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Modulação dos efeitos das decisões do STF no controle de constitucionalidade

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24/01/2011 às 17:56
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6. Momento da modulação dos efeitos na declaração de inconstitucionalidade em abstrato

A modulação, seguindo disposições legais, deve ser realizada no julgamento em Plenário do mérito das ações abstratas de controle de constitucionalidade, afinal passam a irradiar seus efeitos a partir do momento da publicação da ata de julgamento.

Porém, por vezes o STF não se pronuncia sobre a modulação e o autor interessado no resultado da demanda, após o julgamento de ADI, opõe embargos de declaração para buscar a modulação, a pretexto de sanar omissão e obscuridade.

O Supremo Tribunal Federal, vindo a acolher os embargos para tal fim, pode transmudar o controle abstrato em controle concreto de constitucionalidade.

Esta situação ocorreu no julgamento da ADI 2791 [13], quando a Excelsa Corte declarou a inconstitucionalidade do §1° do art. 34 da Lei n° 12.398/98 do Estado do Paraná, em especial da expressão "bem como os não-remunerados". Em suma, discutiu-se acerca da inconstitucionalidade do referido dispositivo normativo que concedia aos serventuários da justiça paranaense aposentadoria em regime idêntico ao dos servidores públicos.

O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do supracitado dispositivo normativo estadual, porém, em nada tratou acerca da modulação dos efeitos de sua decisão. Ou seja, estando silente a Suprema Corte quando da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, em regra, os efeitos são ex tunc. Assim, os efeitos da decisão irão retroagir até o momento da formação da norma, fulminando todos os seus efeitos pretéritos.

Em seguida foram opostos pelo Governador do Estado do Paraná embargos de declaração na ADI 2791 [14] para que a Excelsa Corte modulasse os efeitos de sua decisão em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Porém, entendeu a Suprema Corte no sentido de que se não houve na inicial da ação direta de inconstitucionalidade pedido de modulação dos efeitos da decisão, não há omissão na decisão, logo não há objeto a ser tratado nos embargos. Confira-se:

Embargos de declaração. Ação direta de inconstitucionalidade procedente. Inscrição na Paranaprevidência. Impossibilidade quantos aos serventuários da justiça não remunerados pelos cofres públicos. Modulação. Eficácia em relação às aposentadorias e pensões já asseguradas e aos serventuários que já preenchem os requisitos legais para os benefícios.

1.A ausência na ação direta de inconstitucionalidade, de pedido de restrição dos efeitos da declaração no tocante a determinados serventuários ou situações afasta, especificamente no caso presente, a apontada omissão sobre o ponto.

2.Embargos de declaração rejeitados, por maioria. (ADI/ED 2197, Rel. Originário Ministro Gilmar Mendes; Rel. para o acórdão Ministro Menezes Direito),

Portanto, o Supremo Tribunal Federal assentou entendimento no sentido que, não havendo pedido de modulação na peça inicial de ação direta de inconstitucionalidade, não cabe modular sob o argumento de haver o Tribunal sido omisso quanto à modulação dos efeitos.

Em sentido contrário se manifestou o Ministro Gilmar Mendes acompanhado dos Ministros Eros Grau, Cezar Peluzo e Ellen Grace, quando do julgamento dos embargos de declaração na referida ADI, apresentando o seguinte posicionamento:

Caso se entenda que o fundamento para a limitação dos efeitos é de índole constitucional e que, presentes os requisitos para a declaração de inconstitucionalidade com efeitos restritos, não poderá o Tribunal fazê-lo com eficácia "ex tunc", afigura-se inevitável o acolhimento dos embargos de declaração nas hipóteses em que de fato se configura uma omissão do Tribunal na apreciação dessas circunstâncias.

[...]

Assim, nas hipóteses em que se reconheça que a declaração de inconstitucionalidade com efeitos limitados ou restritivos seria uma imposição da própria Constituição, não se atribuiria valor definitivo a uma eventual omissão por parte do Tribunal. Daí a possibilidade, em tese, de que se reconheça a omissão no âmbito nos embargos de declaração para os fins de explicitar a necessária limitação de efeitos da decisão de inconstitucionalidade. (grifo original, ADIED 2791, Relator Originário Ministro Gilmar Mendes; Relator do Acórdão Ministro Menezes Direito)

Ressalte-se, ainda, que o instituto previsto no art. 27 da Lei 9.868/99, apenas previu modular as decisões por razões de segurança jurídica e relevante interesse social. O que se observa atualmente é o crescente aumento de embargos de declaração opostos contra decisão em sede de ação direta de inconstitucionalidade, cujo objeto consiste unicamente no pedido de modulação dos efeitos sob o pretexto de que a Suprema Corte foi omissa no sentido de não modular no momento oportuno. Dessa forma, procura-se retirar o caráter abstrato da decisão em sede de ADI para acomodar situações concretas com o exame de peculiaridades e situações subjetivas excepcionais, que devem encontrar, nas ações individuais, tutela de eventual direito.


7. Conclusão

O reconhecimento implícito da constitucionalidade do art. 27 da Lei 9.868/99, que previu a possibilidade de restrição dos efeitos da nulidade da lei inconstitucional, impediu debate amplo da questão. Afinal, a dualidade de sistemas de controle de constitucionalidade no Brasil – o concentrado e o difuso, que conserva poder aos juízes de afastar a aplicação de leis incompatíveis com a Constituição Federal e com as Constituições Estaduais – não torna tão explícito o poder de o STF de flexibilizar, em abstrato, o postulado da nulidade da lei inconstitucional, consagrado há mais de um século no Brasil.

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O fato de o Supremo Tribunal Federal, diante de casos especiais, antes mesmo de edição da Lei 9.868/99, ter reconhecido a impossibilidade de retroação máxima dos efeitos da inconstitucionalidade, em razão do evidente choque com princípios de estatura constitucional, como a coisa julgada, o direito adquirido ou até mesmo a boa-fé, não é suficiente para legitimar norma legal que lhe confere amplos poderes para ponderação de situações concretas que podem se identificar com interesses de governo ou de classes e até mesmo de pessoas.

Nada obstante, o tema é rico e comporta múltiplas facetas, ainda a serem exploradas. Na medida em que o STF for aplicando o art. 27 da Lei 9.868/99 ou o art. 11 da Lei 9.882/99, de igual conteúdo, formar-se-á uma pauta de valoração acerca das razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social a justificar a restrição dos efeitos, a qual poderá ser criticada e, assim, poderão os juristas confirmar ou rejeitar a justiciabilidade das modulações operadas pelo Supremo Tribunal Federal.


Referências

BARBOSA, Ruy. Os actos inconstitucionaes do congresso nacional e do executivo ante a justiça federal. Companhia impressora7: Capital Federal, 1893. 246p. Obra retirada do sítio da biblioteca virtual do Superior Tribunal de Justiça –

http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/21512. Acessado em 09.09.2009.

BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. 359p.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2008. 808p.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 2. ed. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 1.391p.

Cinqüenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão. Trad. Jurgen Schwabe e outros autores, Montevideu: Konrad Adenauer Stiftung, Montevideo, 2005.

MARINONI, Luis Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. 816p.

MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 2001. 357p.

MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva, 1990.

NERY FERRARI, Regina Maria Macedo. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 539p.

TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 702p.

VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

WEFFORT, Francisco C (Organizador). Os clássicos da política – volume 1. 13. ed. São Paulo: Ática, 2004.

Controle de constitucionalidade - "Conceito, sistemas e efeitos". 2ª Revista, ampliada e atualizada de acordo com as Leis 9.868 e 9.882/99. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

Artigos-Periódicos

ANDRADE, Fábio Martins de. A ADC 18, a modulação e o dilema do STF. Jornal Valor Econômico. Data 10.08.2009. p. E2.

Legislação

BRASIL. Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999. Publicada no DOU de 11.11.1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.

BRASIL. Lei 9.882, de 3 de dezembro de 1999. Publicada no DOU de 6.12.1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1° do artigo 102 da Constituição Federal.


Notas

  1. WEFFORT, Francisco C (Organizador). Os clássicos da política – volume 1. 13. ed. São Paulo: Ática, 200. p.p. 276.
  2. FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.p 269.
  3. BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.p 15.
  4. O reconhecimento da inconstitucionalidade gradual da lei pode ser observado no recente julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 130/DF, cujo Ministro Relator Carlos Ayres Brito voltou pela não-recepção da Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa), tendo em vista que a mesma se tornou incompatível com a Constituição Republicana de 1988. A decisão, contudo, demonstra que o juízo de não-recepção só veio a lume 20 anos depois de promulgada a CFBR/88, período durante o qual o próprio STF reconheceu sua eficácia e aplicabilidade em muitos casos correntes.
  5. Cinqüenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Trad. Jurgen Schwabe e outros autores, Alemão, Ed. Konrad Adenauer Stiftung, Montevideo, 2005, p. 153-154. "A grande importância que a lei do imposto sobre vendas tem para a receita da União, mas também os custos das empresas e a formação geral dos preços, não permite no momento, porém, que toda a lei seja declarada nula, porque (somente) grupos especiais, mesmo que não insignificantes, são tratados desigualmente em relação a outros grupos muito mais numerosos. A declaração de nulidade da lei seria possível, talvez, em caso simples. No caso em pauta, chegar-se-ia a um resultado insuportável, vez em que a validade da lei seria negado em âmbito desproporcionalmente maior àquele atingido pela questão a ser decidida aqui (...). Asseverou, ainda, que "tanto menos se trata de declarar nula a lei apenas no âmbito restrito no qual tem relevância a carga desigual aqui tratada. Uma restrição da nulidade seria possível apenas teoricamente. Na prática, nesse objeto tributário abrangente não se encontra uma formulação que delimitasse de forma justificável a parte nula da válida. (...) Se a lei do imposto sobre vendas mantiver sua atual forma incompleta, estando o faturamento externo de empresas de uma faixa e de várias faixas equiparado de forma inflexível, sua validade deve ser limitada no tempo".
  6. RE 147.776, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJU 19.06.1998.
  7. Ao julgar a ADIn 939, na qual se discutiu acerca do IPMF, cujo relator Ministro Sidney Sanches, decidiu pela declaração de inconstitucionalidade da norma atacada, porém, aplicando-se o método da "interpretação sem redução de texto", cujo excerto transcreve-se: "Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – I.P.M.F.
  8. Artigos 5º, § 2º, 60, § 4º, incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e "d", da Constituição Federal.

    Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é de guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.).

    (...)

    Em conseqüência, é inconstitucional, também, a Lei Complementar nº 77, de 13.07.1993, sem redução de texto, nos ponto em que determinou a incidência do tributo do mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, "a", "b", "c" e "d"da C.F. (arts. 3º, 4º e 5º do mesmo diploma, L.C. nº 77/93).

  9. TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: RT, 2009. p.p. 435.
  10. idem, p.p. 439.
  11. BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004. p.p. 24-25.
  12. As ADI's 2154 e 2258 foram impetradas pela Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNLP e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, respectivamente, cujo pedido principal consiste na declaração de inconstitucionalidade dos artigos 17, 18, §§ 1º e 2º, 21, 26 e 27 da Lei 9.868/99, porém, na sessão plenária de 14/02/2007 o e. Tribunal decidiu, por unanimidade, rejeitar, preliminarmente, a ilegitimidade ativa da autora das referidas ADI's. Após o voto do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence (Relator), rejeitando a argüição de inconstitucionalidade por omissão, relativamente aos artigos 17 e 18, §§ 1º e 2º, da Lei n. 9.868/99, pediu vista a Senhora Ministra Carmén Lúcia. O Tribunal, por unanimidade, também rejeitou a impugnação de inconstitucionalidade da expressão "salvo expressa manifestação em sentido contrário", contida na parte final do § 2º do artigo 11, e do artigo 21, vencido, em ambos, o Senhor Ministro Marco Aurélio. Em seguida, relativamente ao artigo 27, o julgamento foi suspenso por falta de quorum, ante as ausências ocasionais da Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente) e Carlos Britto. Impedido o Senhor Ministro Gilmar Mendes.
  13. A atribuição de efeitos prospectivos à declaração de inconstitucionalidade, dado o seu caráter excepcional, somente tem cabimento quando o tribunal manifesta-se expressamente sobre o tema, observando-se a exigência de quorum qualificado previsto em lei. (AI 457.766-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 3-4-07, DJ de 11-5-07)
  14. ADI 2791, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 23.08.2006.
  15. ADI 2791 ED/PR, Rel. orig. Min. Gilmar Mendes, Rel. p/ o acórdão Min. Menezes Direito, 22.4.2009. (ADI-2791).
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Sobre o autor
Darlison Gomes de Lima

Graduado em Direito pelo Centro Universitário - IESB. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes. Autor do artigo "Modulação dos efeitos das decisões do STF no controle de constitucionalidade". Servo do Deus Altíssimo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Darlison Gomes. Modulação dos efeitos das decisões do STF no controle de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2763, 24 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18333. Acesso em: 24 abr. 2024.

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