição Brasil-Itália está estabelecido: "Cada uma das Partes OBRIGA-SE a entregar a outra, mediante solicitação, segundo as normas e condições estabelecidas no presente Tratado, as pessoas que se encontrem em seu território e que sejam procuradas pelas autoridades judiciárias da Parte requerente, para serem submetidas a processo penal ou para a execução de uma pena restritiva de liberdade pessoal" (grifos nossos). Em artigo anterior (Extradição – Lei nº 6.815/80) dissemos: "... o Governo deve cumprir uma obrigação (no caso de decisão concessória) a si imposta por ele próprio, decorrente de mandamento estabelecido em Tratado ou Acordo-Lei ao qual, em nome do povo brasileiro, se vinculou e que, também em nome desse mesmo povo e, sobretudo, em respeito à sua honra, deve cumpri-la".
Desnecessário, inócuo, o alerta do STF, como não poderia deixar de ser, pois fruto (podre) de uma injustificada apreciação.
A SOBERBA DO PRESIDENTE
Com sua, hoje, peculiar soberba, quando indagado pela mídia sobre o quanto decidido pelo STF, do indestrutível pedestal em que se imagina estar, o Presidente da República respondeu: "Eu só me pronunciarei sobre o caso quando os autos do processo estiverem no meu gabinete, com o parecer da Advocacia-Geral da União, que é quem vai me orientar; "o órgão tem o tempo que for necessário para dar um parecer adequado" (grifos nossos). Repararam? "Eu". É ele quem se pronunciará; não é o Governo brasileiro. Será um pronunciamento pessoal, de sua inteira conveniência; não levará em conta os interesses da Nação. A arrogância é deveras demasiada. Não se encontra na regulação da extradição nem mesmo menção ao Presidente da República. Em alguns passos "próprios" a legislação fala em Governo ou órgãos do Governo (Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Justiça).
UMA NOVA SUPREMA INSTÂNCIA
Até então, enquanto vige a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, tem-se o Supremo Tribunal Federal como a mais Alta Corte de Justiça da nação brasileira, a quem compete, precipuamente, a guarda da Constituição(art. 102). Mas a malfadada decisão proferida no processo extradicional do senhor Cesare Battisti, consubstanciada na Ementa nº 08, que ensejou interpretação errônea não só da mídia, mas também, por incrível que possa parecer, de muitos, e até conceituadíssimos, operadores do Direito - alguns dos quais não devotam simpatia ao extraditando e, pois, insuspeitos de parcialidade - poderá criar uma nova instância, "extrajudicial", com poderes superiores e, pois, suficientes para invalidar decisão do STF, aqui só vista no Brasil Império, na vigência da Constituição de 1824, época em que, em face do regime, não era de se admirar que a vontade do Imperador prevalecesse sobre tudo. Hoje, mundo afora, isso não se observa nem mesmo nos países em que é adotado o regime monárquico. Denota-se, é claro, em regimes ditatoriais e em algumas repúblicas islâmicas, nas quais, "constitucionalmente", os poderes dos ayatolás estão acima das demais instituições.
Faz-se hipócrita quem diz não ver, hoje, no nosso Presidente a marca da soberba, da arrogância, da prepotência, que por sinal, deixa transparecer, o compraz. Não estamos sendo levianos. Voltamos a transcrever suas declarações após a publicação do acórdão: "Eu só me pronunciarei sobre o caso quando os autos do processo estiverem no meu gabinete, com o parecer da Advocacia-Geral da União, que é quem vai me orientar" (grifos nossos).
Posiciona-se, pois, o Presidente da República, com o aval do Supremo Tribunal Federal, já que esclarecimento algum deu quanto ao conteúdo do julgado, como o Supremo Julgador do Estado brasileiro e órgão a quem cabe, inclusive, decidir em última instância causas "jurídicas" delicadas quando a instituição constitucionalmente credenciada para tanto se acovarda diante dessas situações. E não se diga que é por ignorância; que entende caber a ele tal prerrogativa por não estar devidamente familiarizado com as letras, muito principalmente com as letras jurídicas. É por soberba mesmo. Não concebemos que o povo brasileiro esteja a "bem remunerar" uma Advocacia-Geral da União incompetente ao ponto de não dar uma correta interpretação do instituto da extradição à luz de uma legislação tão clara. E é por isso que não cremos que seus membros já não tenham tentado dissuadi-lo da tirana idéia de ignorar a decisão do Supremo Tribunal Federal.
Mas bem feito! Atrás dissemos: ‘... a decisão do STF é timidamente covarde porque assim se revela: espelha um conselho, uma sugestão, uma recomendação - que não lho foi solicitada e tampouco está autorizado a tanto’. Não, o Presidente não se mostrou mal-agradecido. Arrogantemente e simplesmente, recusou uma recomendação que não foi por si solicitada e que foi fornecida por quem não lhe inspira confiança. Ele tem consigo que o Tesouro Nacional remunera órgão de sua inteira confiança a quem, quando bem lhe convier, poderá solicitar confiáveis recomendações.
A nebulosa decisão do Supremo Tribunal Federal foi suficiente para levar o Presidente da República a se convencer e a se consagrar "o líder supremo", sem limites, da nação brasileira: o "ayatoLula", entidade suprema, detentora de poderes que, estão também acima das prerrogativas constitucionalmente asseguradas às instituições da República Federativa do Brasil – frisamos, inclusive as do Poder Judiciário na sua mais alta expressão, o Supremo Tribunal Federal. Esse seu convencimento de poder é tanto que ele se acha no direito de agredir a outrora havida como a mais sagrada das instituições - a família, o que fez por diversas vezes ao invadir os lares brasileiros com palavrões em transmissões radiofônicas e televisivas de suas entrevistas e comícios. Perguntamos: como repreender um filho ou neto nosso que, em plena ceia do Natal solte um daqueles palavrões usados pelo Presidente Lula? Repreendido, dirá: ‘Aaah, meu pai, ou meu vô, o Lula que é o Presidente da República xinga, por que eu não posso? Ah, meu pai, ou meu vô, deixa disso, tá liberado’.
COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO STF
O art. 102 da Constituição Federal preceitua: "Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originalmente: ...; g) a extradição solicitada por Estado Estrangeiro; ..." (grifos nossos). Isto já preceituava o art. 114, inciso I, letra g, da C.F. de 1967, em cuja vigência foi promulgado o Estatuto do Estrangeiro.
Registramos no artigo Extradição – Lei nº 6.815/80 que o legislador brasileiro cercou-se de todas as cautelas para que um eventual pedido de extradição fosse observado com a merecida acuidade; que para a concessão ou negação de extradição delegou poderes à elite da cultura jurídica nacional – o Supremo Tribunal Federal -; e, que razão outra para isso não teve senão a de garantir uma apreciação extremamente técnica da questão e uma decisão não comprometedora da honradez e dos interesses da nação brasileira. Salientamos ainda que o legislador foi exigente na medida da importância do instituto da extradição. A necessidade de uma apreciação extremadamente abalizada fez com que ele não se contentasse com um exame da legalidade e procedência do pedido de extradição por um ministro-juiz do STF; nem por uma de suas Turmas. Determinou que a verificação dos pressupostos legais e, por conseqüência, a procedência ou não da vindicação fossem encargo do Supremo Tribunal Federal na sua composição plena. Em razão disso o art. 83 da lei nº 6.815/80 ganhou a seguinte redação: "Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão"
Por gentileza, perdoem-nos por, a seguir, pormenorizar passos que para muitos serão considerados desnecessários, e que, certamente, motivará sermos havidos como chatos e repetitivos. Mas, diante da recalcitrância de alguns, desrespeito de outros e da seriedade com que tratamos o tema, os qualificativos serão para nós de somenos importância.
- O JULGAMENTO
"Julgar", juridicamente falando, segundo o "Velho Aurélio", significa "decidir como juiz ou árbitro"; "dar sentença", "sentenciar" ...
O Supremo Tribunal Federal está autorizado pela nossa Carta Magna a "julgar", como órgão judicante que é, e "único" (competência original), a extradição solicitada por Estado Estrangeiro (art. 102). Por força dessa determinação o art. 83 da Lei nº 6.815/80 preceitua: "Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, ...". O art. 77, § 2º,desse mesmo diploma, ao se referir aos impedientes da extradição, já prenuncia isso ao estabelecer que "Caberá, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal, a apreciação do caráter da infração" (grifo nosso).
Submetida, pois, à apreciação do Supremo Tribunal Federal um pedido de extradição é-lhe imposto, observados os requisitos legais, o julgamento da pretensão, o que importará em reconhecer a procedência ou improcedência do pleito.
- A CONCESSÃO DA EXTRADIÇÃO
"Conceder",também segundo o retro citado "pai dos burros", significa, "deferir", "atender", "concordar", "anuir" ...
Também no nosso artigo Extradição – Lei nº 6.815/80 enfatizamos: "Do quanto preceituado no art. 86, retro transcrito, depreende-se facilmente que o Supremo Tribunal Federal não pode, e não deve, ser havido como órgão consultivo do Governo e tampouco sua decisão ser interpretada como autorização para que ele, Governo, conceda ou não a extradição. O Supremo Tribunal Federal é a instituição concedente da extradição. Ele e somente ele pode concedê-la ou negá-la. Sua decisão é, sim, autorizadora, como assim a quis o legislador, mas a autorização nela contida é para que o Governo entregue o paciente reclamado ou negue sua entrega com a certeza de que, em qualquer caso, assim o faz, resguardando a honradez e os interesses da Nação brasileira, respaldado em conclusão de sua mais Alta Corte de Justiça". Eis o teor do art. 86 da Lei nº 6.815/80: "Concedida a extradição, será o fato comunicado através do Ministério das Relações Exteriores à Missão Diplomática do Estado requerente que, no prazo de sessenta dias da comunicação, deverá retirar o extraditando do território nacional" (grifos nossos). Que fato é esse a ser comunicado através do Ministério das Relações Exteriores à missão diplomática do Estado requerente e de onde o mesmo provém? Ora, o Estado requerente faz uma solicitação ao Brasil e o que sua missão diplomática espera é uma resposta à extradição requerida; e essa resposta só pode se traduzir no deferimento ou indeferimento do pleito. E a concessão ou não da extradição só pode provir do Supremo Tribunal Federal, a quem cabe julgar e, por fim, decidir sobre a extradição solicitada. Não há nem como se conjeturar que a decisão provenha do Presidente da República, que, como antes dito, é figura estranha ao processo extradicional. Outrossim, não há como se conceber que a comunicação do fato parta do Presidente da República para o Ministério das Relações Exteriores.
Conforme reconhecido – procedente ou improcedente - será o pedido deferido ou indeferido, será a extradição requerida concedida ou não pelo Supremo Tribunal Federal.
Não se pode chegar a outra conclusão senão a de que ao Supremo Tribunal Federal compete conceder, deferir, a extradição. Já no art. 81 da Lei 6.815/80 isso está bastante claro: "O Ministério das Relações Exteriores remeterá o pedido ao Ministério da Justiça, que ordenará a prisão do extraditando colocando-o à disposição do Supremo Tribunal Federal". A expressão "colocando-o à disposição" é reveladora disso. Preso, desde então, a sorte do extraditando subordinar-se-á ao comando do STF, que é expresso no acórdão proferido no respectivo processo. E o legislador não descuidou de assegurar o cumprimento do comando sentencial proferido pela Suprema Corte. Assim é que no parágrafo único desse mesmo dispositivo impõe: "A prisão perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão albergue" (grifos nossos). Ficará o extraditando preso, cercado de todas as cautelas para evitar sua fuga, no aguardo da decisão do STF sobre sua extradição ou não para a nação requerente. Não há como se entender de outra forma.
E não só na Constituição (art. 102) e nos dispositivos regedores da extradição da Lei 6.815/80 percebemos que a competência é exclusivamente do Supremo Tribunal Federal. Ao regular a expulsão essa mesma lei estabelece no art. 60: "Caberá exclusivamente ao Presidente da República resolver sobre a conveniência e a oportunidade da expulsão ou de sua revogação" (grifos nossos). Pois é, quando o legislador entendeu que a saída forçosa de um estrangeiro do nosso território se desse por força de ato exclusivo e discricionário do Presidente da República – sem precedê-lo ato de qualquer outro órgão, assim o fez; e o fez "explicitamente E mais, no seu parágrafo único proclama o mesmo art. 60: "A medida expulsória ou sua revogação far-se-á por decreto". Outro não pode ser esse decreto senão um decreto administrativo, um decreto presidencial. Podemos ser considerados maçantes, mas tentando esclarecer ainda mais dizemos que o art. 102 da C.F. preceitua: "Compete ao Supremo Tribunal Federal, ... : I – processar e julgar, originalmente: ...; g) a extradição solicitada por Estado Estrangeiro; ...";e que o art. 83 da Lei nº 6.815/80 impõe: "Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão" (grifos nossos). A extradição é, pois, concedida "por decisão" do Supremo Tribunal Federal; decisão que se consubstancia numa sentença, num acórdão, num decreto, mas "um decreto judicial".
- IMUTABILIDADE DA DECISÃO DO STF
É do seguinte teor o complemento do art. 83 da Lei nº 6.815/80: "... não cabendo recurso da decisão" (grifos nossos).
Consignamos também no trabalho Extradição – Lei nº 6.815/80: "À exigência de composição plenária do Supremo o legislador fez corresponder uma confiança plena no quanto por ele decidido. A certeza de juridicidade de sua decisão é tanta que não se admite reforma do entendimento consubstanciado no veredicto ("..., não cabendo recurso da decisão"), ou seja, faz-se coisa julgada (imutável) desde que prolatada, decorrendo dessa circunstância a necessidade de sua imediata efetivação. E isso não por força da decisão concessória ou denegatória do pedido, que não deve trazer no seu contexto comando nesse sentido. Poderia deixar transparecer imposição de obrigação ao Executivo pelo Judiciário, quando, nesse momento, o Governo deve cumprir uma obrigação (no caso de decisão concessória) a si imposta por ele próprio, decorrente de mandamento estabelecido em Tratado ou Acordo-Lei ao qual, em nome do povo brasileiro, se vinculou e que, também em nome desse mesmo povo e, sobretudo, em respeito à sua honra, deve cumpri-la".
O legislador credenciou os operadores do Direito, presumivelmente, mais abalizados da Nação, e reunidos em sua plenitude, para apreciar um pedido de extradição. Relegou órgãos que, também supostamente, estão muito mais municiados de conhecimentos jurídicos do que a Advocacia-Geral da União (Juízos Singulares, Turmas e Plenos de Tribunais Regionais, Turmas e Pleno do STJ e até Turmas do STF). E a decisão desse diferenciado colegiado é irrecorrível, imutável, pelo que só se pode admitir que o comportamento do Presidente, se não insano, é prepotente e desafiador da instituição Supremo Tribunal Federal.
Despótico, pois, revelou-se o Presidente da República ao dizer:"Eu só me pronunciarei sobre o caso quando os autos do processo estiverem no meu gabinete, com o parecer da Advocacia-Geral da União, que é quem vai me orientar". Declaração acintosa, desrespeitosa. Uma subestimação pública a um dos pilares da República Federativa do Brasil – o Poder Judiciário, na sua mais alta expressão - o Supremo Tribunal Federal. Sua arrogância o motiva a fazer da Constituição Federal letra morta, elevando a Advocacia-Geral da União à posição de instância superior e competente para revisar extrajudicialmente decisão do STF irrecorrível judicialmente. Declaração própria de um ditador, de um tirânico.