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Modulação dos efeitos das decisões do STF no controle de constitucionalidade

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24/01/2011 às 17:56
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5. Modulação dos efeitos – artigo 27 da Lei 9.868/99

Com a edição da Lei 9.868/99, o legislador legitimou ao Supremo Tribunal Federal em proceder à modulação dos efeitos de suas decisões quando por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, conforme artigo 27, verbis:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Porém, vale salientar que a Suprema Corte nacional já vinha aplicando a modulação dos efeitos de suas decisões bem antes da edição da norma supracitada, fazendo-o por razões de ponderação da declaração de inconstitucionalidade e a necessidade de rigidez da ordem jurídica.

Ao editar tal norma, e inserir na mesma o dispositivo que trata acerca da modulação dos efeitos das decisões pelo Supremo Tribunal Federal, o legislador inseriu duas possibilidades pelas quais poderá ocorrer tal modulação, a saber: i) razões de segurança jurídica e; ii) excepcional interesse social.

Após a edição da Lei 9.868/99, que legitimou ao Supremo Tribunal Federal em proceder à modulação dos efeitos de suas decisões em controle concentrado de constitucionalidade, a Excelsa Corte somente aplicou o artigo 27 da referida legislação em 2004, quando do julgamento da ADI 3.022, reputando constitucional o referido dispositivo da Lei 9.868/99. Ao declarar a inconstitucionalidade de dispositivos normativos vigentes desde 1994, determinou que sua decisão produzisse efeitos somente a partir de 31 de dezembro de 2004.

A doutrina brasileira tem reconhecido a constitucionalidade da nova regra. O autor Zeno Veloso destaca o seguinte ponto (1999, p. 210):

Temos a firme convicção de que é da maior necessidade, utilidade e importância que se preveja em nosso direito constitucional positivo a possibilidade de o STF, em casos excepcionais, e quando o exija o interesse público, estabelecer limites à eficácia da declaração de inconstitucionalidade, com as ressalvas que apresentamos.

De igual forma o doutrinador Eduardo Talamini (2009, p.p. 439):

A possibilidade de excepcionalmente restringir os efeitos retroativos ou mesmo atribuir apenas efeitos prospectivos à declaração de inconstitucionalidade – ao contrário do que possa parecer – confere maior operacionalidade ao sistema de controle abstrato. A regra da retroatividade absoluta e sem exceções acaba fazendo com que o tribunal constitucional, naquelas situações de conflito entre os valores acima mencionados, muitas vezes simplesmente deixe de declarar a inconstitucionalidade da norma, para assim evitar gravíssimas conseqüências que adviriam da eficácia ex tunc dessa declaração [09].

Assinala Luís Roberto Barroso, que "a flexibilização do dogma da nulidade da lei inconstitucional foi saudada como positiva por juristas que nela viram a concessão de uma 'margem de manobra' para o Judiciário ponderar interesses em disputa". [10]

No mesmo entendimento doutrinário posiciona-se Regina Maria Macedo Nery Ferrari (2004, p. 163):

Reconhecer, portanto, que a norma inconstitucional é nula, e que os efeitos desse reconhecimento devem operar ex tunc, estendendo-os ao passado de modo absoluto, anulando tudo o que se verificou sob o império da norma assim considerada, é impedir a segurança jurídica, a estabilidade do direito e sua própria finalidade.

Porém, em artigo publicado no Jornal Valor Econômico, Fábio Martins de Andrade manifestou o seguinte posicionamento:

[...] É inegável que o argumento consequencialista pode (e deve) ser levado em conta na tomada das decisões judiciais. A depender da área jurídica e das particularidades de cada situação submetida ao exame do Poder Judiciário – e do Supremo – diferentes graus de importância podem ser atribuídos a tais argumentos. De qualquer modo, sempre terão um peso menor e servirão para corroborar ou reforçar os argumentos jurídicos centrais sobre os quais o debate se alicerça. Sua possível aplicação deve ser cogitada somente em situações excepcionalíssimas, quando a atribuição do tradicional efeito "ex tunc" (efeito retroativo) à declaração de inconstitucionalidade conduz a uma situação ainda mais afastada da 'vontade constitucional' em razão do vácuo que pode ser criado em alguns casos.

Esses casos são situações específicas que evidenciam a necessidade de uma solução menos tradicional. Como exemplos, pensem na declaração de inconstitucionalidade de um dispositivo normativo (1) que criou mais cargos de vereadores do que deveria; (2) que criou certo município; (3) que nomeou um grupo de servidores públicos; (4) que aumentou o vencimento de uma categoria deles. Esses exemplos são rotineiramente examinados pelo Supremo. São casos delicados onde a aplicação pura e simples do efeito retroativo poderia gerar gravíssimas consequências, tanto do ponto de vista fático como também – e especialmente – jurídico. Para tais situações, a aplicação da modulação dos efeitos é plenamente viável, cabível e até recomendável. Observando essas e outras situações de diferentes áreas jurídicas, verificamos que a modulação dos efeitos pode ser salutar em alguns casos. Em outros não.

(…) O dilema com que se defrontou - e voltará a ser defrontar neste mês – a suprema corte é algo no qual deve participar toda a sociedade. Como já alertamos no passado, é hora de definir se a modulação temporal dos efeitos das decisões judiciais vai ser utilizada como um instrumento efetivo de proteção dos direitos dos fundamentais dos cidadãos ou se vai servir a interesses específicos, nem sempre de caráter republicano.

A Lei nº. 9.868/99 foi alvo da impetração das ADI's nº. 2154 e 2258, que aguardam julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal [11]. Ressalta-se que o Procurador-Geral da República opinou pela improcedência de ambas as ADI's. O Ministro Relator Sepúlveda Pertences votou pela procedência das mesmas, que por sua vez aguardam pedido de vista da Ministra Cármen Lúcia.

Em que pese tenham sido impetradas as ADI's 2154 e 2258, o Supremo Tribunal Federal ainda não se posicionou explicitamente acerca da inconstitucionalidade/constitucionalidade da norma infralegal atacada (artigo 27 da Lei 9.868/99, bem como de outros dispositivos deste diploma normativo). Ao contrário, a Excelsa Corte vem aplicando a modulação dos efeitos prevista no referido dispositivo normativo iterativamente em seus precedentes jurisprudenciais, o que sugere a perda de objeto da questão jurídica posta nas referidas ADI's.

Segundo disposição normativa da Lei nº. 9.868/99, a modulação dos efeitos das decisões será aplicada apenas em sede de controle concentrado, porém o Supremo Tribunal Federal também a utiliza em sede de controle difuso, até mesmo anteriormente à edição da referida legislação. No ano de 2000, quando do julgamento do RE 197.917, em que se discutiu o pedido de inconstitucionalidade da Lei editada pelo Município de Mira Estrela, que fixou o nº. de vereadores além do limite determinado pela Constituição Federal vigent, declarou a Suprema Corte a inconstitucionalidade da referida norma, porém, aplicando-se os efeitos pro futuro, tendo em vista prevalência do interesse público.

Naquela ocasião, considerou-se que a declaração de inconstitucionalidade da referida da norma com efeitos ex tunc geraria grave ameaça ao sistema legislativo vigente, visto que todos os efeitos da norma seriam reputados nulos. Confira-se:

Municípios. Câmara de vereadores. Composição. Autonomia municipal. Limites constitucionais. Número de vereadores proporcional à população. CF, artigo 29, lV. aplicação de critério aritmético rígido. Invocação dos princípios da isonomia e da razoabilidade. Incompatibilidade entre a população e o número de vereadores. Inconstitucionalidade, incidenter tantum, da norma municipal. Efeitos para o futuro. Situação excepcional. (...) Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. (RE 197.917, Rel. Min. Maurício Corrêa,  julgamento em 6-6-02, DJ de 7-5-04)

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No julgamento do RE 395.092-AgR, a Suprema Corte firmou entendimento acerca da aplicação da modulação no controle difuso de constitucionalidade, conforme transcrito abaixo:

(...) A declaração de inconstitucionalidade reveste-se, ordinariamente, de eficácia ex tunc (RTJ 146/461-462 - RTJ 164/506-509), retroagindo ao momento em que editado o ato estatal reconhecido inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido, excepcionalmente, a possibilidade de proceder à modulação ou limitação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, mesmo quando proferida, por esta Corte, em sede de controle difuso. Precedente: RE 197.917/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa (Pleno). Revela-se inaplicável, no entanto, a teoria da limitação temporal dos efeitos, se e quando o Supremo Tribunal Federal, ao julgar determinada causa, nesta formular juízo negativo de recepção, por entender que certa lei pré-constitucional mostra-se materialmente incompatível com normas constitucionais a ela supervenientes. A não-recepção de ato estatal pré-constitucional, por não implicar a declaração de sua inconstitucionalidade – mas o reconhecimento de sua pura e simples revogação (RTJ 143/355 – RTJ 145/339) –, descaracteriza um dos pressupostos indispensáveis à utilização da técnica da modulação temporal, que supõe, para incidir, dentre outros elementos, a necessária existência de um juízo de inconstitucionalidade (...). (RE 395.902-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Julgamento em 7-3-06, DJ 25-8-06). No mesmo sentido: AI 720.991, Rel. Min. Cármen Lúcia, decisão monocrática, julgamento em 19-5-09, DJE de 27-5-09; RE 438.025-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-3-06, DJ 25-08-06.  AI 421.354-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-3-06, DJ 15-9-06, AI 463.026-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 21-2-06, DJ 15-9-06.

Quando do julgamento da AC 189-MC-QO, o Supremo Tribunal novamente entendeu que a modulação dos efeitos aplica-se também ao controle difuso de constitucionalidade, conforme transcrito abaixo:

Embora a Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999, tenha autorizado o Supremo Tribunal Federal a declarar a inconstitucionalidade com efeitos limitados, é lícito indagar sobre a admissibilidade do uso dessa técnica de decisão no âmbito do controle difuso. Ressalte-se que não se está a discutir a constitucionalidade do art. 27 da Lei n. 9.868, de 1999. Cuida-se aqui, tão-somente, de examinar a possibilidade de aplicação da orientação nele contida no controle incidental de constitucionalidade. (...) assinale-se que, antes do advento da Lei n. 9.868, de 1999, talvez fosse o STF, muito provavelmente, o único órgão importante de jurisdição constitucional a não fazer uso, de modo expresso, da limitação de efeitos na declaração de inconstitucionalidade. (...) No que interessa para a discussão da questão em apreço, ressalte-se que o modelo difuso não se mostra incompatível com a doutrina da limitação dos efeitos. (AC 189-MC-QO, voto do Min. Gilmar Mendes, julgamento em 9-6-04, DJ de 27-8-04)

Não obstante tenha o Supremo Tribunal Federal, conforme acima citado, se posicionado pela aplicação da modulação no controle difuso, quando do julgamento da AC189-MC-QO, a 2ª Turma do colendo Tribunal entendeu pela inaplicabilidade do instituto da mitigação dos efeitos ao julgar o RE 395.654-AgR, cujo excerto transcreve-se:

O Agravante alega que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade da lei municipal somente poderiam operar-se ex nunc, em virtude de razões de segurança jurídica e de prevalência do interesse social. Todavia, este Supremo Tribunal decidiu que a norma apontada como de regência para a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade — art. 27 da Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999 — não se aplica ao caso, pois se impõe no controle abstrato de constitucionalidade (

RE 395.654-AgR, Rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, DJ 3-3-2006; AI 428.886-AgR, Rel. Min. Eros Grau, Primeira Turma, DJ 25-2-2005; e RE 430.421-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, Primeira Turma, DJ 4-2-2005). (AI 666.455, Rel. Min. Cármen Lúcia, decisão monocrática, julgamento em 20-6-07, DJ de 8-8-07)

Destaca-se, ainda, que para o Supremo Tribunal Federal modular os efeitos de suas decisões, exige-se o quorum qualificado de 2/3 dos Ministros, conforme exigência de quorum qualificado previsto na Lei 9.868/99 [12].

Ressalte-se que a modulação dos efeitos também foi positivada na Lei 9.882, de 3 de dezembro de 1999, que dispõe acerca do processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, no seu artigo 11, que assim dispõe:

Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de 2/3 (dois terços) de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seus trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado".

Portanto, com a edição das Leis nº. 9.868/99 e 9.882/99 houve a ampliação da possibilidade de o STF proceder à modulação de suas próprias decisões, relativizando, assim, a teoria da nulidade, quando por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, no controle incidental ou concentrado de constitucionalidade.

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Sobre o autor
Darlison Gomes de Lima

Graduado em Direito pelo Centro Universitário - IESB. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes. Autor do artigo "Modulação dos efeitos das decisões do STF no controle de constitucionalidade". Servo do Deus Altíssimo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Darlison Gomes. Modulação dos efeitos das decisões do STF no controle de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2763, 24 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18333. Acesso em: 28 mar. 2024.

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