Diante da questão que nos é posta, é necessário verificar se a data do pagamento do tributo (aspecto temporal) constitui um dos componentes básicos que deve necessariamente ser veiculados por lei (oriundo de um processo legislativo primário) ou pode ser determinada por atos infralegais emanados do Poder Executivo.
Em se entendendo que a data do vencimento da obrigação tributária se trata de elemento de reserva legal, forçosa seria a conclusão de que a sua eventual alteração também deveria ser procedida tão somente mediante atos normativos primários.
Pois bem, a data de pagamento dos tributos não está presente na discriminação taxativa (numerus clausus) contida no art. 97. do CTN, como um dos elementos essenciais a constar na lei instituidora dos tributos.
O STF, calcado neste argumento, tem entendido que o Executivo pode, portanto, alterar de forma discricionária a data do efetivo pagamento do tributo, mediante atos infralegais e que, portanto, o vencimento da obrigação tributária é um componente que passa ao largo do princípio da estrita legalidade.
Segue o entendimento de nossa Corte Constitucional em um dos seus julgados:
"(...) O Tribunal, por maioria, conheceu do recurso e lhe deu provimento, declarando a constitucionalidade do art. 66. da Lei n. 7.450/85 que atribuiu ao Ministro da Fazenda competência para expedir portaria fixando o referido prazo, ao fundamento de que a fixação de prazo para recolhimento do tributo não é matéria reservada à lei.(...)(RE 140.669/PE, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 02-12-1998)"
O STJ também já havia se manifestado favoravelmente à posição defendida pelo STF quando do julgamento dos Recursos Especiais nº 55.207 e 55.537.
Ao analisarmos ao entendimento adotado pelo STJ sobre a questão, não podemos olvidar que a sua função precípua é a de guardião da legislação federal infraconstitucional. Nesta esteira, o STJ defendeu a aplicabilidade do art. 160, caput, do CTN.1
Ressalte-se que o supracitado dispositivo, ao se utilizar da expressão ‘legislação tributária’, conferiu a liberdade ao Executivo para regular a questão através de atos infralegais, ao argumento de que o próprio art. 96. do CTN incluiu na referida expressão os decretos daquele Poder.
Assim sendo, estamos que o entendimento do STJ, restrito que estava à sua função de guardião da legislação infraconstitucional, não mereceu maior reparo.
Doutra margem, homenageando uma interpretação sistemática e bem mais abrangente, em consonância com o art. 108. do CTN e com o art. 150, I, da Carta Magna, há uma corrente doutrinária contraposta que defende que a data do vencimento da obrigação tributária deve ser - sim - objeto de reserva legal.
Nesta esteira, o professor Eduardo Sabbag sustenta com precisão:
"Estamos que o prazo para recolhimento do tributo, conquanto ausente na lista exaustiva dos elementos configuradores da reserva legal, constante do art. 97. do CTN, apresenta-se como rudimento substancial para a completude da lei tributária, ao indicar o átimo de tempo em que se deve adimplir, com pontualidade, a obrigação tributária. Deixar tal determinação ao alvedrio do Poder Executivo, ao sabor da discricionariedade, é sufragar o perene estádio de insegurança jurídica, acintosa ao elemento axiológico justificador do postulado da estrita legalidade."2
Compartilhamos do entendimento acima expendido.
Entendemos que o entendimento atual da Suprema Corte faz leitura puramente positivista e pouco abrangente sobre o tema, não se atentando que em todo o nosso Sistema Tributário Nacional pulsam inúmeros princípios e dispositivos que coíbem a insegurança jurídica na relação que tangencia o patrimônio dos contribuintes.
Consideramos, outrossim, que o art. 160, caput, do CTN, fundamento legal das decisões do STJ, não foi recepcionado pela nova ordem constitucional, vez que não poderia delegar ao legislador infralegal a determinação de tão essencial elemento, menoscabando, a nosso sentir, todos os comandos constitucionais que homenageiam o princípio da legalidade.
Ademais, não pairam dúvidas de que o princípio da legalidade e da tipicidade fechada são frutos da noção básica de tributação consentida e justa (no taxation without representation).
Por sua vez, este autoconsentimento, que deve circundar toda a atividade arrecadatória fiscal nos Estados de Direito, somente é observado de forma plena (salvo as próprias exceções previstas em lei) através de um processo legislativo realizado por representantes eleitos para este mister (reserva de lei formal).
Considerando que a data do pagamento é o momento em que - de fato - se efetiva a invasão patrimonial do contribuinte, não há como evitar a conclusão de que se trata de um dos componentes da obrigação tributária e que, portanto, a sua alteração deve ser albergada pelo princípio da estrita legalidade e pela segurança jurídica dele decorrente.
A nosso sentir, o aspecto temporal compulsado, em que pese não positivado por nosso legislador nacional como matéria de reserva legal, assume vital importância quando analisados os elementos axiológicos e constitucionais que disciplinam as onerações tributárias, devendo ser veiculado (instituído ou alterado) tão somente mediante atos normativos legais (em seu sentido estrito), através do respectivo processo legislativo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SABBAG, Eduardo de Moraes. Manual de Direito Tributário. 2ª edição atualizada. São Paulo: Saraiva, 2010.
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003.
CATUNDA, Camila Campos Vergueiro. Artigo: É preciso revisar prazo de recolhimento de tributos. Disponível em https://www.conjur.com.br/2010-jan-05/tribunais-revisar-premissas-prazo-recolhimento-tributos. Acesso em 21 abril 2009
Notas
1 "Art. 160, caput, CTN: Quando a legislação tributária não fixar o tempo do pagamento, o vencimento do crédito ocorre 30 (trinta) dias depois da data em que se considera o sujeito passivo notificado do lançamento."(grifo nosso)
2 SABBAG, Eduardo de Moraes. Manual de Direito Tributário. 2ª Ed. atualizada. São Paulo: Saraiva, 2010, p.65.