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A responsabilidade prevista nos sistemas jurídicos português e brasileiro para os acidentes de circulação automóvel

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2. A PERSPECTIVA DO DIREITO BRASILEIRO

Quanto ao ordenamento jurídico brasileiro, na esfera cível, a disciplina relativa aos acidentes causados pela circulação automóvel encontra-se prevista, basicamente, no Código Civil e no Código de Processo Civil. Diferentemente do Código Civil português, na legislação civilista brasileira, não há um conjunto de normas que tratam especificamente da responsabilidade civil automobilística, estando a mesma regulada de forma esparsa, consoante a situação a que se refira.

O parágrafo único do art. 927 do CC estabelece duas hipóteses de configuração da responsabilidade pelo risco: nos casos especificados em lei e quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Apesar da abrangência que este enunciado possui, o seu campo de aplicação encontra-se limitado pela presença de normas especiais que por ele foram expressamente ressalvadas, como é o caso da disciplina que envolve os transportes em geral. Por corresponder a uma atividade de risco, a responsabilidade do transportador estaria sujeita à previsão do art. 927, no entanto, há normas específicas regulando esta matéria:

"Tratando-se de prestador de serviços públicos, a responsabilidade extracontratual do transportador é regida, como veremos, pelo art. 37, § 6º, da Constituição Federal, por força do princípio da hierarquia. A responsabilidade contratual do transportador de passageiros, por força do princípio da especialidade, está disciplina nos arts. 734 e ss do Código Civil e, se houver relação de consumo, também no art. 14 do Código do Consumidor. Não há antinomia entre a disciplina do Código Civil e a do Código do Consumidor; em ambos ela é objectiva. Logo, no campo de incidência do parágrafo único do art. 927 do Código Civil só estarão os casos de que não envolvam transporte de passageiros (serviços públicos), contratual ou extracontratual, nem relação de consumo". [20]

A responsabilidade do transportador também pode ser classificada como sendo de natureza contratual, estando disciplinada nos artigos 389 e seguintes do Código Civil. O contrato celebrado pelas partes pode ser considerado como um negócio jurídico bilateral, uma vez que prevê obrigações contratuais para ambas as partes; oneroso, pelo fato de que ambos os contraentes obtêm algum proveito; e consensual, bastando para a sua celebração o simples encontro de vontades. É o denominado contrato de transporte, em que uma das partes se obriga, mediante remuneração, a transportar pessoas ou coisas a um determinado lugar previamente estipulado.

Essa espécie contratual pode ainda ser classificada como um contrato de adesão, uma vez que as partes não discutem as suas cláusulas, como normalmente acontece nos contratos tradicionais. Aqui, as cláusulas são previamente estipuladas por um dos contratantes, às quais o outro simplesmente adere no momento da celebração. Pode-se afirmar que há uma preponderância da vontade de uma das partes em relação à outra.

Outra característica importante desse tipo de contrato é a cláusula de incolumidade que está implicitamente prevista nele. Por essa cláusula entende-se que o transportador possui a obrigação de conduzir os passageiros sãos e salvos ao local de destino. Isso porque a obrigação do transportador não é de meio, mas sim de fim, possuindo compromisso com o resultado. Essa obrigação de fim é, inclusive, uma das conseqüências da responsabilidade objetiva.

O contrato de transporte encontra-se previsto nos artigos 730 e seguintes do Novo Código Civil, sem equivalente no Código de 1916. O artigo 732 desse mesmo diploma legal estabelece que "aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais".

Dessa forma, o Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90) também deve ser aplicado em tais situações, uma vez que estabeleceu de forma expressa a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços pelos danos causados aos consumidores. No seu artigo 17, equiparou aos consumidores todas as vítimas do evento danoso, denominando-os de terceiros ou, numa linguagem mais consumerista, de bystanders. Terceiros são todas as pessoas estranhas à relação de consumo, mas que sofreram, de algum modo, determinado prejuízo em razão de defeitos existentes no serviço prestado.

O artigo 22 desta lei dispõe que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes e seguros. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, dessas obrigações, as pessoas jurídicas serão compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista no referido diploma legal.

Convém esclarecer que não há incompatibilidade entre essa legislação e o disposto no Código Civil de 2002. Este estabeleceu, no seu artigo 731, que "o transporte exercido em virtude de autorização, permissão ou concessão, rege-se pelas normas regulamentares e pelo que for estabelecido naqueles atos, sem prejuízo do disposto neste Código". Tanto em um quanto em outro, a responsabilidade do transportador é objetiva.

As atividades desenvolvidas pelas locadoras de veículos também podem ser considerada de risco, enquadrado-se no parágrafo único do art. 927. Inclusive, a Súmula nº 492 do Supremo Tribunal Federal eliminou qualquer dúvida existente sobre a responsabilidade dessas locadoras pelos danos causados pelo locatário a terceiros, no uso do carro locado, impondo-lhes uma responsabilidade civil e solidária.

A responsabilidade do empregador ou comitente também é objetiva, conforme previsto no art. 932, III ("São também responsáveis pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele") e no art. 933 do CC ("As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos"). Neste caso, o empregador terá direito de regresso contra o empregado (condutor), se o mesmo agiu com culpa (art. 934 do CC). [21]

Porém, nem sempre o legislador brasileiro disciplinou tal matéria desta forma. Inicialmente, na vigência do Código Civil de 1916, a responsabilidade do empregador era baseada na culpa in eligendo, cabendo ao patrão responder pelos danos causados pelo seu empregado por tê-lo escolhido mal. Com o passar do tempo e com as alterações ocorridas nas estruturas das empresas, as quais investem cada vez mais na selecção e treinamento de seus funcionários, esse entendimento foi deixado de lado, passando-se a presumir a culpa do empregador.

Primeiramente, essa presunção era relativa, evoluindo, em seguida, para uma presunção absoluta. A Súmula 341 do STF determinava essa presunção: "É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo acto culposo do empregado ou preposto". Com vimos, esse entedimento encontra-se superado pela previsão expressa do Código Civil, que optou, e bem, pela responsabilidade objetiva do empregador.

De acordo com a maior parte da doutrina e da jurisprudência, a obrigação de indenizar pelo danos decorrentes de acidentes de trânsito também é baseada no risco, por força da previsão expressa no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, e do Decreto-lei nº 73/66, art. 20, al. l, o qual estabeleceu um seguro obrigatório para os proprietários de veículos automotores em caso de acidente, o Seguro DPVAT – Lei nº 6194, de 19 de Dezembro de 1974, atualizado pela Lei 8441, de 13 de Julho de 1992, que indeniza vítimas de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre. Assim, para essa corrente, o agente causador do dano deverá responder objetivamente pelo facto lesivo

Este seguro garante os danos sofridos pelos motoristas, passageiros e pedestres, vítimas de acidentes causados por veículos automotores e que circulam na via terrestre. Portanto, não estão cobertos pelo DPVAT os danos causados por embarcações, bicicletas, trens e aeronaves. Ademais, este seguro destina-se apenas a danos pessoais (morte, invalidez permanente [22] e despesas hospitalares), não estabelecendo qualquer cobertura para os danos materiais decorrentes de colisão, roubo ou furto de veículos. Trata-se de um seguro de dano [23], pelo que cobre os prejuízos causados à vítima, mas não a responsabilidade do condutor.

Também não garante os acidentes ocorridos fora do território nacional e com veículos estrangeiros em circulação no Brasil, os quais estão sujeitos a contratação de um seguro específico para este fim, o denominado Seguro Carta Verde. Este seguro é obrigatório para automóveis matriculados no país de origem em viagem internacional no âmbito do Mercosul, cuja cobertura envolve os danos pessoais e materiais causados a terceiros não transportados pelo veículo segurado. [24]

Basta a simples prova do dano para que a vítima ou os seus sucessores tenham direito à indenização. A prova da existência de culpa ou de dolo do lesante, de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, bem como de força maior ou caso fortuito, é irrelevante por conta da teoria do risco integral, segundo a qual o dever de indenizar se justifica tão somente pela presença do dano, ainda que presentes alguma das causas de exclusão do nexo de causalidade. Essa teoria foi adotada pelo direito brasileiro apenas em casos excepcionais, como o do seguro obrigatório.

De acordo com o art. 788 do CC, a indenização decorrente de acidentes de trânsito é paga, até o limite do valor fixado em lei, pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado, independentemente da comprovação de culpa, por ter tal seguro natureza social. O lesado, caso queira, também pode demandar directamente contra o lesante, exigindo o ressarcimento integral pelos prejuízos sofridos, com base na culpa. Nada impede que a vítima comprove a culpa do lesante ou que este traga provas da ocorrência de algum dos casos de exclusão do nexo causal. Como já foi dito, a produção dessas provas não obsta à indenização da vítima pelo seguro DPVAT.

O seguro obrigatório foi imposto por lei com fins de socialização do risco, pelo que a indenização é devida, nos limites estabelecidos na lei, ainda quando o acidente de trânsito for provocado por veículo desconhecido ou não identificado e nas situações de veículos comprovadamente sem seguros – esta última hipótese foi incluída pela lei nº 8441/92, em alteração à lei nº 6194/74. [25]

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Cavalieri Filho explica como é realizada tal indenização:

"Para facilitar e dinamizar o regime operacional desse seguro, a maior parte dos seguradores brasileiros firmou um convênio, mediante o qual passou-se a operar o seguro obrigatório em conjunto e solidariamente. Através de um sistema de pool ou consórcio, administrado pela Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e Capitalização, qualquer seguradora participante do convênio atende aos usuários e beneficiários do seguro obrigatório pago através do DVT: procede ao recebimento do prêmio, paga a indenização eventualmente devida, recuperando dos demais participantes do convênio a parte da indenização que, eventualmente, excedeu à sua cota". [26]

O prazo para o terceiro prejudicado receber o benefício, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório é de três anos, nos termos do art. 206, § 3º, IX do CC. Para tanto, a vítima deve procurar uma das seguradoras conveniadas com os documentos necessários. Caso o veículo tenha sido roubado ou tenha sofrido perda total, convém que o proprietário informe o Detran (órgão do Poder Executivo Estadual, presente nos diversos Estados brasileiros, com fins de fiscalização do trânsito de veículos terrestres), caso contrário continuará a receber a cobrança deste seguro. O DPVAT deve ser pago juntamente com a primeira parcela do IPVA (imposto sobre a propriedade de veículos automotores - imposto brasileiro cuja instituição apenas compete aos Estados e ao Distrito Federal, nos termos do art. 155, III, da CF), havendo a alternativa de pagá-lo também no momento do licenciamento do veículo.

A Súmula 257 do Superior Tribunal de Justiça estabelece que "a falta de pagamento do prêmio do seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres (DPVAT) não é motivo para a recusa do pagamento da indenização", o que revela o cunho eminentemente social do seguro obrigatório.

Destarte, a teoria do risco criado passou a ser adotada para a responsabilidade objectiva nos casos de dano pessoal causado por veículo em acidente de trânsito, cuja indenização é paga pelo Seguro DPVAT, uma vez que o condutor responde pelos danos que causar, independentemente de retirar um proveito ou vantagem dessa actividade.

De acordo com Maria Helena Diniz, há dois tipos de responsabilidade no âmbito da disciplina envolvendo os acidentes com veículos de circulação terrestre: a contratual e a delitual. Relativamente à primeira, considera que, nos termos dos arts. 730 a 756 do Código Civil, o transportador responde objetivamente pelos prejuízos causados. Quanto à responsabilidade aquiliana, possui entendimento diverso:

"A responsabilidade aquiliana (extracontratual) por acidente de trânsito é subjetiva, constituindo uma sanção a motorista culpado pelo dano causado por imprudência, imperícia ou negligência, tendo por escopo diminuir o número de sinistros. A vítima poderá provar a culpabilidade do lesante, mas este poderá demonstrar que o evento danoso se deu por culpa de terceiro ou do lesado, por força maior ou caso fortuito". [27]

Pelo exposto, podemos afirmar que, em relação à responsabilidade do transportador e do comitente, a obrigação de indemnizar independe de culpa, por força de previsão expressa do Código Civil. Quanto aos casos inseridos no âmbito de aplicação do seguro obrigatório, nomeadamente os danos pessoais ocorridos com motoristas, passageiros e pedestres, a responsabilidade também é objetiva.

No entanto, há situações que não se encontram dispostas em normas específicas, podendo ser enquadradas na segunda parte do parágrafo único do art. 927 ("quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem").

Atendendo à concepção da teoria do risco-proveito - que determina a obrigação de indenizar sempre que o agente causador do dano retirar algum proveito ou vantagem na utilização de coisas ou no exercício de atividades perigosas -, inserem-se nesse dispositivo todas aquelas atividades habitualmente desenvolvidas com fins lucrativos que possam gerar riscos para os direitos de outrem. Os demais casos que não podem se enquadrados na previsão do mencionado artigo, estão sujeitos à disciplina da responsabilidade subjetiva, subordinados, portanto, à existência de culpa por parte do agente causador dos danos.

Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona entendem que o disposto no parágrafo único do art. 927 do CC se refere ao denominado risco-proveito, o que basta para eliminar desta previsão os acidentes de trânsito envolvendo o comum condutor, isto é, aquele que faz da condução um mero meio de deslocação, e não a sua atividade profissional:

"Em nosso entendimento, o exercício dessa atividade de risco pressupõe ainda a busca de um determinado proveito, em geral de natureza econômica, que surge como decorrência da própria actividade potencialmente danosa (risco-proveito) (...) Isto bastaria, em nosso entendimento, para isentar da regra, sob análise, os condutores de veículo, uma vez que, embora aufiram proveito, este não é decorrência de uma atividade previamente aparelhada para a produção desse benefício. Além do que, o direito à circulação em avenidas e rodovias é imperativo da própria ordem constitucional, que nos garante o direito de ir e vir". [28]

Nos casos dos motoristas de táxi, profissionais que atuam com fins claramente lucrativos, estes autores entendem que a responsabilidade é objetiva, uma vez que a atividade por eles exercida traz um risco embutido, sendo os danos daí decorrentes potencialmente esperados em função da probabilidade estatística de sua ocorrência.

Na análise da responsabilidade civil por acidentes automobilísticos, não podemos deixar de mencionar o Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97, de 23 de Agosto), que veio substituir o revogado Código Nacional de Trânsito (Lei nº 5.108, de 21 de Setembro de 1966, e alterações posteriores).

Essa lei especial é formada essencialmente por normas de caráter penal e administrativo. À responsabilidade civil dedicou apenas algumas disposições, como o art. 1º, § 3.º: "Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro".

De acordo com este enunciado, o Poder Público ou a entidades competentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, por exemplo, por danos causados ao usuários ou a terceiros pela execução de projetos mal elaborados e de curvas perigosas que facilitam o capotamento de veículos, independentemente da prova da culpa dos seus agentes. Esse tipo de responsabilidade advém da previsão do art. 37, § 6º, da CF, o qual estabelece a responsabilidade objectiva das pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos. Desse modo, podem responder por acidentes de trânsito provocados por defeitos na pista ou imperfeições de sinalização não só o Poder Público directamente ou os seus órgãos, mas também as empreiteiras contratadas para a execução de obras ou manutenção de rodovias.

O Código de Trânsito menciona expressamente as responsabilidades por acção e omissão do Estado, enquanto a Constituição Federal nada diz acerca da responsabilidade por omissão. Por conta disto, a princípio, poder-se-ia dizer que o CTB inovou neste aspecto, alargando as hipóteses de responsabilidade objetiva do Estado também aos casos de omissão. No entanto, parte significativa da jurisprudência já havia sustentado ser objetiva a responsabilidade do Poder Público pelos atos que decorressem de comissão e de omissão dos seus agentes.

Para parte da doutrina de Direito Administrativo, como Celso Antônio Bandeira de Melo e Maria Sylvia Zanella di Pietro, a responsabilidade objetiva da Administração Pública somente se aplica aos danos causados na forma comissiva, por conta do próprio enunciado do art. 37, § 6º, da CF. Aos danos decorrentes da omissão do Poder Público, aplicar-se-ia a responsabilidade subjetiva, avaliando se houve dolo ou culpa na conduta do agente público.

O facto de o CTB ter mencionado a responsabilidade por omissão do Estado não significa que se teria adotado a teoria do risco integral, em que o dever de indenizar se justifica tão-somente pela presença do dano, ainda que presente alguma causa de exclusão do nexo de causalidade, em substituição à teoria do risco administrativo, a qual é perfilhada pela CF.

Segundo a teoria do risco administrativo, todo prejuízo decorrente do risco deve ser garantido, independente da existência de culpa por parte do Poder Público ou dos seus órgãos, a não ser que se verifique alguma das causas de exclusão do nexo de causalidade, como o fato da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior, capaz de interromper o elo de ligação entre a conduta do Estado e o dano causado ao particular. Com isso, o legislador quis estabelecer a responsabilidade objetiva da Administração Pública. A responsabilidade por culpa apenas terá espaço no momento em que se proceder à avaliação da conduta do agente público, podendo este sofrer ação de regresso em favor da Administração.

O parágrafo único do art. 291 do CTB também possui disciplina em consonância com a responsabilidade civil, estabelecendo que aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa, de embriaguez ao volante, e de participação em competição não autorizada será aplicada a composição de danos civis, que, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente, nos termos do art. 74 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Por fim, no art. 297, disciplinou a denominada multa reparatória do dano, inserindo-a no capítulo relativo aos crimes de trânsito. Essa multa de caráter penal representa a antecipação de uma parte da indenização a ser estabelecida no âmbito cível, revelando-se, ao mesmo tempo, como uma sanção criminal e como um ressarcimento civil:

"A penalidade de multa reparatória consiste no pagamento, mediante depósito judicial em favor da vítima, ou seus sucessores, de quantia calculada com base no disposto no § 1º do art. 49 do Código Penal, sempre que houver prejuízo material resultante do crime.

§ 1º A multa reparatória não poderá ser superior ao valor do prejuízo demonstrado no processo.

§ 2º Aplica-se à multa reparatória o disposto nos arts. 50 a 52 do Código Penal.

§ 3º Na indenização civil do dano, o valor da multa reparatória será descontado".

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Sobre a autora
Mariana Sena Vieira Paupério Pereira

Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia, Brasil. Advogada. Mestre em Direito na área de especialização jurídico-privatística pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Portugal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Mariana Sena Vieira Paupério. A responsabilidade prevista nos sistemas jurídicos português e brasileiro para os acidentes de circulação automóvel. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2741, 2 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18160. Acesso em: 19 abr. 2024.

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