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Controle ministerial sobre as agências reguladoras

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5. Relação entre as agências e os ministérios.

Nessa guia, cumpre-se buscar de forma mais precisa a delimitação de qual é o papel da Administração Central e qual é o das agências, buscando sempre um alinhamento com a autonomia conferida às agências reguladoras e com a necessidade de uma supervisão ministerial que garanta o controle das políticas.

Conforme o raciocínio acima, se faz imperioso analisar a relação entre as agências reguladoras e o poder público, mormente no que tange à sua atuação frente ao Poder Executivo central.

Fica a cargo dos Ministérios, que integram o Poder Executivo Central, constituir um relacionamento com as agências, isto é, estabelecer as diretrizes que o setor econômico deve seguir dentro de um plano global de desenvolvimento. É certo que as agências acabam por segmentar demais os seus conhecimentos, dada a natureza de sua atuação, voltando-se exclusivamente para os setores inseridos no âmbito de sua regulação, em uma atuação praticamente estanque em relação às demais agências. Assim, cumpre ao Governo ponderar as especificidades de cada agência dentro de um contexto mais abrangente de políticas públicas.

Neste momento, é bem importante aduzir que a relação entre os ministérios e as agências deve consistir sempre em uma via de mão-dupla, de modo que as agências funcionem como fontes de informação de seus setores, colaborando para que o Estado desenvolva um plano que articule todas as áreas da economia e priorize as mais importantes, planos estes que se traduzem em diferentes políticas setoriais, as quais serão viabilizadas justamente pela atuação ramificada dos órgãos reguladores. Daí a importância da interação entre agência e o executivo, pois proporciona ao Estado instrumentos e meios necessários para intervir de forma eficaz na ordem econômica.

Nas precisas lições de Salomão Filho:

A ação planejadora do Estado deve buscar uma ação interventiva que, antes de tudo, permita ao Estado adquirir conhecimento do setor, suas utilidades e requisitos de desenvolvimento. Como já anteriormente discutido, o principal problema de qualquer ação econômica, seja estatal ou privada, é um problema de conhecimento. Conhecer a realidade é pressuposto essencial para que se possa modificá-la. [18]

Ressalte-se que, por outro lado, a própria estrutura de funcionamento das agências sempre vai corroborar com uma real possibilidade de conflito em sua relação com o poder central. É que, sendo independentes e autônomas as agências, existe a possibilidade, em tese, de que as políticas regulatórias traçadas pelos seus diretores venham a entrar em conflito com as políticas de governo e as políticas públicas traçadas pelo Executivo.

Estes conflitos não devem ocorrer em grande escala, pois, como dito alhures, as políticas públicas setoriais devem sempre se adequar às políticas de estado. Ademais, elas também condicionam a atuação das agências, as quais, segundo o que foi exposto, devem se pautar sempre nos parâmetros e balizas estabelecidos na lei, regulamentos e políticas públicas.

Na verdade, o que se espera é a possibilidade de autonomia e flexibilidade para as agências, de modo a permitir que elas internalizem no setor as políticas públicas da melhor forma possível e de modo a gerar menos impacto. Afasta-se a concepção de vinculação estrita, que engesse a liberdade criativa da agência, pois as leis instituidoras das agências estabelecem estas prerrogativas (independência e autonomia).

Dessa forma, podem ser estabelecidas pelas agências diversas nuances específicas para o setor, de modo a melhor executar, sob um ponto de vista macro, as políticas estabelecidas.

Assim, arriscamo-nos a afirmar que prazos, metas, obrigações e condicionamentos podem ser impostos ou modificados pela política regulatória, de modo a atender as metas governamentais da melhor forma, bem como respeitar a capacidade do setor regulado e os direitos dos consumidores – os finais destinatários das políticas idealizadas.

Ocorre que podem se desenvolver divergências relevantes, a ponto de causar conflitos entre agências e governantes. Em tese, existe a possibilidade dos dirigentes das Agências formularem políticas públicas contrárias aos interesses políticos do Presidente eleito democraticamente. Ressalte-se, ainda, como bem observa Paulo Todescan Lessa Mattos, [19] as decisões das agências, apesar de serem pretensamente pautadas pelo tecnicismo, acabam envolvendo, muitas vezes, escolhas verdadeiramente políticas (decisionismo), traduzidas nas normas das editadas pelas agências, as quais devem ser legitimadas.

Nesse diapasão, Alexandre Santos Aragão [20] sustenta acertadamente que as agências reguladoras têm uma autonomia limitada. Segundo o autor, estes limites, além de não serem incompatíveis com a característica de autonomia das agências, integram o seu próprio conceito. Não se poderia imaginar que um órgão, por mais autônomo que fosse, pudesse ficar alheio ao conjunto da Administração Pública, considerando o sistema constitucional brasileiro.

O fortalecimento desse modelo regulatório, entretanto, depende da consolidação das agências como instituições de Estado, bem como das suas prerrogativas. Na realidade, são necessários alguns acertos na legislação pátria a fim de garantir a autonomia e a autoridade das decisões das Agências, bem como mecanismos de controle e escape, para uso em casos realmente relevantes. Precisa-se também de um amadurecimento político, a fim de se evitar desvios maléficos ao regime, a exemplo das disputas de poder entre ministérios e agências e a indicação de diretores com base em critérios políticos e não predominantemente técnicos.


6. Conclusão.

Consiste a Administração Indireta no conjunto dos entes que, vinculados a um órgão da Administração Direta, prestam serviço público ou de interesse público.

Na atuação desses entes a participação do Poder Executivo é reduzida, haja vista que a própria concepção de autarquia pressupõe a idéia de relativa independência e autonomia.

Dada a existência de certas prerrogativas como o estabelecimento de mandatos fixos para os seus dirigentes, a estabilidade dos Diretores, a falta de subordinação aos Ministérios, os poucos casos de recursos hierárquicos externos e outras garantias previstas nas respectivas leis de criação, temos que, no caso específico das agências reguladoras, as mesmas foram idealizadas com um grau de autonomia ainda maior do que a estabelecida por lei para as autarquias convencionais.

É de se ter em mente, entretanto, que, na medida em que são atribuídas aos órgãos reguladores independência e amplas competências de intervenção num dado setor, não parece legítimo atribuir-lhes também a competência absoluta para idealizar e instituir as respectivas políticas públicas setoriais.

Nesse sentido, o Parecer AGU Nº AC-51, de 12 de junho de 2006, norma com caráter vinculante para toda a Administração, fixou entendimento no sentido de que as agências se submetem às políticas públicas e, em caso de desvio, se sujeitam ao poder de supervisão dos Ministérios.

Com efeito, é inegável a existência de determinado grau de sujeição das agências reguladoras ao Poder Executivo Central, inclusive no que tange às políticas públicas por ele estabelecidas, pelo que defende majoritariamente a doutrina a possibilidade de certo controle ministerial nesse sentido.

É de se ressaltar, porém, que esse controle não pode, em hipótese alguma, afetar a autonomia das agências, sendo perfeitamente aceitável que as agências possam estabelecer, por conta própria, políticas regulatórias por conta própria, respeitados os condicionantes legais.

Assim, a relação entre os ministérios e as agências deve ser harmoniosa, de modo que se desenvolvam políticas que articulem todas as áreas da economia e priorizem as mais importantes.


REFERÊNCIAS

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______. Casa Civil. Câmara de Infra Estrutura – Câmara de Política Econômica. Análise e avaliação do papel das agências reguladoras no atual arranjo institucional brasileiro: Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial. Brasília, 2003. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br>. Acesso em 25 jul. 2010.

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Notas

  1. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 285, p. 282.
  2. MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p. 285.
  3. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 104.
  4. Como exemplos, podemos citar, em relação à ANAC, o art. 4º da Lei 11.182/05: "A natureza de autarquia especial conferida à ANAC é caracterizada por independência administrativa, autonomia financeira, ausência de subordinação hierárquica e mandato fixo de seus dirigentes". No mesmo sentido o artigo 8º, § 2º, da Lei 9.472/97, instituidora da ANATEL, que estabelece que: "A natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira."
  5. O art. 9º da Lei 9.986/00, que dispõe sobre a gestão de recursos humanos das Agências Reguladoras, preconiza: "Os Conselheiros e os Diretores somente perderão o mandato em caso de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar."
  6. GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo, 7 ed. rev. e atual., São Paulo : Saraiva, 2002, p. 602-603
  7. Art. 37, §8°. A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre:
  8. I – o prazo de duração do contrato;

    II – os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos e obrigações e responsabilidade dos dirigentes;

    III – a remuneração do pessoal.

  9. MEIRELLES, Hely Lopes, op. cit., p. 250.
  10. SANTOS, Luiz Alberto. Contratos de gestão e agências reguladoras. Folha de São Paulo, São Paulo, 05 dez. 2003. Folha Brasil. Caderno A, p. 3, apud LEHFELD, Lucas de Souza. Controle das Agências Reguladoras: A participação-cidadã como limite à sua autonomia. 2006. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006, p. 365.
  11. BRASIL. Casa Civil. Câmara de Infra Estrutura – Câmara de Política Econômica. Análise e avaliação do papel das agências reguladoras no atual arranjo institucional brasileiro: Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial. Brasília, 2003. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br>. Acesso em 25 jul. 2010, p. 32.
  12. Ibid., p. 06-07.
  13. Projeto de lei n° 3.337/2004, de iniciativa do Poder Executivo.
  14. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. ADin-MC n° 1.668-DF. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, julgado em 20 de agosto de 1998. Publicado no Diário da Justiça em 31 de agosto de 1998. Com enxerto inserido pelo autor.
  15. BRASIL. Advocacia-Geral da União. Parecer AGU nº AC-51, de 12 de junho de 2006. Publicado no Diário Oficial da União em 19 de junho de 2006. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/PaginasInternas/NormasInternas/ListarTipoParecer.aspx>. Acesso em: 20 de jul. de 2010.
  16. MOREIRA, Vital. Agências reguladoras independentes em xeque no Brasil. In: MARQUES, Maria Manuel Leitão; MOREIRA, Vital. A mão visível: mercado e regulação. Coimbra: Almedina, 2003, p. 227-230, apud MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Agências Reguladoras: Instrumentos do Fortalecimento do Estado. III Congresso Brasileiro de Regulação de Serviços Públicos Concedidos, 2003, Gramado. Anais..., São Paulo: ABAR, 2003.
  17. BAGNOLI, Vicente. Autonomia e independência das agências reguladoras. São Paulo: Faculdade de Direito Mackenzie, 2007, p. 3, apud GONÇALVES, Fernando José. As autoridades regulatórias brasileiras e seus relacionamentos com as demais entidades do poder público. 2008.Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2008, p. 80.
  18. MARCHIORI, Bárbara. Supervisão Ministerial das Agências Reguladoras na Formulação de Políticas Públicas.2009. Monografia. Contemplado com o IV PRÊMIO SEAE – 2009. Brasília: SEAE, 2007, p. 31-32. Disponível em <http://www.seae.fazenda.gov.br>. Acesso em: 05 de maio de 2010.
  19. SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e desenvolvimento. In: SALOMÃO FILHO, Calixto (Coord.). Regulação e desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 60. Grifo nosso.
  20. Cf. MATTOS, Paulo Todescan Lessa. O Novo Estado Regulador no Brasil: Eficiência e Legitimidade. São Paulo: Editora Singular, 2006.
  21. Cf. ARAGÃO, Alexandre Santos de. A legitimação democrática das agências reguladoras. Revista de Direito Público da Economia, v. 2, n. 6, p. 9-26, abr./jun. 2004.
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Sobre o autor
Marcio Sampaio Mesquita Martins

Procurador Federal, Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará, pesquisador e autor de livros e artigos sobre temas de Direito Administrativo e de Direitos Fundamentais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Marcio Sampaio Mesquita. Controle ministerial sobre as agências reguladoras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2747, 8 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18232. Acesso em: 5 mai. 2024.

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