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Extradição: decisão imperativa.

Submissão absoluta do Presidente da República Federativa do Brasil ao acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Federal

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21/12/2010 às 17:59
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A VERDADEIRA EXPRESSÃO DO ACÓRDÃO

(ERROS E ACERTOS)

"EXTRADIÇÃO. Passiva. Executória. Deferimento do pedido. Execução. Entrega do extraditando ao Estado requerente. Submissão absoluta ou discricionariedade do Presidente da República quanto à eficácia do acórdão do Supremo Tribunal Federal. Não reconhecimento. Obrigação apenas de agir nos termos do Tratado celebrado com o Estado requerente. Resultado proclamado à vista de quatro votos que declaravam obrigatória a entrega do extraditando e de um voto que se limitava a exigir observância do Tratado. Quatro votos vencidos que davam pelo caráter discricionário do ato do Presidente da República. Decretada a extradição pelo Supremo Tribunal Federal, DEVE O PRESIDENTE DA REPÚBLICA observar os termos do Tratado celebrado com o Estado requerente, QUANTO Á ENTREGA do extraditando" (grifos nossos).

Como dissemos no início deste trabalho, a mídia nacional deu à ementa nº 08 do acórdão prolatado no processo extradicional do senhor Cesare Battisti a interpretação que bem entendeu. E a entendeu de forma completamente equivocada, e assim a divulgou para conhecimento da nação brasileira. Silente o Supremo Tribunal Federal, a sociedade brasileira a absorveu com expressão da verdade e da vontade do Máximo Colegiado Jurisdicional do Brasil. De forma simples mostraremos que o que entendeu a imprensa nacional não foi a vontade do STF expressada na ementa nº 08. Vamos, passo a passo, à análise da ementa, mostrando os equívocos e acertos que, modestamente, entendemos ter cometido o STF no julgamento do processo.

- Extradição. Passiva. Executória. DEFERIMENTO DO PEDIDO.

Presentes os pressupostos de admissibilidade – a legislação brasileira agasalha o instituto da extradição e o Brasil mantém Tratado Extradicional com a Itália - foi a extradição conhecida e, por fim, verificada a legalidade e procedência, foi a solicitação provida – ACERTOU o STF.

- Execução. ENTREGA DO EXTRADITANDO AO ESTADO REQUERENTE.

Julgada procedente a vindicação feita pela Itália, restava tão-só determinar a entrega do paciente-reclamado à nação requerente; e assim o fez o STF – ACERTOU.

- Submissão absoluta ou discricionariedade do Presidente da República quanto à eficácia do acórdão do Supremo Tribunal Federal. NÃO RECONHECIMENTO, OBRIGAÇÃO APENAS DE AGIR NOS TERMOS DO TRATADO CELEBRADO COM O ESTADO REQUERENTE.

O Direito brasileiro agasalha a extradição como um processo eminentemente judicial. E nesse processo o Presidente da República é figura estranha. Só funcionam no procedimento: o extraditando, assistido por curador ou advogado, limitando-se sua defesa às alegações de não ser o preso a pessoa reclamada, defeito de forma dos documentos apresentados pela requerente ou ilegalidade da extradição (art. 85, "caput" e § 1º, da Lei 6.815/80); o Ministério Público Federal, como fiscal da lei e na pessoa do Procurador Geral da República, observando a regularidade da instrução do processo (art. Art. 85, § 2º, idem); a requerente, também assistida por causídico; e, decidindo sobre a legalidade e procedência do pedido, o Supremo Tribunal Federal. Mais uma vez salientamos: no procedimento extradicional o Governo, por seus agentes, pratica atos que terminam por se caracterizarem como auxiliares do Supremo Tribunal Federal, que é a quem compete processar e julgar o feito.

A não submissão absoluta ao acórdão e a discricionariedade do Presidente da República não deveriam ter sido apreciadas. Pedidos ineptos, pois sem fundamentação, já que a defesa do extraditando deve se limitar às três alegações retro mencionadas, mereciam nada mais do que um solene não conhecimento. Mas já que deles tomou conhecimento, deveria o STF indeferi-los, mas reconhecendo a submissão do Presidenteao acórdão, pois a ele não é dado se reconhecer diferente dos demais brasileiros, como também reconhecendo a si, STF, a qualidade de instância original, única, para processar e julgar a extradição, não só do senhor Cesare Battisti como de qualquer outro estrangeiro - ERROU, pois, e por duas vezes, o STF.


CONCLUSÃO DO ACÓRDÃO

- "Decretada a extradição pelo Supremo Tribunal Federal, deve o Presidente da Repúblicaobservar os termos do Tratado celebrado com o Estado requerente, quanto á entrega do extraditando", concluiu o STF. Vamos por parte.

PRIMEIRA

"... deve o Presidente da República ...".

A lei em momento algum fala em Presidente da República; e tampouco o Tratado Brasil-Itália. Repete-se:"A extradição será requerida por via diplomática ..."; "Concedida a extradição, será o fato comunicado através do Ministério das Relações Exteriores à Missão Diplomática do Estado requerente ..." (arts. 80 e 86, respectivamente, da Lei nº 6.815/80). O Tratado no seu art. X, § 1º, estabelece: "Para os fins do presente tratado, as comunicações serão efetuadas entre o Ministério da Justiça da República Federativa do Brasil e o Ministério de Grazia e Giustizia da República Italiana, ou por via diplomática". Vê-se, assim, que o STF ao endereçar a decisão ao Presidente da República ERROU; e foi um erro que, embora relevável, pois os titulares dos ministérios exercem funções delegadas, e quem pode o mais pode o menos, ratificou o temor reverencial que tem o STF antes revelado no não reconhecimento da submissão do Presidente ao acórdão por si prolatado.

SEGUNDA

"... observar os termos do tratado celebrado com o Estado requerente, QUANTO Á ENTREGA DO EXTRADITANDO" (grifos nossos).

A emenda saiu melhor do que o soneto. Após os retro citados desacertos o STF foi feliz na conclusão. Só muita má vontade para não extrair da conclusão da ementa nº 08 que o Supremo Tribunal Federal concedeu, determinou, a extradição e fez a recomendação para que o Governo brasileiro observasse os termos do Tratado celebrado com a Itália no que concerne À ENTREGA do extraditando – o que não era necessário, pois é de se presumir que o Executivo seja conhecedor de suas responsabilidades nas relações internacionais, no particular a extradição, para o que é credenciado pela Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal nada mais fez do que alertá-lo para que, antes de entregar o paciente-reclamado, submetesse à aquiescência da Itália o termo de compromisso de que fala o art. 91 da Lei nº 6.815/80, ficando subentendido que em caso de recusa na aceitação do compromisso está o Governo brasileiro autorizado - pela legislação pátria e pelo Tratado Brasil-Itália - a não entregar o paciente-reclamado. ACERTOU o STF ao determinar a observância dos termos do tratado celebrado "quanto à entrega do extraditando", Foi a conclusão do acórdão a salvação da lavoura. A ela é de que se deve obediência, é o comando sentencial.

Errou sobremaneira o STF ao não rechaçar, incontinenti, a errônea interpretação que deu a mídia nacional ao julgado. Isso evitaria constrangimentos que ainda estão por vir.


O SEGUNDO EMBRÓGLIO EM QUE SE ENVOLVEU O STF

Pelo quanto aqui expusemos, acreditamos que não resta a mínima dúvida de que o Supremo Tribunal Federal, alicerçado em dispositivo constitucional e em Tratado-Lei celebrado entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, decidiu de forma indubitavelmente acertada pela extradição do senhor Cesare Battisti.

Essa decisão foi publicada em 16 de abril de 2010. Em data de 03 de maio o Supremo enviou ofícios aos Ministérios da Justiça e das Relações Exteriores comunicando oficialmente a decisão da Corte no processo de extradição tombado sob o nº 1085, que tem como requerente a República Italiana e como paciente-reclamado o senhor Cesare Battisti. Dessa comunicação denota-se que o STF corrigiu o equívoco em que incorreu ao se referir no acórdão ao Presidente da República. Na realidade queria mesmo ali consignar Governo Brasileiro. Mas, como é público e notório, o Presidente da República avocou para si a responsabilidade que a princípio seria do Ministro das Relações Exteriores (art. 86 da Lei nº 6.815/80 e art. X, § 1º, do Tratado Brasil-Itália) ou do Ministro da Justiça (art. X, § 1º do Tratado Brasil-Itália), fato pelo qual não se pode tecer censura já que seus titulares exercem funções delegadas pelo Presidente. Estamos em dezembro de 2010 e até o então o Presidente não deu cumprimento à decisão extraditória - ou melhor, sequer deu conhecimento à nação requerente da decisão do Supremo Tribunal Federal -, o que, à falta de fatos autorizadores do sobrestamento da entrega, se caracteriza como crime de responsabilidade, segundo o preceituado no art. 85 da Constituição Federal, que está assim redigido: "São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: ...; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais".

Sabe-se, cabe a qualquer do povo representar por crime de responsabilidade contra qualquer autoridade constituída que o cometa. Mas, "permissa venia", entendemos que, diante das responsabilidades atribuídas ao STF, como guardador da Constituição (art. 102, "caput", da C.F.), como instância única para processar e julgar extradição (art. 102, inciso I, letra g, idem) e também pelas atribuições a si conferidas pelos arts. 77, § 2º, e 83 da Lei nº

6.815/80, precipuamente, lhe cabe representar por crime de responsabilidade contra o Presidente da República pelo descumprimento de suas decisões em processos extradicionais. Acreditamos que não existe nada que machuque mais o orgulho de um magistrado do que ver uma sentença por si prolatada como "uma coisa" desprezível, de nenhuma valia. E é assim que o Presidente da República está tratando o acórdão proferido no processo de extradição do senhor Cesare Battisti. Perguntamos: de que valeram as horas de discussões acaloradas entre os pares do STF e que chegaram a propiciar clima de animosidade entre eles? Foram em vão os gastos de tempo, de dinheiro com energia elétrica, material de expediente, horas extras de funcionários na tramitação desse processo, com cobertura radiofônica e televisa, inclusive? Sinceramente, não acreditamos que algum ministro-juiz do STF tenha coragem de admitir que aquilo tudo não passou de um espetáculo teatral custeado com dinheiro público e que não causa nenhum constrangimento ver o que lhes consumiu tantas horas de labor jogado na cesta do lixo do gabinete do Presidente da República, em troca de um desvalido parecer da Advocacia-Geral da União.

É aí que aparece um dos mais sérios constrangimentos pelos quais passará o STF em decorrência de sua tibieza. Como representar contra o Presidente da República por crime de responsabilidade, por descumprimento de decisão judicial consubstanciada em acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, se ele próprio, STF, nesse mesmo acórdão, contrariando o quanto disposto no art. 5º, "caput", da Constituição Federal, reconheceu expressamente ser Presidente da República pessoa diferente dos demais brasileiros e o desobrigou a dar cumprimento ao comando sentencial?

Não podemos deixar de aqui registrar que estranhamos que o Ministério Público Federal, através de seu Procurador-Geral, como fiscal da lei que é, e o ilustre patrono da República Italiana, não tenham tomado a iniciativa de representar contra o Presidente da República ou contra o Ministro das Relações Exteriores ou contra o Ministro da Justiça ou contra ambos. A verdade é que até então ninguém saiu em defesa da ordem legal subvertida nesse particular processo.


INSUBORDINAÇÃO E COVARDIA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Dissemos linhas atrás que o acórdão foi publicado no dia 16 de abril do corrente ano; que quando tomou conhecimento dessa publicação o Presidente da República, em flagrante desrespeito aos titulares das Pastas aos quais a Lei nº 6.815/80 e o Tratado Brasil-Itália declinaram competência para intermediar processo extradicional que envolvam as duas nações, avocou, publicamente, para si esse encargo; que no dia 03 do mês seguinte foram cientificados os Ministérios da Justiça e das Relações Exteriores; e, que até hoje o extraditando permanece em solo brasileiro à custa do cofre público, "brasileiro", sem qualquer justificativa plausível (casos de sobrestamento da entrega). A mantença do senhor Cesare Battisti até então no Brasil, apesar de o STF ter determinado sua extradição, não se deve tão-só ao fato de o Presidente da República se achar acima de tudo e de todos. Não! Terminantemente, não se trata tão somente de insubordinação. Seu silêncio é desleal, covarde. Poderia muito bem dar cumprimento à determinação do STF sem qualquer constrangimento, pois assim agindo não estaria fazendo nada mais do que cumprir a lei. Mas isso desagradaria à "banda podre" do seu partido, que comunga com os métodos que o senhor Cesare Battisti empregou na Itália para fazer valer suas convicções políticas. Como também poderia, contrariando a lei, negar a entrega do extraditando. Mas isso poria em risco sua absurda pretensão de ser Secretário-Geral da ONU. Esperto, sairá de bem com todos, deixando a responsabilidade da entrega ou não para a presidenta eleita – que se sabe também é simpatizante do extraditando, pelo que já se presume o desfecho dos imbróglios causados pela tibieza do STF.

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ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO EM RISCO

("Tá tudo dominado")

Diz o artigo 1º da Constituição Federal que o Brasil constitui-se em "Estado Democrático de Direito". Mas essa constituição, de algum tempo para cá, estamos vendo desmoronar. O sustentáculo desse Estado Democrático de Direito é o poder Judiciário. O regime democrático adotado pelo Brasil pode até comportar um poder Executivo corrupto e um Legislativo igualmente corrupto e subserviente, desde que tenha um Poder Judiciário autônomo, independente, para, assumindo suas prerrogativas, obstar ou, no mínimo, minorar as conseqüências das maquinações perpetradas pelos outros dois poderes. Só um poder Judiciário independente (art. 2º da C.F.) pode ser o guardião da Constituição (art. 102, "caput", da C.F.) e, portanto, fazer valer o que nela está estabelecido, mantendo a ordem jurídica da nação e, assim, assegurando a convivência dos brasileiros em pleno "Estado Democrático de Direito". Não se concebe também um pleno "Estado Democrático de Direito" no Brasil sem que exista uma imprensa livre de censuras (art. 220 da C.F.). São, pois, instituições basilares para que se conviva em pleno "Estado Democrático de Direito". Um poder Judiciário realmente independente, com seus juízes julgando conforme seu livre convencimento, e dessa forma não descumprindo o juramento que fizeram quando ingressaram na magistratura. E uma imprensa destemida para denunciar à opinião pública as malfeitorias, dando, assim, respaldo popular às decisões judiciais, quando for solicitada a prestação jurisdicional pelos órgãos judicantes. Algemadas essas instituições, cria-se um clima de baderna, o que servirá de argumento suficientemente convincente para a instalação de um regime autoritário. É notório, o Brasil caminha, ou melhor, é carregado a passos largos para isso.

Desde o início do Governo Lula nossas instituições vêm sendo depreciadas, desgastadas, humilhadas. O poder Legislativo foi tão avacalhado pelo Executivo que deu margem até ao Hugo Chávez, presidente da Venezuela e ídolo do Presidente Lula, também "tirar sua lasquinha". Cansados, os parlamentares, das humilhações e dando demonstração de que não tinham e não têm compromissos com ideologia alguma, que preocupados estão com interesses particulares e não com os anseios do povo, se renderam – com raríssimas exceções - aos caprichos dos detentores do poder. Adotaram a velha máxima de que "se não pode com o inimigo alie-se a ele". Esqueceram suas siglas, estatutos e programas de governo e passaram a ler a cartilha petista; contentaram-se com a pecha de "base aliada" (na verdade "base usada") e passaram a "fazer parte" do Governo. O Congresso Nacional, hoje, é em um terreiro – fétido - onde o canto do galo dos detentores do poder prevalece em qualquer circunstância.

O Supremo Tribunal Federal demonstra, mais do que nunca, ser um tribunal político. Quando não decide de pronto posterga decisões para atender à conveniência do Executivo. Formou-se um verdadeiro conluio (Executivo, Legislativo e Judiciário) para vilipendiar nosso ordenamento jurídico, sob olhares de instituições que deveriam sair em sua defesa. É de se estranhar que instituições como o Ministério Público Federal – esse principalmente -, a quem a Constituição Federal atribuiu a nobre função de defender a ordem jurídica da Nação brasileira, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação dos Magistrados Brasileiros adotarem comportamento omissivo diante das várias ofensas que vem sofrendo nosso ordenamento jurídico. Outra razão não vemos para isso senão a expectativa que têm seus membros de um dia virem a ocupar um assento num dos tribunais superiores. Não há como deixar de se reconhecer que as instituições de quem se poderia esperar a defesa do nosso ordenamento jurídico estão "dominadas".

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Sobre o autor
Ubiratan Pires Ramos

Auditor-fiscal do Trabalho, aposentado. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Ubiratan Pires. Extradição: decisão imperativa.: Submissão absoluta do Presidente da República Federativa do Brasil ao acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2729, 21 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18080. Acesso em: 22 nov. 2024.

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