Capa da publicação Inconstitucionalidade das decisões genéricas que rejeitam ou negam provimento aos embargos de declaração
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Inconstitucionalidade e ilegalidade (error in procedendo) das decisões judiciais genéricas e abstratas que, sem fundamentação válida, rejeitam ou negam provimento aos embargos de declaração

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27/12/2010 às 08:23
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3.Decisão genérica e abstrata: error in procedendo

Conforme adiantado, ainda que brevemente, tornou-se costume na prática forense o julgamento dos embargos de declaração em decisões que, de tão padronizadas e genéricas, restam totalmente esvaziadas de conteúdo material.

Neste campo, os Ministros do Superior Tribunal de Justiça conceberam alguns postulados que são reiteradamente copiados pelos demais magistrados, buscando legitimar suas próprias decisões omissas. Eis alguns dos mais disseminadas postulados criadas pelo STJ no assunto:

"O juiz não está adstrito ao alegado pelas partes nem se obriga a rebater um a um seus argumentos, quando já encontrou razões bastantes para firmar seu entendimento" [12].

"O magistrado, ao analisar o tema controvertido, não está obrigado a refutar todos os aspectos levantados pelas partes, mas, tão somente, aqueles que efetivamente sejam relevantes para o deslinde do tema" [13].

"O acórdão hostilizado solucionou a quaestio juris de maneira clara e coerente, sendo certo que o magistrado não está obrigado a responder todas as alegações ou questionários das partes, tampouco a rebater um a um todos seus argumentos." [14].

Há incontáveis decisões judiciais, supostamente legitimadas em jurisprudência do STJ, rejeitando embargos de declaração de forma genérica e padronizada, sem qualquer fundamentação específica.

Os arquétipos são construídos com base na generalidade, abstração e vagueza, levando essas características a níveis tão extremos que tornam a decisão adequada, formalmente, a todo e qualquer recurso.

Pode-se conjecturar, sem nenhuma resposta, ainda que se leia a ementa e a íntegra do voto do Relator, o objeto de conhecimento do magistrado na seguinte decisão:

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. INVIABILIDADE.

Ausência de omissão, contradição ou obscuridade. Os embargos de declaração não se prestam para a rediscussão da matéria de mérito. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DESACOLHIDOS.

VOTO

Não se verifica no acórdão embargado qualquer das hipóteses previstas no art. 535, I e II, do CPC.

Toda a matéria objeto da controvérsia foi suficientemente enfrentada pela Câmara, não havendo omissão, contradição ou obscuridade.

O embargante pretende rediscutir a matéria de mérito, o que é inviável em sede de embargos de declaração.

Aliás, o julgador não precisa responder a todos os argumentos trazidos pelas partes, cabendo-lhe pronunciar-se sobre as questões suscitadas de maneira fundamentada, prejudicial às alegações.

Isso posto, desacolho os embargos declaratórios." [15]

As decisões geralmente são curtas, como no caso transcrito, mas alguns modelos são mais longos, incluindo citações doutrinárias e jurisprudenciais, o que confere uma aparência de fundamentação válida, que não se confirma, pois os vícios da vagueza, generalidade e abstração continuam presentes. Ainda que se leia a íntegra da seguinte decisão, aparentemente mais elaborada, impossível analisar o objeto de cognição do magistrado no julgamento dos embargos de declaração:

"PROCESSUAL CIVIL. SUPOSTAS OMISSÕES DO JULGADO EMBARGADO. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA COM O FIM DE MODIFICAÇÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. ACLARATÓRIOS NÃO PROVIDOS.

1. É incabível, em sede de embargos de declaração, a busca por novo julgamento da matéria já expressamente decidida no acórdão combatido.

2. O tribunal não está adstrito à argumentação trazida pela parte recorrente, podendo decidir por fundamentos diversos daqueles que embasaram a pretensão da mesma, desde que a questão controvertida haja sido solucionada de modo fundamentado.

3. Em realidade, a parte embargante pretende a modificação do julgado pela presença de erro de fato, de acordo com sua interpretação acerca da não observância plena da causa de pedir exposta, o que se mostra incabível diante do caráter meramente integrativo dos embargos de declaração, cabendo à parte embargante, se for o caso, interpor o recurso próprio para corrigir eventual error in judicando, que entende ter ocorrido no julgamento em destaque.

4. O objetivo de prequestionamento não é hipótese autônoma para utilização dos embargos de declaração, sendo indispensável a demonstração da existência de obscuridade, contradição ou omissão (art. 535 do CPC), como requisitos específicos dessa espécie recursal integradora.

5. Em persistindo seu inconformismo, compete-lhe manejar o recurso específico para o objetivo colimado. Precedente deste Tribunal e do STJ: EREO nº 61.418/CE e REsp nº 13.911-0/SP.6.

Embargos de declaração conhecidos, mas não providos.

VOTO

Inicialmente, é importante salientar ser incabível, em sede de embargos de declaração, a busca por novo julgamento da matéria já expressamente decidida no acórdão combatido.

Ao apreciar a questão, verifico que a parte embargante não logrou demonstrar em que ponto a decisão embargada incorreu nas hipóteses de cabimento de embargos declaratórios art. 535, I e II, CPC, a ponto de merecer aclaramento por este MM juízo, mas enveredou-se no caminho da abordagem de omissão do julgado com o fim de alcançar novo julgamento da matéria já decidida por este eg Tribunal, em sede de Apelação, sendo defesa tal pretensão em sede de embargos de declaração, que é recurso de integração e, não, de modificação do julgado, ou para fins de prequestionamento.

Não há obrigatoriedade de o Julgador decidir a lide de acordo com o ponto de vista dos contendores, podendo solucioná-la sob prisma diverso e possível. Da mesma forma, não necessita mencionar os dispositivos constitucionais e/ou legais invocados pelas partes, podendo se utilizar de outras fontes do Direito, tais como doutrina e jurisprudência, para dar cabo ao litígio. Assim, não compete a este E. TRF da 5ª Região discorrer sobre cada um dos argumentos invocados nos presentes Aclaratórios. De fato, as partes devem fundamentar seus pedidos, conforme exige o CPC, desenvolvendo teses jurídicas, combinando diversos dispositivos legais, doutrinas, jurisprudências, etc. Contudo, o Julgador pode perfeitamente decidir com alicerce em fundamentos outros, sem necessitar rebater uma a uma as teses levantadas pela parte recorrente. O que importa, realmente, é emitir pronunciamento acerca da existência (ou não) de direito sobre os pontos em litígio.

O Tribunal não está adstrito à argumentação trazida pela parte recorrente, podendo decidir por fundamentos diversos daqueles que embasaram a pretensão da mesma, desde que a questão controvertida haja sido solucionada de modo fundamentado. Da mesma forma, tampouco está o Colegiado obrigado a se referir aos específicos dispositivos legais colacionados, se outros foram os preceitos, princípios e fundamentos nos quais restou assente a decisão ora objurgada.

Em suma, entendo não restar caracterizada omissão, contradição ou obscuridade no acórdão recorrido, sendo suficiente a apreciação da questão jurídica envolvida para que tenha havido pleno exame da lide, inclusive para fins de prequestionamento para acesso à instância extraordinária.

O objetivo de prequestionamento não é hipótese autônoma para utilização dos embargos de declaração, sendo indispensável demonstração da existência de obscuridade, contradição ou omissão (art. 535 do CPC), como requisitos específicos dessa espécie recursal integradora.

Assim tem decidido esta eg. Corte:

"(...) 4. Mesmo nos embargos de declaração com o fito de prequestionamento, deve-se observar os limites traçados pelo art. 535 e incisos, do Código de Processo Civil, pois, conforme julgamento do RE nº 141.788/CE, "O prequestionamento para o RE não reclama que o preceito constitucional invocado pelo recorrente tenha sido explicitamente referido pelo acórdão, mas, sim, que este tenha versado inequivocamente a matéria objeto da norma que nele se contenha." (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, publicado no DJ em 18/6/93)".

5. Embargos de Declaração improvidos."

(TRF – 5a Reg. - AC 435347/01/CE - Segunda Turma – Rel. Des. Federal MANOEL ERHARDT - DIÁRIO DA JUSTIÇA - DATA: 12/11/2008 - PÁGINA: 360 – Decisão UNÂNIME) (g. n.)

Em persistindo seu inconformismo, compete-lhe manejar o recurso específico para o objetivo colimado. Precedente deste Tribunal e do STJ: EREO nº 61.418/CE e REsp nº 13.911-0/SP.

Isso posto, conheço, mas nego provimento aos Embargos de Declaração.

É como voto. [16]"

Transcreveremos mais algumas destas decisões, suficientes para representar o problema:

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

Dispensado o relatório (art. 38 da Lei nº 9.099/95).

Decido.

Os embargos de declaração destinam-se a sanar eventual omissão, contradição ou obscuridade existente na sentença, não servindo, contudo, para atacar os fundamentos da decisão vergastada, como no caso dos autos, para o que existente recurso específico.

Anote-se:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. NÃO-CONFIGURAÇÃO DAS HIPÓTESES LEGAIS. REFORMA DO ACÓRDÃO.

Devem ser rejeitados os declaratórios que, sob a pretensão de sanar imperfeição no acórdão, guardam nítida intenção de reformá-lo, o que demandaria o uso da via recursal adequada. (TRF-4ª R., 1ª T., Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, ED na AC nº 2000.71.05.006647-3/RS, DJ2 nº 154, 13/08/2003, p. 75).

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REDISCUSSÃO SOBRE OS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO EMBARGADO. REMESSA NECESSÁRIA .

1. Os embargos de declaração não são o remédio processual adequado para o reexame dos fundamentos da decisão e eventual correção de erro no mérito do julgado.

2.Quanto a remessa necessária , tenho que o presente feito está dispensado, nos termos do artigo 124, § 3º do CPC, visto que a questão enfrentada na sentença encontra-se sumulada no Supremo Tribunal Federal (Súmula 672). (TRF4, AC 2004.71.00.041718-8, Terceira Turma, Relatora Juíza Vânia Hack de Almeida, publicado em 07/02/2007).

Por fim, cumpre ressaltar que "não está obrigado o Magistrado a julgar a questão posta a seu exame de acordo com o pleiteado pelas partes, mas, sim, com o seu livre convencimento (art. 131, do CPC), utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso concreto" (STJ; 1ª Turma; EERESP 381.512/RS; Rel. Min. José Delgado; DJ 19/08/2002 p. 142).

Ante o exposto, rejeito os embargos declaratórios." [17]

"PROCESSUAL CIVIL - OMISSÃO – REDISCUSSÃO DO MÉRITO – IMPOSSIBILIDADE DA VIA ELEITA.

I - Os Embargos de Declaração não se prestam à rediscussão de matéria já amplamente discutida anteriormente no recurso próprio. Não são os Embargos de Declaração a via própria para mostrar inconformismo quanto à forma como foi decidida a matéria.

II - Os fundamentos jurídicos para o conhecimento e provimento de Embargos de Declaração encontram-se definidos no art. 535 do CPC.

III - Embargos de Declaração improvidos.

VOTO

A Embargante justifica a interposição dos presentes Embargos para fins de suprir omissão que entende existente quando do julgamento do Agravo Interno.

O voto foi plenamente fundamentado, não se encontrando qualquer tipo de omissão, contradição ou obscuridade.

Verifica-se que o que se pleiteia, em verdade, com os presentes Embargos, é a discussão, novamente, de toda a matéria já anteriormente discutida, o que é inviável através de Embargos de Declaração. Os Embargos de Declaração não são a via adequada para se impugnar matéria julgada de forma contrária à pleiteada.

Assim, nada mais resta do que julgar improcedentes os presentes Embargos, com arrimo no posicionamento do Pleno do E. STF e na Corte Especial do E. STJ, como se verifica a seguir:

EMBARGOS DECLARATÓRIOS. Os embargos declaratórios não são meio para chegar-se à revisão de acórdão proferido. Pressupõem haver, no ato impugnado, omissão, contradição ou obscuridade.

EMB.DECL.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO RE-ED 357277 / RS - Relator(a):  Min. NELSON JOBIM Relator(a) p/ Acórdão:  Min. MARCO AURÉLIO . Julgamento:  15/02/2007 .   Órgão Julgador:  Tribunal Pleno.

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 182/STJ. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE QUAISQUER DOS VÍCIOS DO ART. 535 DO CPC. REDISCUSSÃO DE QUESTÕES DE MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE.

1. Revelam-se improcedentes os embargos declaratórios em que as questões levantadas traduzem inconformismo com o teor da decisão embargada, pretendendo rediscutir matérias já decididas, sem demonstrar omissão, contradição ou obscuridade (art. 535 do CPC).2. Embargos de declaração rejeitados.

(EDcl no AgRg na Pet 4.750/GO, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 07.02.2007, DJ 26.02.2007 p. 536).

EMBARGOS DECLARATÓRIOS - TUTELA ANTECIPADA RECURSAL - PEDIDO DE SUSPENSÃO - PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES - DEFERIMENTO - AGRAVO REGIMENTAL – IMPROVIMENTO - PRETENSÃO DE DISCUSSÃO DO MÉRITO DA CONTROVÉRSIA - IMPOSSIBILIDADE - DESVIRTUAMENTO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS - FATO NOVO - OMISSÃO NÃO CARACTERIZADA.

1. Em se tratando de fato novo não há que se falar em omissão no julgado.

2. Os pontos ditos omissos dizem respeito ao mérito da controvérsia, insuscetível de análise em pedido de suspensão.

3. Nítida a pretensão da embargante em discutir o mérito da causa e rediscutir matéria já decidida por unanimidade por esta Corte.

4. Embargos de declaração rejeitados.

(EDcl no AgRg na SS 1.332/DF, Rel. Ministro EDSON VIDIGAL, CORTE ESPECIAL, julgado em 17.11.2004, DJ 09.02.2005 p. 165).

Ante o exposto, nego provimento aos Embargos de Declaração." [18]

A situação atinge o seu ápice quando um magistrado "julga" os embargos de declaração desta – radicalmente sintética – forma:

"A decisão das fls. 306-307 não contém omissão, obscuridade ou contradição.

O que pretende a Fazenda Nacional é reformá-la. Para tanto, a via recursal eleita não é a adequada.

Intime-se. Cumpra-se." [19]

Ora, sem adentrar no mérito do recurso oposto, da existência efetiva, ou não, do vício apontado, impossível entender que a decisão acima está fundamentada. Pela radicalização sintética da decisão, não há sequer como descobrir qual o vício específico apontado pelo embargante.

Não se está defendendo que todos os embargos de declaração devem ser providos, mas que o não provimento deve ser acompanhado de uma fundamentação específica e, ainda que concisa, suficiente para demonstrar a higidez da decisão embargada.

Basta uma leitura simples dos precedentes citados para perceber que se trata de decisões meramente formais, sem qualquer conteúdo material. Não se trata de decisões mal ou insuficientemente fundamentadas, pois é evidente a total ausência de fundamentação.

Deve ser considerada, ainda, a estrutura específica dos embargos de declaração, que tem fundamentação peculiar e pessoal, afastando-se da sistemática dos recursos repetitivos [20].

Formalmente, as decisões citadas poderiam se amoldar a todos e quaisquer embargos de declaração, fossem quais fossem seus fundamentos específicos e vícios peculiares apontados.

As decisões judiciais transcritas poderiam se amoldar a qualquer caso abstrato, puramente teórico, mas, sem dúvida, não resolveriam nenhum caso específico. Como não se trata de decisões doutrinárias, pois não foram recolhidas de manual ou curso de direito, tratando-se de soluções para casos reais e concretos, é evidente a invalidade destas decisões. Uma decisão que, de tão genérica e hipotética, amolda-se a qualquer caso abstrato, efetivamente, não pode fundamentar nenhum caso concreto.

Ora,

"[...] a motivação deve oferecer elementos concretos para que se possa aferir a imparcialidade e a independência do julgador, verificar a legitimidade da decisão e possibilitar as partes a garantia de que tiveram as suas teses examinadas, bem assim em que medida o juiz levou em conta o acervo probatório produzido, devendo a justificação ser convincente e persuasiva, com base nos fatos demonstrados." [21]

As citadas decisões padronizadas, esvaziadas de conteúdo material, não examinam nem os pedidos específicos nem os fundamentos expostos pelo embargante. O magistrado, alegando não ser obrigado a responder questionário nem afastar todas as alegações da parte, não responde a nenhuma delas nem resolve o pedido específico exposto. A cognitio é meramente formal.

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O magistrado baseia seu raciocínio em verdadeira petição de princípio, considerando ter demonstrado o que efetivamente não demonstrou: a higidez de sua decisão anterior. Poderia tê-lo feito, desde que realizasse a efetiva análise do recurso oposto bem como a reanálise da decisão anteriormente proferida, apresentando fundamentação específica e pertinente.

"De fato, dizer-se que basta ao juiz fazer referência genérica aos fundamentos e documentos dos autos, que basta ao juiz indicar genericamente o dispositivo legal em que se baseia para decidir, é esvaziar ao nada a garantia constitucional da motivação das decisões judiciais. Afinal, nunca o juiz, pelo menos não é o que se vê na prática, irá dizer pura e simplesmente que defere ou indefere o pedido e ponto final. É preciso, porém, dotar o indivíduo de garantias efetivas, substanciais.

[...]

Neste caso, por força da generalidade das suas expressões, a decisão pode se aplicar a diversos processos, em que a União, o INSS e a Associação dos Jogadores de Xadrez, por exemplo, são partes. Como não parece crível que processos envolvendo matérias tão diversas e partes tão significativamente diferentes mereçam exatamente, em termos formais, a mesma fundamentação, identifica-se, assim, de forma inequívoca, uma deficiência, revelando-se que a hipótese não mereceu uma análise particularizada do juiz ou relator, como particular foi o caso que se colocou à sua superior apreciação." [22]

Se o embargante alega que há determinada omissão, contradição ou obscuridade no julgado, cabe ao magistrado demonstrar, desde que não existam os vícios, que não houve a omissão, contradição ou obscuridade específica apontada.

Não basta, para fundamentar o julgado, proclamar que o magistrado não responde a questionários – o que, data venia, não tem qualquer conteúdo material definido, dado o caráter genérico da afirmação/abstração, não significando absolutamente nada, inclusive porque a decisão judicial não é uma prova ou avaliação.

"Como último tópico, somente queríamos enfatizar que as decisões devem ser necessariamente motivadas. Dizer, por exemplo, que o magistrado motivou sua decisão quando afirmou não existir periculum in mora, ou não existir fumus boni iuris ou não estarem presentes os requisitos do art. 7º, inc. II, da lei nº 1.533/51, significa, na verdade, que o juiz não disse nada. Isso não é motivação. O juiz tem de explicitar por que não está presente o fumus boni iuris, por que não está presente o periculum in mora. Remeter-se, apenas, ao texto legal não é motivar, é ausência de motivação judicial." [23]

Da mesma forma, expor, como razão para o não provimento dos embargos, que o embargante pretende "rediscutir o mérito" é mero artifício retórico, não fundamentação válida, porque a rediscussão do mérito é a própria conclusão, não a premissa.

Ora, cabe ao magistrado demonstrar, sendo o caso, que aquele determinado vício apontado não existe. Deste modo, afastados os supostos vícios apontados, demonstrando o magistrado a inexistência da omissão, contradição ou obscuridade mencionada, poder-se-ia concluir que o objetivo do embargante, efetivamente, era a rediscussão do mérito, o que não poderia ser realizado na via estreita dos embargos de declaração.

O problema ocorre quando o julgador, depois de tecer algumas linhas teóricas e genéricas sobre os vícios que ensejam a oposição dos embargos de declaração, inicia sua fundamentação pela conclusão, acrescentando dois ou três precedentes do STJ, contendo os famosos postulados, citados no início deste capítulo.

Em todas as decisões analisadas, há incompletude, já que a decisão deixa de examinar o pedido específico do embargante, omitindo-se sobre questão que deveria analisar. Portanto, resta claro, trata-se de decisões sem fundamentação válida. Há, pela ausência de fundamentação, manifesto error in procedendo.

"[...] o chamado error in procedendo é um vício de atividade, uma desatenção do juiz para com as disposições do ordenamento jurídico que regulam o processo e o seu modo de atuar na condução do feito.

[...] Já o error in judicando é o vício de juízo por excelência, estando relacionado com a má interpretação e aplicação das disposições do ordenamento jurídico (questões de direito) ou com a errônea apreciação do contexto fático submetido à apreciação do órgão julgador (questões de fato) ou com ambas as coisas. Trata-se de vício de natureza substancial, que conduz à injustiça do julgamento, em razão do choque entre o pronunciamento judicial e o ordenamento jurídico ou a realidade ditada pelos fatos trazidos aos autos." [24]

A decisão, sentença, acórdão ou mesmo decisão interlocutória, deve ser anulada em razão do erro no procedimento.

Pode a parte, antes de interpor o recurso ordinário cabível, opor novos embargos de declaração, em face da ausência de fundamentação da decisão que julgou os primeiros embargos. Fredie Didier Jr. E Leonardo José Carneiro da Cunha defendem a seguinte posição:

"Admite-se a interposição de embargos de declaração contra julgamento de embargos de declaração, no entanto, esses novos embargos devem apontar a existência de um daqueles vícios nesta decisão; não servem para reiterar a argumentação de embargos já interpostos e rejeitados ou não conhecidos." [25]

Na mesma obra, contudo, citando precedentes (JTARS 35/2010; RJTJRS 136/91; RTJ 125/ 1.344 E RT 633/223), afirmam que "cabem embargos de declaração contra decisão proferida em anteriores embargos de declaração, ‘se permanecer na nova decisão os vícios mencionados nos primeiros" [26]. Deste modo, há precedentes autorizando a oposição de novos embargos de declaração quando o magistrado não sana o vício apontado nos primeiros embargos. De qualquer forma, trata-se de posição minoritária, considerando que a maioria da doutrina, incluindo, em conclusão, os autores citados, defendem posição mais restritiva:

"Aliás, à decisão que julga embargos declaratórios podem sempre opor-se outros, desde que fundados na existência de obscuridade, contradição ou omissão ‘diversa’ daquela que se pronunciara; não, porém, se apenas se quer reiterar a impugnação anterior." [27]

Assim, só seriam cabíveis novos embargos em face de vícios existentes na nova decisão, que julgou os embargos, não na antiga, que originou o recurso. Entendo, na linha dos precedentes citados, que são cabíveis novos embargos se permanecem os vícios mencionados na primeira decisão, porque o vício inicial não restou sanado.

Em todo caso, quando a decisão que julga os embargos possui fundamentação omissa, caso em análise neste estudo, é exatamente esta nova decisão que está viciada, portanto, cabe a oposição de embargos contra tal decisão, ainda que se defenda a citada posição mais restritiva no cabimento dos segundos embargos. Ora, a decisão que julga os embargos de declaração, sem fundamentação, obviamente incorre em nova omissão, o que autoriza a oposição de outros embargos de declaração, desta feita, em face do novo vício.

Cabível, portanto, a oposição de novos embargos de declaração.

Prolatada a nova decisão, sem que o vício apontado seja sanado, a parte deve interpor o recurso ordinário cabível, requerendo, de início, a nulidade da decisão proferida pelo magistrado a quo, em razão do error in procedendo, já que se trata de decisão sem fundamentação, não tendo o magistrado se posicionado de forma específica sobre o objeto dos embargos de declaração.

Certo que, posteriormente, por cautela, a parte deve expor suas razões no mérito propriamente dito; mas, tecnicamente, a instância revisora não deveria se pronunciar sobre o mérito da decisão recorrida, em face da ausência de fundamentação da decisão que julgou os embargos.

Teoricamente, o órgão judicial revisor analisaria a questão formal e, posteriormente, ultrapassada esta, o mérito do recurso. Mas, em prol de princípios processuais modernos, como a celeridade, é possível que a instância revisora, ainda que conclua pela fundamentação inválida, adentre no mérito do processo.

Entendo que, nestes casos, quando a ausência de fundamentação é tão evidente, o órgão judicial revisor, salvo excepcionalmente, não deve analisar a questão de mérito do processo, dada a invalidade da decisão que julgou os embargos de declaração. Deve, sim, anular a decisão inconstitucional e ilegal, por ausência de fundamentação, determinando que o julgador a quo analise efetivamente o caso, proferindo decisão com fundamentação suficiente e delimitada pelo recurso específico oposto. O órgão revisor não deve substituir a decisão, que é nula, por outra, já que a questão posta nos embargos de declaração, efetivamente, não foi analisada.

Poderá surgir a questão do interesse recursal na anulação da decisão inválida, pois, em tese, conforme comentado, a instância revisora pode, antes do mérito do recurso, analisar a questão omissa, contraditória ou obscura da decisão recorrida, analisando, posteriormente, o próprio mérito recursal.

Entendo que existe o interesse recursal no pedido de nulidade da decisão.

Em primeiro lugar, antes de avaliar o interesse recursal específico, a ausência de fundamentação atenta contra preceitos legais e constitucionais, tratando-se de matéria de ordem pública, o que impõe a nulidade absoluta do ato, que pode, por isso mesmo, ser decretada até mesmo de ofício [28].

Além disso, ainda que o princípio da identidade física do juiz não seja absoluto no julgamento dos embargos de declaração, é preferível que seja aplicado, quando possível. O mais apto para concluir pela existência de determinada omissão, contradição ou obscuridade em uma decisão é, certamente, o magistrado que a redigiu. Portanto, sempre que possível, o princípio da identidade física do juiz deve ser respeitado no julgamento dos embargos de declaração.

Destaque-se, ainda, que a parte, desde que exista previsão de recurso ordinário, tem direito ao duplo grau de jurisdição. Havendo recurso ordinário, tem a parte o direito de ver sua demanda analisada no primeiro e no segundo grau de jurisdição. Trata-se, inclusive, de respeito à atividade judicante dos magistrados de primeiro grau.

Por último, entender que não há interesse recursal no pedido de nulidade da decisão judicial sem fundamentação, de certa forma, é esvaziar completamente o recurso de embargos de declaração; é transformar os embargos de declaração em um recurso sujeito apenas à vontade do juiz, que fica livre para analisar, ou não, o recurso de forma arbitrária, já que sua decisão não estaria sujeita ao reexame.

A disseminação de decisões padronizadas no julgamento dos embargos de declaração fez com que a análise deste recurso restasse condicionada à vontade dos juízes, que podem analisar, ou não, o recurso de forma inteiramente arbitrária.

Os magistrados podem, inclusive, simplesmente ignorar todos os fundamentos do embargante, nem precisam lê-los, pois, para juntar a decisão arquetípica nos autos, sequer é necessário ler o recurso. Basta "copiar e colar" a decisão genérica, "julgando" o recurso.

Combatendo estas decisões inadequadas, ao exigir motivação válida e específica no julgamento dos embargos de declaração, há precedente lapidar do Superior Tribunal de Justiça, que deveria servir de norte a todos os julgadores:

"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MOTIVAÇÃO DEFICIENTE. NÃO ENFRENTAMENTO DAS QUESTÕES POSTAS A JULGAMENTO. REJEIÇÃO PURA E SIMPLES. VIOLAÇÃO DE LEI FEDERAL CONFIGURADA (ART. 535, I E II, DO CPC). NULIDADE EXISTENTE.

1. A entrega da prestação jurisdicional buscada em juízo tem natureza de direito subjetivo pertencente às pessoas físicas e jurídicas pelo que deve ser entregue de modo preciso, claro, seguro e por completo. Deve ela ser feita após o órgão julgador apreciar e decidir as questões suscitadas pelas partes e que, pela essencialidade possuída, são capazes de

influenciarem a conduta do julgado.

2. As razões do acórdão devem explicitar o dispositivo legal regulador da posição assumida ou a matéria jurídica nele contida, para que as partes possam apresentar os seus recursos com segurança.

3. Se, em sede de embargos de declaração, o Tribunal se nega a apreciar fundamentos que se apresentam nucleares para a decisão da causa e tempestivamente interpostos, comete-se ato de entrega de prestação jurisdicional imperfeito. As decisões judiciais devem ser motivadas, sob pena de nulidade, e conter explicitação fundamentada quanto aos temas suscitados pelas partes.

4. É sabido que as partes têm direito subjetivo constitucional a que a entrega da prestação jurisdicional se faça de modo completo e com fundamentação enfocando os temas levantados oportunamente no curso da lide. É dever, conseqüentemente, da decisão judicial, apreciar e decidir as alegações dos litigantes, enfrentando-os de modo direto e determinando posicionamento claro, objetivo e definido a respeito.

Na hipótese, o acórdão dos embargos declaratórios estão limitados aos aspectos puramente teóricos do mencionado recurso. Há de ser anulado para que seja explicitado se existe ou não, de modo concreto, omissão, contradição ou obscuridade, situando-se na análise do proposto pelo embargante.

5. Reconhecida essa precariedade no acórdão dos embargos, via recurso especial, decreta-se a sua nulidade, para que seja proferido novo julgamento com o exame obrigatório das questões suscitadas pelo embargante, apreciando-se e decidindo-se como melhor for construído o convencimento a respeito. Inteligência do art. 535, I e II, do CPC.

6. Recurso Especial provido para anular-se o acórdão proferido em sede de embargos de declaração, a fim de que o Tribunal a quo examine e julgue, suprindo omissão existente no aresto, como melhor entender as questões jurídicas levantadas pela parte recorrente, nos termos do presente voto-condutor." [29]

A decisão inconstitucional, por ausência de fundamentação, deve ser anulada, pelos motivos expostos, não havendo razões que justifiquem a sua manutenção. Necessário acrescentar que a declaração de nulidade da decisão com vício na fundamentação tem efeito didático, estimulando uma cultura de legalidade e respeito aos direitos subjetivos constitucionais, direcionada exatamente a quem tem o dever de zelar por tais direitos.

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Sobre o autor
João Aurino de Melo Filho

Procurador da Fazenda Nacional, Especialista em Direito Público e Mestre em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO FILHO, João Aurino. Inconstitucionalidade e ilegalidade (error in procedendo) das decisões judiciais genéricas e abstratas que, sem fundamentação válida, rejeitam ou negam provimento aos embargos de declaração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2735, 27 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18122. Acesso em: 20 abr. 2024.

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