I
Certamente será sempre lembrada a lição de Caio Mario da Silva Pereira [01], para quem "toda pessoa física ou jurídica, independentemente de sua anterior profissão, torna-se incorporador pelo fato de exercer, em caráter permanente ou eventual, uma certa atividade, que consiste em promover a construção da edificação dividida em unidades autônomas".
Pode ser incorporador o dono do terreno destinado à construção do edifício, o construtor (que pode ser o dono do terreno ou não), o corretor e, em alguns casos, o agente financeiro.
A hipótese explorada nestas anotações é aquela em que o dono do terreno o troca por unidades a serem construídas, celebrando um contrato que obviamente, será somado a vários outros, compondo um conjunto complexo, impondo a vinculação de fato e de direito com sujeitos, objetos, obrigações e efeitos distintos, de onde a quebra do pacto original (a permuta) poder ser vislumbrada sob vários ângulos, dentre os quais se procurou cuidar daqueles que acarretam ônus ao proprietário - permutante.
II
Com o correr dos anos e a evolução dos entendimentos jurisprudencial e doutrinário, com a elasticidade da aplicação de conceitos insertos no Código de Defesa do Consumidor, aliada à letra da Lei 4.591 de 16/12/1964 e com respaldo no Código Civil de 2002, findou identificado com maior realce, um foco de preocupação: até que ponto o proprietário do terreno, que o permuta por futuras unidades a serem erigidas no local, responde perante os adquirentes de unidades destinadas ao incorporador, prometidas à venda e não entregues? Para essa responsabilização, o alienante do terreno há de ser equiparado ao incorporador? Em que medida?
É bem verdade que alguns entendimentos às vezes emanados de nossas Cortes, ou as teses propagadas, possam ser porventura qualificados como exacerbados, quiçá "diferenciados". Não são poucas as oportunidades em que nos espantamos com situações que estampam ilações de difícil compreensão, exibindo lógicas nem sempre atentas às lições tradicionais [02]. Mas, estas posições esdrúxulas não compõem a jurisprudência remansosa, a qual é formada por incontáveis conclusões bem calçadas, conseqüência da maior busca pela população, da atuação do Judiciário.
De qualquer maneira, é certo que aquelas posições, mesmo que esquisitas, geraram elevada demanda de soluções judiciais, até então não perseguidas pela sociedade, que acordou [03] para os dispositivos legais de proteção.
A expectativa aflorou - isto é notório - mas é essencial observar que, mesmo que discutível uma ou outra posição emanada da "jurisprudência alternativa", existe fulcro inequívoco para postulações antes não ajuizadas. Em suma, a divulgação de novas leituras da lei, se pouco, permitiu a preconização, em especial, da inteligência tradicional, dos dispositivos que claramente regram a sociedade.
E a expectativa tem sido coerentemente atendida pelos tribunais, a eles entregue a oportunidade da análise acerca da abusividade de algumas cláusulas por vezes incluídas em contratos, a análise de situações entranhadas de injustiças ou eventualmente, resolvidas sem atenção à Lei ou a circunstâncias efetivas e fáticas, permissivas de enriquecimento ilícito.
Para os negócios, a possibilidade de decisões dissonantes é aterradora. Para os estudiosos, pode ser espantosa, mas estimulante. Para os que devem profissionalmente prestar assistência jurídica, não raro, resta a perplexidade e abre-se a premência de buscar novas e nem sempre fáceis ou economicamente viáveis soluções.
Cumpre de qualquer maneira, ter em mente que existem novas normas, "cláusulas gerais" francamente adotadas pelo código civil [04], equiparadas aos princípios que norteiam a legislação, com realce à boa-fé objetiva e à perseguição do equilíbrio do contrato.
Em rápida lembrança, quanto à aferição da presença da boa-fé, não se admite "... uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subsuntivo" no dizer de Judith Martins-Costa [05], cumprindo sempre buscar o objetivo do contrato. Ora, é nesta linha lógica que se infere a responsabilidade do dono do terreno que ajusta "permuta no local" [06]: ele (é razoável supor) objetiva na modalidade de negócio que enceta, um benefício que não se confunde com a singela venda de seu imóvel e sim, certa participação na incorporação, muito embora distintas as características inerentes ao contrato de permuta e ao de incorporação. É esta a premissa desta análise.
III
Estão na Lei 4591 de 1964, os dispositivos que dão a resposta para a questão agora enfrentada. No seu artigo 29, é previsto que: "Considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas".
Já do artigo 31, se depreende que é incorporador: o proprietário do terreno, o promitente comprador, o cessionário deste ou promitente cessionário com título que satisfaça os requisitos da alínea "a" do art. 31; o construtor; o corretor de imóveis.
O liame entre o alienante de frações ideais do terreno e a atividade de construção é presumido, diz o parágrafo único do artigo 29, se "... ao ser contratada a venda, ou promessa de venda ou de cessão das frações de terreno, já houver sido aprovado e estiver em vigor, ou pender de aprovação de autoridade administrativa, o respectivo projeto de construção, respondendo o alienante como incorporador".
São aquelas situações, cediças, em que o proprietário do terreno já levou os projetos à aprovação, optando em seguida por empreender o restante da operação com terceiro.
Porém vale anotar que se trata de presunção que talvez se afaste um tanto, hoje em dia, das práticas de mercado: premidos por nem sempre coerentes ou razoáveis alterações da legislação municipal [07], os proprietários de terrenos mais cautelosos por vezes se adiantam, levando projetos à aprovação (assim como cuidam das questões ambientais, providenciam a baixa de apontamentos negativos em seus cadastros, por exemplo), tudo para permitir a futura venda do terreno, sem que obrigatoriamente se imagine uma incorporação, sequer uma construção. É realidade que há de ser enfrentada pelos tribunais, certamente.
Na interpretação literal do artigo 29 da Lei das Incorporações, se encontraria como condição necessária à responsabilização do proprietário do terreno, a concretização de alienação (ou promessa) de frações ideais, o que é distinto da alienação total do imóvel, através de permuta ou não.
Mas, não somente cingidos à letra do artigo 29, os Tribunais deslindam a questão da responsabilidade e, se assim não fosse, derrubadas estariam as preocupações ora expostas, se singela e sistematicamente, em cada contrato fosse inserida previsão de alienação através de terceiro.
De fato, a identificação da presença desse intento de incorporar tem sido freqüente na jurisprudência, colhendo-se decisões que claramente enxergaram que é responsável o "... proprietário do terreno que tem interesse direto na realização e no sucesso do empreendimento (pois alardeou que concebeu e estava executando em seu terreno um projeto que implicava na construção de um conjunto arquitetônico com edifícios chamados inteligentes), mas tenta disfarçar essa condição com o artifício de prometer vender o terreno a outra firma que assume a aparência de verdadeira incorporadora..." [08]. Essa decisão do Tribunal de Justiça carioca certamente há de ter sido alcançada à vista de circunstâncias documentadas, mas serve aqui, para identificar um aspecto que não escapa aos analistas: o dono do terreno, ao celebrar a permuta, tem claro interesse no sucesso do empreendimento.
Desde que buscamos a identificação do incorporador, para então fixar a responsabilidade, não bastasse o elastério dos textos legais já ventilados, cumpre averiguar o que venha a ser essa atividade por ele desenvolvida.
O que se considera "incorporação"? A resposta está no parágrafo único do artigo 28 da Lei 4591/64: é "... a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas".
Logo, bastará estar presente o objetivo descrito na Lei, para haver uma incorporação e um incorporador, trate-se de incorporação dita de direito (na lei específica, artigos 28 e 32, em especial) ou a incorporação denominada de fato (artigos 29, parágrafo único e 30, do mesmo diploma).
Num segundo passo, tenha-se em mente que o parágrafo único do artigo 39 da Lei 4.591/64, prevê que nas incorporações em que a aquisição do terreno se der com pagamento total ou parcial em unidades a serem construídas, "Deverá constar, também, de todos os documentos de ajuste se o alienante do terreno ficou ou não sujeito a qualquer prestação ou encargo".
Quanto a esse parágrafo único, tragam-se de pronto as palavras do Ministro César Asfor Rocha, ao relatar Recurso Especial [09]: "... mesmo que existisse tal cláusula, ela vincularia apenas as partes que a tivessem estabelecido", para limitar seus efeitos. Ou seja, não se afastará a responsabilidade do proprietário do terreno que o permuta por unidades autônomas, ante os adquirentes destas, se lançada a exoneração permitida pelo parágrafo único do artigo 39.
Mais adiante, o artigo 40 da Lei de Incorporações, disciplina as conseqüências da rescisão do contrato de alienação do terreno, dando por rescindidas as cessões ou promessas de cessão de direitos correspondentes à aquisição do terreno [10]. É dispositivo nodal para o problema em foco.
Neste caso, o alienante, poderá dar continuidade ao negócio, pois passa a ter direito sobre a construção já existente no terreno (artigo 40, parágrafo 1º). De seu turno, os adquirentes das unidades autônomas que seriam construídas, têm direito à devolução dos valores pagos pela construção, em face do alienante (parágrafo 2º).
Clara a intenção do legislador de proteger o negócio, emprestando-lhe juridicidade, prestigiando a função social do contrato, sustentada pela boa-fé objetiva e pelo equilíbrio contratual. De fato, ao contratar com a incorporadora, o alienante do terreno buscava a obtenção de ganho econômico, esta a "economia do contrato".
A história nos remete a não raras situações, nas quais ocorreram "golpes", ou mesmo, falha na estruturação jurídica do procedimento de incorporação. Daí a criação de mecanismos hábeis à garantia da boa-fé e do equilíbrio contratual. Daí a ereção de proteções aos adquirentes, por vezes suportadas pelos alienantes dos terrenos.
São estes mesmos os princípios inspiradores do Código de Defesa Consumidor, traduzidos até na nulidade de dispositivos contratuais abusivos. Nessa lógica, são aplicáveis as regras da Lei 8.078/90 aos contratos de incorporação, de forma supletiva, quiçá em complemento às já existentes na lei específica, buscando-se sempre, a proteção do adquirente.
Ao tratar deste tema Melhim Namem Chalhub [11], afirmou que "o Código de Defesa do Consumidor, que veio sistematizar as idéias caracterizadoras do atual estágio da evolução da teoria contratual realçando a função social do contrato e privilegiando a boa-fé objetiva e o equilíbrio do contrato. O Código de Defesa do Consumidor equipara o contrato de incorporação ao contrato de consumo, suprindo eventuais lacunas do sistema de proteção estruturado pela Lei das Incorporações, notadamente no que tange às clausulas gerais".
Enfim, toda a sistemática e todos os fundamentos, apresentados e discutidos pelos estudiosos, buscam elidir o enriquecimento ilícito de um em detrimento dos demais contratantes, com o restabelecimento das situações fáticas e jurídicas do momento da contratação.
IV
A jurisprudência evoluiu com ímpeto redobrado após o "caso Encol" destacado em acórdãos do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro [12] não escapando a menção em julgados, à má escolha da construtora, redundando na conclusão de que existiria "incorporação de fato", a impelir a aplicação do artigo 29, na leitura dos julgadores.
A razão dessa menção é uma somente: o proprietário do terreno, visando (naturalmente) concretizar um bom negócio, elegeu determinada empresa para a incorporação; ele elegeu, não os futuros adquirentes [13]; logo, responderá. A propósito, é esta uma razão pela qual caberá ao proprietário, avaliar a repercussão de sua decisão de afinar os interesses seus e da incorporadora [14], através da permuta, em detrimento da singela venda e compra.
Ora, todos nós sabemos que, quando contratou, a "Encol" merecia crédito e daí caberia indagar, na prática: como os alienantes deveriam ter se protegido, mesmo tendo a incorporadora, assumido a responsabilidade por eventuais reclamações dos adquirentes (parágrafo único do artigo 39)?
Pacífica a necessidade de devolução das quantias, já foi julgado que "é norma geral do direito o princípio da indenização. Passando o promitente vendedor do terreno a ser o proprietário da construção nele existente, deverá arcar também com os ônus decorrentes dos negócios ligados a tal empreendimento. Ademais, por ser considerado incorporador, nos moldes do artigo 30 da lei 4591/1964, deve também responder pelo inadimplemento da incorporação." [15]
A jurisprudência tem decidido a respeito. Segundo o entendimento alcançado em julgamento de apelação pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro [16], nos precisos termos da Lei 4.591/64, o proprietário do terreno, muito embora não tenha contratado diretamente com os adquirentes, passou a assumir as obrigações próprias do incorporador perante os candidatos à titularidade de unidades imobiliárias autônomas, portanto, é legítimo para sofrer as conseqüências do inadimplemento do construtor.
Destaque-se, consoante o artigo 40 da Lei 4.591/64, a resolução do contrato de alienação do terreno impele a rescisão das cessões ou das promessas de cessões das frações ideais, feitas aos adquirentes das unidades.
Ao analisarem este artigo, Nascimento Franco e Nisske Gondo [17], reforçaram: Trata-se de dispositivo legal destinado à defesa do patrimônio dos aderentes às incorporações imobiliárias contra os azares do empreendimento. Determinando que o dono do terreno indenize pela Construção, a lei ajusta-se ao princípio ético jurídico, segundo o qual ninguém deve enriquecer ilicitamente à custa alheia.
Bem por isso, o STJ já dispôs [18] que em hipótese parelha, a rescisão do contrato entre permutante e incorporadora é imperiosa, porém há de ser seguida de comunicação aos adquirentes de unidades, detendo-se o Acórdão até mesmo, no regrar como seriam os adquirentes avisados: "O deferimento, no entanto, fica condicionado às exigências do § 2º do art. 40 da Lei das Incorporações, Lei nº 4.591/64, para inclusive resguardar os interesses de eventuais terceiros interessados. Os terceiros deverão ser comunicados do decidido, podendo essa comunicação ser feita extrajudicialmente, em cartório."(SIC)
V
Vale enfatizar, prosseguindo-se, que os compromissos de compra e venda são por vezes firmados com esteio em mandato outorgado pelo proprietário do terreno, para a alienação das partes ideais do imóvel onde seria erigido o empreendimento, emprestando-se verdadeira a conclusão de que na realidade, os contratos são firmados com o próprio proprietário do terreno.
A obrigação do permutante de imóvel destinado à incorporação em razão da inexecução desta, à vista de promessa celebrada mediante autorização ou mandato, já restou declarada em aresto do Superior Tribunal de Justiça [19].
E, é conseqüência natural do mandato, a responsabilização do mandante pelas obrigações assumidas pelo mandatário, ressalvadas as exceções e peculiaridades legais, a teor do artigo 679, do Código Civil Brasileiro [20]. No caso, não se perca de vista, o alienante é o mandante.
Acerca das obrigações do mandante, importante lembrar Silvio Rodrigues [21]: "As obrigações do mandante são de diversas naturezas. Uma diz respeito ao dever de honrar as obrigações assumidas pelo mandatário, dentro dos poderes conferidos no mandato(...) a) Como o procurador age em nome do constituinte, é este, e não aquele, quem se vincula. De modo que ao mandante cabe honrar os compromissos em seu nome assumidos, sob pena de sofrer ação direta que contra ele podem promover os terceiros, com quem o procurador contratou."".
VI
Outrossim, por cautela, deve-se consignar que o fato dos compromissos de compra e venda não estarem, porventura, devidamente registrados no Cartório de Registro de Imóveis, não obsta o direito de indenização dos adquirentes lesados, a teor do entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul [22]: "Totalmente irrelevante se o contrato está ou não registrado e/ou averbado junto ao álbum imobiliário para o efeito pretendido".
VII
Viu-se, portanto, que é atribuída ao alienante, a responsabilidade pela indenização, a deverá suportar.
Mas, quanto? Os valores efetivamente desembolsados pelos promitentes adquirentes das unidades autônomas e respectivas frações? Como valorar hipótese diversa?
Os julgados obrigaram, sempre, o alienante que findou rescindindo o contrato (obviamente ante o inadimplemento da incorporadora) a indenizar os adquirentes, em contrapartida do acréscimo patrimonial existente no terreno, o que é pacífico; defronta-se a partir daí, com intrincada questão: obras encetadas no terreno, paralisadas, valorizam o imóvel ou não? Pior: quem arcaria com o prejuízo? Como foram tratados os lucros cessantes?
O valor a ser indenizado seria o valor que os adquirentes tenham suportado, nada mais justo do que repetirem o que realmente despenderam para o sucesso da obra, esta é uma linha lógica, que redundará na devolução (com os consectários legais, sempre) de todo o montante pago, seja ele destinado pelo incorporador inadimplente às obras propriamente ditas, seja dirigido à amortização do custo do terreno (recomposição diante da entrega de futuras unidades), tenha ou não o montante, sido dilapidado.
Quanto às acessões no terreno, deverá ser devolvido o valor proporcional de tais obras. Tal decorre da sistemática de vedação do enriquecimento ilícito, uma vez que certamente o proprietário do terreno haverá de ter sido o beneficiário direto de tais acessões. Por óbvio, nessas situações, será crucial a realização de perícia, para a avaliação exata do incremento patrimonial, caso efetivo.
Perceba-se, há decisões de nossos tribunais, que não decretaram a devolução total dos valores pagos, mas a responsabilidade do alienante proporcionalmente, somente, à parcela da construção acrescida ao seu patrimônio [23]: "... prevendo o parágrafo 2º do artigo 40 da Lei nº4.591/64 a responsabilidade do alienante do terreno perante os adquirentes das unidades em construção, por força da rescisão operada, e em conseqüência da qual se transfere a ele o direito à construção feita, cabe-lhe restituir tão só a parcela da construção incorporada ao seu patrimônio, não respondendo, assim, pela totalidade das prestações pagas pelos adquirentes das unidades à primitiva incorporadora".
Se por um viés, o alienante é partícipe do empreendimento, sob diverso olhar, ele não se obrigou na construção do prédio e das respectivas unidades autônomas, nem na sua entrega e não recebeu diretamente qualquer valor em contrapartida. E mais, não há de contribuir para eventual rescisão contratual com a construtora, simplesmente porque também, identicamente aos adquirentes de unidades, tinha a expectativa de ao final do empreendimento, receber as unidades prometidas em permuta.
A imposição sem qualquer ressalva a este alienante do dever de devolver todas as quantias pagas, desprestigiaria os princípios norteadores da função social do contrato – boa-fé e equilíbrio contratual, a par de permitir o enriquecimento sem causa. Porém, esta compreensão, defendida por brilhantes juristas, parece esbarrar ao menos num ponto bastante simples: no dever do mandante, já aventado (artigo 679 do Código Civil) e no caso, o alienante figura como outorgante, responsável por quanto o mandatário tenha obrado em seu nome.
Naquele primeiro sentido, cumpre dizer, assim definiu um aresto do Superior Tribunal de Justiça [24], transcrevendo-se trecho da decisão: "Quando o §2º do art. 40 da Lei 4.591/64 estabelece que ‘cada um dos ex-titulares de direito à aquisição de unidades autônomas haverá do mencionado alienante o valor da parcela de construção que haja adicionado à unidade’, está, em verdade, a dizer que esse ‘valor da parcela da construção que foi adicionado à unidade’, deve ter como base de cálculo, na sua aferição, o que efetivamente valer a unidade, deve ter como base de cálculo, na sua aferição, o que efetivamente valer a unidade anteriormente adquirida pelo ex-titular no momento em que for paga a indenização, e paga na exata proporção do estágio da construção, quando esta foi paralisada, por ter sido desconstituído o primitivo negócio. Se não for assim, uma de duas: a) ou o primitivo proprietário do terreno correrá o risco de pagar ao ex-titular da unidade adquirida um valor superior ao que valer essa unidade (isso na hipótese de o valor pago, pelo ex-titular, devidamente corrigido, ser superior à valorização da unidade), o que não seria justo, já que o primitivo proprietário do terreno não contribuíra em nada para o insucesso do empreendimento; ou b) a valorização da unidade seria superior aos índices de correção, o que também não seria justo, pois, nessa hipótese, o ex-titular da unidade que correra o risco do empreendimento, não usufruiria dessa valorização que seria desfrutada pelo primitivo proprietário do terreno, o que importaria, para este, um enriquecimento indevido".
Lembre-se, a este propósito, da distinção do preço da cota e do valor da construção (artigo 41), que simplificaria a liquidação diante da tese, mas tenha-se em mente a contrapartida que há de existir, perante o direito estipulado em seu parágrafo único (efeitos da mora do adquirente quanto à construção recaem também sobre a fração do terreno, mesmo que esta esteja quitada): por que não assistiria esse direito ao adquirente?
Por fim, não se encontrou, quiçá por deficiência de pesquisa, a imposição jurisprudencial de indenização por dano moral, em favor do adquirente, contra o alienante [25], ao contrário.
De qualquer forma, sem a clara demonstração dos danos morais e sua valoração, não é possível a reparação. Não se dá ao juiz o poder de exercício, no caso concreto, de sua jurisdição e, por essa razão, a despeito da Constituição Federal acolher a indenização do dano moral, este deve vir fundado em elementos essenciais e suficientes que o possam justificar.