6. Conclusão
O advento da Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova página em nossa história constitucional [109]. Como afirma SARMENTO, "do ponto de vista simbólico, ela quis mesmo representar a superação de um modelo autoritário e excludente de Estado e sociedade e selar um novo começo na trajetória político-institucional do país" [110]. Por tal motivo, nossa atual carta constitucional detém conteúdo altamente comprometido com os ideais democráticos, com a promoção da dignidade humana e com uma destemida proposta de resgate ético do Direito como um todo, capitaneado pelo direito constitucional [111]. Noutros termos: nossa atual Carta Magna decididamente abraçou o neoconstitucionalismo [112].
De fato, juridicamente, a República Federativa do Brasil possui uma Constituição reconhecidamente prenhe de valores substanciais, repleta de objetivos idealistas e marcada, acima de tudo, por uma densa carga de promessas, com estímulo ao travamento de um saudável intercâmbio ético-solidário entre seus cidadãos [113]. Além disso, em um país como o Brasil, ainda apontado como de terceiro mundo, geograficamente extenso e socialmente diversificado, as alvissareiras promessas da Carta da República se apresentam como uma verdadeira "luz no fim do túnel", não havendo como, agora, abortar-se ideais tão nobres e anseios tão dignificantes, mercê de uma visão constitucional gélida e tacanha [114].
É preciso sufocar aquela atuação descompromissada que tem sido imanente à cultura pós-moderna. Para tanto, ganha relevo o ousado projeto neoconstitucionalista. Um constitucionalismo compromissório, dirigente [115], na medida em que vocacionado à implementação da eficácia irradiante dos valores constitucionais, de cunho humanístico e de cariz solidarístico, em relação à prática estatal, em todos os seus níveis, e à prática particular, em todas as suas nuanças, corrigindo desigualdades sociais e contribuindo substancialmente para a melhoria das condições de vida de todos os membros da sociedade. Portanto, um constitucionalismo portador de uma interessante "dimensão de resistência" [116].
Diante dessa perspectiva, forçoso é reconhecer que o neoconstitucionalismo representa instrumental jurídico diferenciado, imprescindível mesmo para o alcance dos objetivos de um legítimo Estado Constitucional de Direito (ou Estado Democrático de Direito). Em suma, há uma estreita ligação entre a proposta neoconstitucionalista e o dirigismo constitucional, de cuja junção deriva o anseio de se firmar uma teorização constitucional que invada a prática, que promova um substrato jurídico comprometido com a mudança social e que oferte ao intérprete do direito um programa de ação profundamente empenhado na efetiva alteração da sociedade [117]. Ainda que em meio à desesperança pós-moderna, é preciso reafirmar: a utopia constitucionalista continua de pé... [118]
Entretanto, nesses mais de 20 anos, muita coisa ainda há por fazer. E a principal delas talvez seja justamente a conscientização de todos da sociedade – principalmente daqueles que diuturnamente lidam com o Direito – acerca do próprio papel da Constituição de 1988. Muitos falam da Constituição, ensinam sobre a Constituição, lidam com a Constituição. Poucos, porém, conhecem a alma da Constituição, a sua essência, a sua vocação, o seu propósito de vida. Vai aqui um pouco da porosidade pós-moderna: nosso vínculo com a Constituição tem sido muitas vezes tíbio, indolente, superficial, líquido. A Constituição está em nossas mesas, mas não ocupou ainda a nossa pauta de prioridades. Seus inúmeros artigos, gravados em nossa mente; seus elevados propósitos, todavia, continuam longe do nosso coração [119].
Eis um quadro que invoca mudança. Como bem lembra AYRES BRITO, o juiz, enquanto um dos próceres do cenário jurídico, tem um "vínculo orgânico com a Constituição e vínculo subjetivo com os direitos fundamentais da população" [120]. O neoconstitucionalismo, nesse prisma, representa um enérgico brado para que a Constituição seja vista e (re)conhecida no que tem de mais belo e importante: um novo olhar, uma nova postura, humana e solidária.
Nesse novo cenário, a Constituição ocupa o centro do ordenamento jurídico. Os direitos fundamentais vicejam como o coração da Constituição. A dignidade da pessoa humana é o precioso líquido carmesim que circula por todas as células do corpo jurídico. Essa novel disposição alinha o sistema, dispondo-o em um lindo arranjo constitucional dotado de perfeita sincronia humanista e vocacionado a homenagear, em alta dosagem, o ser ao invés do ter, as pessoas ao invés das coisas, o existencial ao invés do patrimonial. Razão e sentimento se unem para conduzir, tudo e todos, ao mais glorioso de nossos anseios constitucionais: a paulatina construção de uma sociedade efetivamente livre, realmente justa e verdadeiramente solidária [121].
Ao espiar novamente pela janela, eis que surge uma sólida referência debruçada no horizonte.
"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara" [122].
Sigamos, pois, essa luz...
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