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O direito à prova em face do princípio do contraditório na perspectiva dos direitos fundamentais

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25/01/2011 às 10:56
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Resumo: O tema "O direito à prova em face do princípio do contraditório na perspectiva dos direitos fundamentais" é de suma importância dentro das ciências constitucional e processual, tendo em conta que na primeira está o seu nascedouro e na segunda encontra-se o seu campo de incidência. No presente trabalho, de início, realiza-se um estudo acerca do devido processo legal, expondo-se o seu significado, notadamente por ser ele o princípio-base de onde decorrem as demais garantias constitucionais no processo. Além disso, buscou-se trazer tanto o devido processo legal como o contraditório para uma seara dos direito fundamentais, visto que tais garantias estão expressas na Constituição Federativa do Brasil, em seu Título II. Por derradeiro, levou-se a efeito a análise do direito à prova, a partir de sua previsão implícita em nossa Constituição e sua concatenação com os 2 (dois) princípios constitucionais acima, uma vez que o direito à prova nada mais é do que um consectário tanto do devido processo legal como do contraditório.

Palavras-chave: Direitos fundamentais. Devido Processo Legal. Princípio do Contraditório. Direito à prova.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1. DEVIDO PROCESSO LEGAL . 1.1. Origem e Evolução do Devido Processo Legal . 1.2. O Devido Processo Legal como Direito Fundamental . 1.3. Sentido Processual e Substantivo do Devido Processo Legal . 1.4. O Devido Processo Legal na Jurisdição Penal . 1.5. O Devido Processo Legal na Jurisdição Civil . 1.6. O Devido Processo Legal nos Processos Administrativos . 2. CONTRADITÓRIO . 2.1. Conceito e Histórico do Contraditório . 2.2. Contraditório, Igualdade das Partes e os Direitos de Ação e de Defesa.. 2.3. Contraditório no Processo Penal, Civil e Administrativo. 2.4. Contraditório e as Provas Obtidas por Meios Ilícitos . 2.5. Contraditório e a Colisão com Outros Direitos Fundamentais . 2.6. Possíveis Ofensas ao Princípio do Contraditório . 3. A PROVA NO ORDENAMENTO PROCESSUAL CIVIL PÁTRIO . 3.1. Conceito da Prova e Natureza Jurídica . 3.2. Objeto, Finalidade e Destinatário da Prova . 3.3. Meios Probatórios: Pressupostos e Limitações . 3.4. Da valoração da Prova . 3.5. Distribuição do Ônus Probatório . 3.6. O Contraditório como Condicionante para a Validade da Prova .3.7 Das Provas Obtidas por Meios Ilícitos . CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS . APÊNDICE.


INTRODUÇÃO

Reputa-se o direito à prova como direito fundamental derivado de um dos mais relevantes princípios insculpidos na vigente Carta Magna, no caso, o contraditório, que por via de consequência emana do devido processo legal (due process of law), também de raiz constitucional.

No Brasil, assim como nos países cujos sistemas jurídicos têm origem no Direito Romano, os princípios são considerados como fonte do Direito, encontrando-se o contraditório, ao lado da ampla defesa a ele umbilicalmente ligada, regulados conjuntamente no ápice do nosso ordenamento jurídico.

O contraditório domina o processo moderno, propiciando igualdade entre as partes, com as mesmas oportunidades de apresentar provas e contradizê-las, tanto em nível judicial quanto na esfera administrativa. Àquele aplica-se igualmente ao processo de natureza civil ou criminal.

A teor da regra vazada no art. 5.º, § 2.º, da Carta Política, os direitos e garantias fundamentais não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja signatária. Em vista do predito dispositivo, a CF/88 permite agregar outros direitos fundamentais que não estejam explícitosem seu texto. Demais disso, há outros nela implícitos que podem ser tanto internos, intrínsecos ao seu sistema, que são aqueles decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, como externos, oriundos de tratados internacionais cujas normas foram incorporadas ao nosso sistema.

À evidência, o direito à prova se enquadra nas duas situações retromencionadas, é dizer, tanto nos direitos fundamentais de natureza interna quanto externa. Em assim sendo, a partir de uma interpretação sistêmica da matéria, ressai o direito fundamental à prova, oriundo, de forma mais específica, do resultado da garantia constitucional do famigerado devido processo legal ou um aspecto fundamental das garantias processuais da ação, da defesa e do contraditório.

Com efeito, é possível identificar o direito à prova como um direito constitucional implícito, em face de não estar expressamente previsto no texto da CF/88. Decorre, pois, do princípio do contraditório e demais princípios correlatos, reportados em linhas retro.

O nosso ordenamento jurídico recepcionou dois tratados internacionais ambos tratando da matéria concernente à prova, denotando, assim, um direito externo à Constituição. Primeiro, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), incorporado pelo Decreto n.º 678/69 (art. 8.º).Ulteriormente,o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, incorporado pelo Decreto n.º 592/92 (art. 14.1, alínea "e").

Com o advento da Emenda Constitucional n.º 45/04, conhecida como a Reforma do Judiciário, os tratados e convenções internacionais atinentes aos direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos seus respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais, nos termos do parágrafo 3.º do art. 5.º da CF, assim os dois tratados internacionais acima ganharam esse importante status constitucional.

Insta esclarecer, outrossim, que o direito fundamental à prova tem caráter instrumental, tendo em vista que objetiva a consecução de uma prestação jurisdicional do Estado. E nesse contexto, a efetividade do direito à prova advém do reconhecimento da garantia para que as partes tenham amplas oportunidades no sentido de demonstrar os fatos que alegam, influindo, desta sorte, no convencimento do órgão jurisdicional.

Como é cediço, Direito é antes e acima de tudo prova, alegar e não provar é como um corpo sem alma. Nesse diapasão, há muito vigora a máxima jurídica no sentido de que alegar e não provar é o mesmo que nada alegar,alegattio et nom probatio, nihil allegare; e mais, o Estado-juiz deve julgar segundo o alegado e provado, secundum allegata et probata judex judicare debet. Apenas alegação desprovida de prova não faz o direito, allegare partis nom facit jus.

Nada obstante, é assegurado ao interessado o uso racional dos meios de prova aptos à comprovação dos fatos alegados. Não se deve, jamais, interpretar tal prerrogativa de modo irrestrito, porquanto não se trata de um direito fundamental absoluto.

Por conseguinte, o direito ao manejo das provas relevantes à tutela do bem perseguido pode ser limitado, máxime quando vier a colidir com outros valores e princípios constitucionais, inclusive quando a prova vier a ser obtida por meios ilícitos ou moralmente ilegais, bem como violar o sigilo e outras garantias do cidadão. Em tais casos, invocar-se-á qual dos valores merece prevalecer, devendo o julgador deferir as provas realmente hábeis e legítimas.

À vista do exposto, adentraremos ao estudo e a análise do direito fundamental da prova à luz do contraditório, a partir dos seguintes questionamentos: qual o verdadeiro conteúdo do direito fundamental ao devido processo legal? Qual o significado da prova no sistema processual brasileiro? O princípio do contraditório assegura o direito à produção irrestrita de prova?

O devido processo legal é tido como o princípio-base do sistema processual pátrio, donde decorrem todas as garantias processuais que asseguram aos litigantes o direito a um processo e uma sentença justos. Para alguns autores é uma redundância inserir expressamente os princípios, direitos e garantias dele oriundos em nossa Constituição dada a sua auto-significação, porém o posicionamento majoritário diz que é deveras oportuno a CF/88 agregá-los ao seu texto, em vista do contexto histórico que ela foi redigida, isto é, sob uma atmosfera marcada pela ditadura. Por conseguinte, o devido processo legal na qualidade de alicerce dos princípios constitucionais do processo traduz-se na ideia de um processo justo e adequado.

Relativamente à prova, ela tem importância cabal dentro do ordenamento processual pátrio, máxime pelo fato de ser o elemento vinculante do qual o julgador fica adstrito ao proferir o seu julgamento, impedindo, desse modo, qualquer liberdade nesse âmbito. Dito prestígio surgiu a partir da passagem do sistema da livre convicção (que permitia ao juiz prolatar a sentença segundo a sua consciência e sua íntima convicção, não vinculando o seu convencimento ao conjunto probatório carreado aos autos) para o da persuasão racional, o qual atualmente vigora no nosso sistema, colocando a prova como elemento vinculador no julgamento do caso concreto, conforme exposto em linhas anteriores.

É possível afirmar que o princípio do contraditório é um direito fundamental previsto em nossa Carta Magna, porém sua observância não tem caráter absoluto, porquanto nenhuma regra constitucional é absoluta, uma vez que tem de conviver com outras regras, garantias e princípios também de raiz constitucional. Em face disso, o contraditório, quando vier a colidir com outra regra constitucional, deverá ser posto em um juízo de ponderação entre as regras conflitantes de modo a chegar-se na qual deverá prevalecer, utilizando-se meios de circunspeção como, v. g., o princípio da proporcionalidade. À vista do exposto, é possível afirmar que o contraditório não assegura o direito à produção irrestrita de prova, notadamente quando ela venha a ser obtida por meios ilícitos (art. 5.º, LVI, CF/88) – princípio da proibição da prova ilícita.

O presente trabalho tem por escopo perscrutar o tema: O Direito à Prova em face do Princípio do Contraditório na Perspectiva dos Direitos Fundamentais, analisando as minúcias deste tópico de capital importância do moderno direito constitucional e processual, quer no campo judicial quer na via administrativa, dando-se, no âmbito deste trabalho monográfico, maior ênfase ao processo civil, sem, no entanto, furtar-se à necessária abordagem da matéria nos demais ramos processuais.

Como é curial, a importância da prova reside no fato de servir de convencimento ao julgador, que ao proferir a sua decisão o faz com base no que for alegado e, primordialmente, no que restar efetivamente provado no processo. Nessa esteira, impera a regra milenar: secundum allegata et probata judex judicare debet (o juiz deve julgar segundo o alegado e provado).

A prova funciona, pois, como um dos instrumentos que norteiam o Estado-juiz na atuação da jurisdição, no dizer o direito no caso concreto, prestando a tutela jurisdicional de forma satisfatória. De sorte que referida atuação estatal no sentido de dirimir eventuais litígios postos ao seu julgamento visa a consecução da paz social. Tanto é assim, que está expresso no vigente Código de Processo Civil, na Exposição de Motivos do seu célebre autor, Ministro Alfredo Buzzaid,que a finalidade do processo é a de dar razão a quem tem.

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Em virtude da importância singular da prova, muito já se escreveu a seu respeito, tendo dela tratado, inclusive, uma plêiade de doutrinadores de escol, aliás, os mais eminentes. A matéria, porém, é vasta e sempre atual, despertando o maior interesse das ciências processual e constitucional, como elemento vinculante que é a persuasão do julgador.

Não pode, jamais, nenhum operador do Direito descurar-se deste palpitante tema que, a cada dia, ganha maior realce, mormente depois do advento da vigente Carta Política, que o colocou em seu merecido lugar.

Diante disso, adveio o interesse particular de elaborar um trabalho a respeito desta relevante matéria, sem qualquer pretensão de esgotá-la em sua plenitude, mas com o propósito de oferecer uma modesta contribuição para o seu desenvolvimento neste campo inexaurível.

No que atina aos aspectos metodológicos, as hipóteses são averiguadas através de doutrinas, jurisprudências, leis, artigos, pesquisas online etc. Em relação à utilização dos resultados, a pesquisa é pura, uma vez que visa tão somente à ampliação do conhecimento, sem alteração da realidade. Segundo a abordagem, é qualitativa, apreciando a realidade do tema no ordenamento jurídico nacional. Quanto aos objetivos, a pesquisa é descritiva, descrevendo, explicando e esclarecendo o problema apresentado, bem como exploratória, aperfeiçoando as idéias através de informações sobre o tema em foco.

A abordagem do assunto dá-se sob diferentes enfoques dentro do plano do contraditório, na formação do devido processo legal. O estudo levado a cabo vai desde a simples produção das provas e ônus atinentes, passando pela necessidade de paridade de armas e oportunidades no manuseio dos instrumentos probatórios, até a intricada e polêmica questão das provas obtidas por meios ilícitos ou imorais e a eventual colisão com outros direitos fundamentais, a par da oportuna análise de suas diferentes facetas, numa visão própria de uma monografia acadêmica.

No primeiro capítulo, abordaremos o princípio-base do sistema processual pátrio, donde decorrem todas as garantias processuais que asseguram aos litigantes o direito a um processo e sentença justos.

No segundo capítulo, analisaremos a prova dentro do nosso ordenamento processual, sobretudo como elemento vinculante do qual o julgador fica adstrito ao proferir o seu julgamento, impedindo, desse modo, qualquer liberdade do juiz neste particular.

No terceiro e último capítulo, perscrutaremos o princípio do contraditório como sendo um direito fundamental previsto em nossa Carta Magna, porém de observância não absoluta, porquanto tem de conviver com outras regras, garantias e princípios também de raízes constitucionais.

Como resultado final deste estudo, sobressai-se o cuidado que se deve ter em relação ao modus operandi da prova, sua oportunidade e eficácia dentro do processo, com o escopo de atingir um resultado útil e, desse modo, alcançar-se a finalidade do processo.


1. DEVIDO PROCESSO LEGAL

Afigura-se de grande relevância o início deste trabalho monográfico a partir da análise do princípio-base do sistema processual pátrio, em vista de sua importância singular dentro da propedêutica processualística, a par de ser a fonte de onde decorrem e deságuam os demais princípios tratados na seqüência.

1.1.Origem e Evolução do Devido Processo Legal

À guisa de entrada, cumpre ressaltar que o nascedouro do devido processo legal – segundo maciça doutrina –a exemplo de Ricardo Maurício Freire Soares (2008:67), encontra-se na Inglaterra, mediante a Magna Carta (Magna Carta Libertatum) outorgada pelo então Rei João Sem Terra, no longínquo ano de 1215, a qual previa inúmeros direitos feudais alcançados pelos barões ingleses, consectário de suas intensas vindicações, inclusive da marcha sobre Londres em 24 de maio do mesmo ano, visto que, à época, imperava um forte descontentamento para com o soberano, tendo, ainda, maciço apoio dos demais munícipes londrinos.

De bom alvitre frisar que dita revolução aconteceu em virtude da habitualidade dos ingleses no que atina às leis que se mostravam durante longo tempo de aplicação amena em seu desfavor, além de apresentarem marcante índole consuetudinária (ou costumeira). De sorte que surgiu uma política de barganha, traduzida no binômio – investimento financeiro versus reconhecimento de direitos –, à medida que João com o fito de sustentar suas campanhas bélicas majorava a carga tributária e, em contrapartida, os barões exigiam direitos positivados e não meras "garantias extralegais", é dizer, troca de favores.

Ante esse cenário político, em data de 15 de junho daquele ano desenvolveu-se em Runnymede um encontro entre o soberano e os tais insurretos cidadãos londrinos, tendo naquele azo sido apresentado o documento Articles of the Barons (Artigos dos Barões), que posteriormente serviria de fundamento para a Carta Magna. Tal documento trazia em seu bojo a cláusula 39, tida como "coração da Magna Carta" e que tinha literalmente o seguinte teor: "nenhum homem livre será detido ou preso, nem privado de seus bens, banido ou exilado ou, de algum modo, prejudicado, nem agiremos ou mandaremos agir contra ele, senão mediante um juízo legal de seus pares ou segundo a lei da terra".

Conquanto escrito a princípio em latim, o documento exaltou a famigerada expressão the law of the land (a lei da terra), que ulteriormente cambiaria para a célebre due process of law (devido processo legal), utilizada até os dias atuais. Sendo assim, surgiram como corolário da conquista dos barões ingleses diversos ordenamentos posteriores que preceituaram tal garantia como, v. g., o de Maryland, Pensilvânia e Massachussetts (Nery Júnior, 2004:62).

Nesse diapasão, em face de a Convenção da Filadélfia, a qual aprovou a Constituição Americana (1787) não ter contemplado a tutela aos direitos individuais, adveio a Emenda n.º 5 à Constituição Americana de 1791, incorporando ao seu texto o devido processo legal, litteris:

Ninguém será obrigado a responder por um crime capital ou infamante, salvo por denúncia ou acusação perante um grande júri, exceto em se tratando de casos que, em tempo de guerra ou de perigo público, ocorram nas forças de terra ou mar, ou na milícia, durante serviço ativo; ninguém poderá ser constrangido a depor contra si mesmo em processo criminal, nem ser privado da vida, liberdade, ou de seus bens, sem o processo legal. Nem a propriedade privada poderá ser expropriada para uso público sem justa indenização.

Tempos depois, corroborando o prestígio dos direitos individuais insertos nas Cartas Magnas dos países pelo mundo, a Constituição Estadunidense voltou a ser modificada por meio da Emenda n.º 14 fazendo referência ao trinômio vida-liberdade-propriedade protegendo-os contra os abusos e teratologias dos Estados, enaltecendo, assim, a aplicação do devido processo legal.

Assim, nota-se indubitavelmente a grande parcela de contribuição que tiveram os Estados Unidos para o fortalecimento do princípio sob enfoque e sua respectiva inserção nos ordenamentos de outras nações, consoante, outrossim, preleciona Carlos Roberto Siqueira Castro (2006: 11): "através do fenômeno da recepção, o direito norte-americano foi herdeiro direto dessa garantia constitucional, tendo tido o mérito de embalá-la, criá-la e fazê-la florescer com inexcedível criatividade".

Doutra sorte, na realidade brasileira só fora inserido o princípio-garantia do devido processo legal na vigente Carta Política de 5 de outubro de 1988, com um largo retardo temporal de séculos, como se o direito pátrio fizesse tábula rasa para o evoluir da norma jurídica mundial.

Sua positivação em nossa Lex Mater encontra-se no art. 5.º, LIV, com a redação: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal", redundando ainda no inciso LV do mesmo artigo: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

A respeito, é superabundar trazer a lume o entendimento de parte da doutrina que afirma ser uma redundância haver expressamente no texto constitucional os princípios decorrentes do devido processo legal (como o contraditório e a ampla defesa, p. ex.) dada a sua auto-significação. Entrementes, em nosso sentir, nada mais razoável a CF agregá-los ao seu texto, em vista do contexto histórico que ela foi redigida, isto é, sob uma atmosfera marcada pela reprochável e antidemocrática ditadura militar.

Assim sendo, em apertada síntese, temos esposado acima o nascimento e a evolução do princípio alicerce da ciência processual, apresentado tanto num contexto nacional como internacional para fins de facilitar o seu entendimento dentro do enfoque dos direitos fundamentais do cidadão.

1.2. O Devido Processo Legal como Direito Fundamental

A expressão direitos fundamentais ("droits fondamentaux"), nasceu na França no ano de 1770, resultado do movimento que originou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esta, a propósito, em seu art. XI já garantia a aplicabilidade do devido processo legal, senão vejamos:

Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido assegurada todas as garantias necessárias à sua defesa. (grifo nosso)

No contexto nacional, a CF/88 confere proteção especial aos direitos fundamentais, tanto ao afirmar que "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata" (art. 5.º, § 1.º), quanto ao fato de inseri-los no cerne imutável da Constituição1 hospedado no art. 60, § 4.º, salvaguardando-os não somente do legislador ordinário, mas também do poder constituinte reformador.

A propósito, pode-se dizer que há dois aspectos dos direitos fundamentais: um material e outro formal. O segundo enquadra-se naqueles encartados no Título II da CF, diga-se, na parte "Dos direitos e garantias fundamentais". Sem embargo, a nossa Carta Política aceita a inserção de outros direitos fundamentais não elencados naquele Título, basta, para tanto, que guardem compatibilidade material com o regime e os princípios por ela adotados, a teor do cânone do art. 5º, § 2.º.

Mas, não é somente o fato de estar previsto no rol de direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal ou com ela ser materialmente compatível que se atribui ao devido processo legalesse importante status de direito fundamental. Não se pode olvidar, conforme sobejamente abordado no item anterior, que desde os primórdios de nossa sociedade até bem pouco tempo atrás, reinava os abusos dos governantes que ao terem o poder em suas mãos praticavam toda sorte de excessos, uma vez que os seus atos estavam acima da lei, não tendo que se submeter a nenhum tipo de regra ou norma, com efeito, a lei era simplesmente a vontade do soberano.

Diante disso, com o desiderato de sobrestar essas teratologias praticadas pelo Estado é que exsurgiu o Princípio da Legalidade, passando a Administração Pública a condicionar todos os seus atos à estrita observância da lei. Assim, firmou-se, paulatinamente, como supedâneo de todos os atos administrativos e como elemento disciplinador das relações patrimoniais e sociais em geral.

Tal princípio constitui a garantia fundamental da liberdade civil, que não é admitir fazer tudo que se deseje, porém somente o que a lei permitir. Destarte, a Legalidade, definida pela presença da lei tendente a regular todas as relações do Estado para com o indivíduo e a sociedade – dentro da ciência processualística –, manifesta-se por meio do princípio do devido processo legal, o que nos ensinamentos de Nelson Nery Júnior (2004:60), é "o gênero do qual são espécies todos os outros princípios constitucionais do processo". Assim sendo, nota-se a importância singular do princípio em tela no âmbito dos direitos fundamentais.

1.3.Sentido Processual, Substantivo e Genérico do Devido Processo Legal

Na gênese o devido processo legal foi elaborado apenas e tão somente como uma garantia processual, isto é, como um princípio que intencionava assegurar a regularidade do processo em todas as instâncias judiciais.

De modo que foi com esse caráter eminentemente processualista que o devido processo legal vigeu na antiga Inglaterra, através de sua inserção na Magna Carta, em seguida fazendo parte das Cartas coloniais da América do Norte e, ulteriormente, fortalecido com a 5.ª e 14.ª Emendas à Constituição Estadunidense (cf. Nery Júnior, 2004:35).

A princípio, mostrava-se como pressuposto de validade no âmbito penal, e por elastério, empós passou para a seara civil, vindo, mais recentemente, a integrar os procedimentos administrativos.

O Supremo tribunal Federal, a propósito, assim o define, ipsis litteris:

O princípio do devido processo legal, que lastreia todo o leque de garantias constitucionais voltadas para a efetividade dos processos judiciais e administrativos, assegura que todo julgamento seja realizado com a observância das regras procedimentais previamente estabelecidas, e, além disso, representa uma exigência fair trial, no sentido de garantir a participação equânime, justa, leal, enfim, sempre imbuída pela boa-fé e pela ética dos sujeitos processuais. (STF – AI n.º 529.733, DJ 01.12.2006)

Dessarte, é no sentido processual que tal garantia se apresenta de forma mais explícita, tendo como desiderato o efetivo acesso à justiça, assegurando a manifestação da igualdade entre as partes, do direito de ação, de defesa e do contraditório.

Hodiernamente, tem-se o devido processo legal como a garantia de um processo e sentença justos. Para tanto, é assegurado toda uma gama de princípios e garantias tendentes a consecução da finalidade do processo que é dar direito a quem tem razão, chegando, assim, a paz social.

A natureza da ação, seja ela civil ou penal, é que determinará o alcance de tal princípio no processo, uma vez que tanto o processo civil como o penal possuem uma sistemática própria para a incidência do devido processo legal.

Verifica-se, às escâncaras, a sua indiscutível índole processual, nada obstante, não é apenas nesse sentido que se apresenta o princípio ora em estudo. Há, ainda, como derivado do devido processo legal, os sentidos substancial e genérico.

No sentido substancial ou material (Nery Júnior, 2004:37), protegem-se os direitos materiais mediante um processo judicial ou administrativo, asseguradas todas as garantias de índole constitucional, além de impor limites ao poder de polícia da administração pública, de modo a controlar seus atos.

Daí porque surge a imposição ao poder legislativo de elaborar leis que visem ao interesse público, de sorte a conseguir a satisfação do Princípio da Razoabilidade das Leis, ou seja, toda lei deve ser sempre razoável sob pena de ser controlada pelo Judiciário. Neste sentido substancial, aliás, manifesta-se o Princípio da Legalidade, segundo o qual a administração só pode agir nos limites da lei, sendo-lhe proibido agir contra legem ou praeter legem, conforme os dizeres de autorizado doutrinador da matéria.

Assim, com a evolução da sociedade e do direito, tanto a doutrina como a jurisprudência ampliaram a conceituação do sentido substantivo do devido processo legal, conferindo-lhe uma interpretação mais elástica, com vistas a dar maior garantia aos direitos dos cidadãos.

Por derradeiro, cumpre-nos falar sobre o sentido genérico do devido processo legal. Porém, válido ressaltar antes de tudo, que a nossa Corte Suprema entendeu que a CF apenas prevê os sentidos substancial e processual, senão vejamos: "Abrindo o debate deixo expresso que a Constituição de 1998 consagra o devido processo legal nos seus dois aspectos, substantivo e processual, nos incisos LIV e LV, do art. 5.º, respectivamente.", conforme o precedente do STF na ADI (MC) n.º 1.511, voto do Min. Carlos Velloso (DJ 06.06.2003).

Não obstante a isso, posicionamo-nos ao lado da corrente que admite também o sentido genérico do devido processo legal, o qual, em linhas gerais, gira em torno do trinômio vida-liberdade-propriedade, tutelando os bens da vida no sentido mais amplo (Nery Júnior, 2004:34).

Ora, é justamente no sentido genérico que a nossa Carta Política faz menção ao devido processo legalao prever em seu art. 5º, inciso LIV, a tutela da liberdade e dos bens do cidadão, aliás, com clara inspiração nas Emendas 5.ª e 14.ª da Constituição Estadunidense.

Em vista disso, é que somos pela inclusão do sentido genérico como derivação do devido processo legal.

1.4. Devido Processo Legal na Jurisdição Penal

Como já reportado em linhas anteriores, o devido processo legal surgiu, a priori, como princípio condicionante do processo penal, composto por garantias "explícitas" e "implícitas", dentro da sistemática de proteção à liberdade pela Constituição Estadunidense.

Deveras importante mencionar que entre tais garantias contidas na Carta Magna norte-americana havia a expressa proibição ao bill of attainder 2, além do direito de defesa e ao contraditório.

Entrementes, é induvidoso que a grande incidência do devido processo legal na jurisdição penal encontra-se intrinsecamente ligada aos Princípios do Contraditório e Ampla Defesa, que somente se fizeram presentes no direito constitucional pátrio a partir da CF/88 (Grinover, 1985:6).

Portanto, tem-se em sede de dispositivo constitucional o caráter dialético e isonômico da relação processual, elemento vinculador da persecutio criminis, e que no entender de Ada Pellegrini Grinover (1985:7), é ao mesmo tempo garantia das partes, do processo e da jurisdição:

Garantias das partes e do próprio processo: eis o enfoque completo e harmonioso do conteúdo da cláusula do "devido processo legal", que não se limite ao perfil subjetivo da ação e da defesa como direitos, mas que acentue, também e especialmente, seu perfil objetivo. Garantias, não apenas das partes, mas sobretudo da jurisdição: porque se, de um lado, é interesse dos litigantes a efetiva e plena possibilidade de sustentarem suas razões, de produzirem suas provas, deinfluírem concretamente sobre a formação do convencimento do juiz, do outro lado essa efetiva e plena possibilidade constitui a própria garantia da regularidade do processo, da imparcialidade do juiz, da justiça das decisões.

Demais disso, para que haja a regularidade da instrução criminal, faz-se mister que as provas produzidas tenham lídimo caráter de idoneidade, pois que malfere o Princípio da Justiça nas relações processuais o manuseio de meios de prova obtidos ilicitamente.

A respeito, é sobranceiro em nossa Carta Magna o Princípio da Proibição de Provas Oriundas de Atos Ilícitos, constante, pois, do art. 5.º, LVI: "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos".

Conseguintemente, infere-se que o devido processo legal no âmbito da jurisdição criminal informa-se pelo conjunto de garantias referentes ao contraditório, tendo o condão de invalidar qualquer ato (ou omissão) que resulte em prejuízo para a defesa, inclusive com entendimento sumulado pelo STF (Súmula 523): "no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu".

1.5. O Devido Processo Legal na Jurisdição Civil

No que tange ao processo civil, este se revela de forma clara e induvidosa terreno fértil para a aplicação do devido processo legal, em que pese à pretérita Constituição da República ter-lhe olvidado, tão somente assegurando o contraditório e a ampla defesa relativamente ao processo criminal, deixando-o à míngua de tais princípios processualístico-constitucionais.

Registrem-se, por oportuno, as sábias e abalizadas palavras do mestre Cândido Rangel Dinamarco (1986:62) que, por elastério, entendia serem totalmente aplicáveis tais garantias ao processo civil e aos procedimentos administrativos, mesmo diante da referida omissão da antiga Constituição brasileira.

Superado esse imensurável disparate do Constituinte de 1967, a nossa atual Carta Magna prescreveu em seu art. 5.º, LV: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Em virtude da aludida omissão por parte da Lei Maior revogada, entendia-se que ditas garantias quedavam-se implícitas no Princípio da Inafastabilidade do Poder Judiciário. Válido ressaltar, que esse princípio adentrou formalmente ao Ordenamento Jurídico brasileiro com a Constituição de 1946, denotando, pois, que o Poder Judiciário, levando-se em conta a separação tripartite dos poderes do Estado, incumbe-se de decidir sobre o direito objetivo, isto quer dizer: pôr fim aos litígios.

Por isso, no exercício da jurisdição, id est, na composição dos conflitos, a tutela jurisdicional, acima de tudo, tem de ser prestada pelo Estado com justeza e ética superiores para fins de solucionar os litígios segundo o direito, de modo a (r)estabelecer a paz social.

Nessa esteira, revela-se de acentuada imperiosidade a lição do professor Carlos Roberto Siqueira Castro (2005:303) ao enfrentar a matéria versada:

Na realidade, a garantia do contraditório e da ampla defesa significa o direito à tutela jurisdicional por parte do réu, ou seja, o direito público subjetivo do figurante no pólo passivo da relação processual a exigir do "Estado-juiz" que ouça suas razões de defesa ou de contra-ataque à pretensão ajuizada com a ação civil, conferindo-lhe, em regime de igualdade com o autor da demanda, oportunidade de produzir as provas a seu ver conducentes à improcedência do pedido. (grifo nosso)

À toda evidência, o devido processo legal liga-se à própria destinação do processo, que intenciona não a satisfação dos interesses pessoais do autor ou do réu, mas sim de decidir o direito objetivo posto à sua cognição. Eis, então, o motivo do monopólio estatal que ao repudiar o exercício arbitrário das próprias razões, põe à disposição do jurisdicionado um processo pautado por procedimentos legais, tendentes a consecução de uma sentença justa e consequente fim da contenda.

1.6. O Devido Processo Legal no Processo Administrativo

Ante as intrincadas relações entre a sociedade e a Administração Pública, o devido processo legal – no âmbito do Direito Administrativo – ganhou relevo em virtude do intervencionismo estatal fortemente presente na segunda metade do século XX.

Nessa esfera de incidência o devido processo legalvisa a resolver as celeumas entre o Poder Público e os indivíduos, garantindo a aplicação dos Princípios da Legalidade e da Moralidade, consonante preceituado pela Lei Maior.

De sorte que é imperativo da Administração a sua submissão aos direitos fundamentais colacionados na CF/88, ou seja, o Estado se autolimita, subordinando-se totalmente ao Princípio da Legalidade, inclusive com subserviência aos atos que ele próprio tenha editado (Siqueira Castro, 2005:307).

Diante disso, pode-se dizer que todos os atos administrativos quando válidos vinculam tanto a Administração Pública como também os administrados.

Faz-se mister ressaltar, no ensejo, que o princípio segundo o qual o Poder Público deve submeter-se aos atos que venha a editar sob o prisma da legalidade é sucedâneo inconteste do Estado de Direito, presente, outrossim, nos países que desenvolvem seus Ordenamentos Jurídicos mediante regimes democráticos.

Em arremate, dessume-se que a cláusula do devido processo legal na seara do Direito Administrativo, precipuamente, tem por escopo regular os entraves existentes entre a Poder Público e o administrado, mormente em face da posição de superioridade daquela perante este, de modo a evitar os abusos de poder e estabelecer, de certa forma, paridade entre os dois sujeitos dentro de uma relação processual.

Paridade que é condição inarredável para se chegar a um resultado útil e justo dentro de um processo, quando os sujeitos contendores não têm igualdade de forças, haja vista que o particular frente ao Estado tem uma manifesta posição de hipossuficiência.

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Sobre o autor
José David Pinheiro Silverio

Advogado, assessor jurídico de prefeitura municipal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVERIO, José David Pinheiro. O direito à prova em face do princípio do contraditório na perspectiva dos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2764, 25 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18339. Acesso em: 23 nov. 2024.

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