O escopo do presente é analisar se a conduta do servidor público que se enquadra na proibição constante do art. 117, X, da Lei 8.112/90, merece a penalidade de demissão prevista no artigo 132 do mesmo diploma legal.
É de bom alvitre salientar que teleologicamente o inciso X do art. 117. da Lei n 8112/90 tem o intuito de impedir que o interesse privado do servidor prevaleça em detrimento do interesse público.
Se formos fazer uma interpretação literal dos artigos acima mencionados e abaixo transcritos, chegamos à conclusão que o servidor público tem que sofrer a penalidade de demissão no caso do mesmo figurar como gerente/administrador de empresa privada. Vejamos:
Art. 117. Ao servidor é proibido:
X - participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário;
Parágrafo único. A vedação de que trata o inciso X do caput deste artigo não se aplica nos seguintes casos
I - participação nos conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação no capital social ou em sociedade cooperativa constituída para prestar serviços a seus membros; e
II - gozo de licença para o trato de interesses particulares, na forma do art. 91. desta Lei, observada a legislação sobre conflito de interesses.
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.
O artigo 128, da Lei 8.112/90, institui uma certa discricionariedade para o julgador no momento da aplicação da pena. Lembremos sempre que essa discricionariedade diz respeito à aplicação/dosimetria da pena e não à pena em si. Em relação a esta não há discricionariedade.
Art. 128. Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.
Parágrafo único. O ato de imposição da penalidade mencionará sempre o fundamento legal e a causa da sanção disciplinar.
Entrando na seara interpretativa a Controladoria-Geral da União, em sua apostila de texto, "Treinamento em Processo Administrativo Disciplinar (PAD)-Formação de Membros. Julho de 2008.p.288" nos ensina que para haver configuração de infração de dever funcional tem que haver a efetiva gerência ou administração da empresa, não bastando figurar apenas de direito.(Analisando a literalidade da Lei 8.112/90, esta pede a "efetiva gerência"). Vejamos o que ensina a Douta CGU:
"...o mandamento deste inciso pode ser entendido de forma mais restrita, configurando-se apenas com comprovação da gerência, da administração ou do comércio de fato, não bastando figurar de direito. Quanto à gerência ou administração, se a empresa nunca operou ou não opera desde o gerente ou o administrador foi investido em cargo público, pode-se inferir que não haverá afronta à tutela da impessoalidade se o servidor figurara como tal na sociedade, visto que, na prática, não se cogitará de vantagem indevida, tanto a ele mesmo quanto à sociedade."
Com efeito, todos os atos administrativos são norteados pelos Princípios da Administração Pública. Esses Princípios estão inseridos principalmente no artigo 37 da Constituição Federal (sem esquecer dos princípios trazidos, também, na legislação infra-constitucional).Vejamos in verbis:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Grifos nossos)
Como antes mencionado, todos os atos da Administração Pública são pautados pelos seus Princípios. Assim, essa relativização da penalidade, ora em análise, visa o bem da Administração (a efetivação de seus princípios) e não o bem do servidor público. Visa proteger o serviço público e sua continuidade.
A Lei visa coibir justamente o conflito de horários do servidor, manter o foco do servidor na Administração e evitar o perigosíssimo e nefasto conflito de interesses.
Vale destacar que o artigo 117, X, da Lei 8112/90 vem sendo sistematicamente alterado. As alterações são inseridas sempre com o intuito de acompanhar o dinamismo da sociedade, do serviço público e, principalmente, do interesse público.
Vejamos as algumas antigas redações do inciso x, do artigo 117, da Lei 8112/90:
X- participar de gerência ou administração de empresa privada, sociedade civil, ou exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário;
X - participar de gerência ou administração de empresa privada, sociedade civil, salvo a participação nos conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação do capital social, sendo-lhe vedado exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
X- participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, salvo a participação nos conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação no capital social ou sem sociedade cooperativa constituída para prestar serviços a seus membros, e exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário; participação salvo a empresa privada, se sociedade civil, ou exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário; (Redação dada pela Lei nº 11.094, de 2005)
X- participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade na qualidade de acionista, cotista ou comanditário; (Redação dada pela Medida Provisória nº 431, de 2008).
Assim, destacamos que todas as mudanças perpetradas no citado artigo visam primordialmente o interesse público, mesmo que a priori deixe transparecer uma minoração de proibição ou relativização de pena para o servidor.
Nessa esteira e corroborando nosso entendimento transcrevemos parte do Relatório de Inspeção Correicional do Ministério da Previdência Social, referente ao 1º semestre do ano de 2008, onde a Corregedoria Setorial da Controladoria-Geral da União assim se manifestou:
"(...)
60. A aplicação literal do artigo nº 117, inciso X, da Lei n 8.112/90, pode levar a Administração a ter mais prejuízos do que benefícios, até porque não se pode afirmar categoricamente que esses negócios privados sempre configuram prejuízo ao erário e conflito de interesses com a Administração em detrimento do interesse público. Pelo contrário. Deve ser aplicado, ao caso concreto posto em consideração da Administração, o princípio da lesividade das condutas.
(...)
64. No caso do exercício de sócio-gerência de empresas, e considerando o princípio da lesividade da conduta, deve a Administração, ao julgar condutas, avaliar, em cada caso concreto, se o ato praticado por servidor se enquadra na tipificação do inciso X do artigo 117 da Lei n 8.112/90, hipótese em que seria cabível a demissão, ou em outros dispositivos, tais como o do inciso XVIII do mesmo artigo de lei (exercício de atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho), caso em que seria aplicável a penalidade de suspensão.
65. Há de se reconhecer a aplicação do princípio da lesividade em casos de pouca insignificância e baixa lesividade, de modo a garantir a correta subsunção do fato à norma."
Assim, podemos afirmar sem sombra de dúvida que a relativização do artigo 117 c/c 132, da Lei 8112/90, é largamente utilizada na interpretação destes normativos legais, como também é aceita e recomendada pela Controladoria-Geral da União, por ser salutar para o serviço público e por estar em consonância com os Princípios Constitucionais da Administração Pública.
Diante do acima exposto, chegamos à conclusão de que o servidor público não deve ser demitido apenas por figurar como sócio/gerente de uma sociedade (como manda a interpretação literal da lei 8112/90). Este tem que efetivamente participar da gerência da empresa/sociedade da qual é sócio, bem como, seguindo os ensinamentos da CGU, mesmo o servidor participando efetivamente da administração da sociedade, deve-se analisar no caso concreto, por intermédio do respectivo Processo Administrativo Disciplinar, a conduta do servidor para se estabelecer a correta interpretação da norma em confronto com a efetiva conduta do servidor.