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As consequências jurídico-sociais da aplicação da teoria do valor do desestímulo no ordenamento jurídico pátrio

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27/01/2011 às 08:59
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CONCLUSÃO

Na esteira evolutiva da responsabilidade civil é que paulatinamente a jurisprudência e doutrina brasileiras passaram a adotar novos métodos de preservação dos direitos dos indivíduos, principalmente aqueles atinentes à personalidade da pessoa humana. Como uma destas ferramentas de proteção, por inspiração direta da doutrina norte-americana do punitive damages, criou-se a teoria do valor do desestímulo.

Viu-se, é verdade, que não há qualquer previsão legal para aplicação desta teoria e que isto poderia trazer inúmeras consequências para o ordenamento jurídico brasileiro. O Brasil, como um país adotante da família de direito romano-germânica, tem na lei a sua fonte precípua do ordenamento, todavia, tal não se demonstra argumento forte o suficiente para que os julgadores ignorem a necessária e até mesmo urgente medida protetiva do fundamento maior da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana.

Ainda que eventualmente venha a fomentar a indústria do dano moral, ainda que cause o enriquecimento sem causa do ofendido – até porque, melhor o enriquecimento do ofendido do que do ofensor – ainda que fira o princípio da legalidade e deixe o ofensor desprotegido quanto ao resultado dos seus atos, não se pode ignorar uma ferramenta advinda da constante busca por mecanismos de preservação dos direitos individuais.

Ademais, a responsabilidade civil não é mais vista como outrora, possuindo função meramente compensatória ou satisfatória, ela, atualmente, se manifesta também com o intuito de punir o ofensor e, principalmente, de prevenir tais atos perante a sociedade.

Se assim o é, a utilização desta ferramenta de controle social é de grande valia para continuar a evolução que vem passando o instituto da responsabilidade civil, bem como a busca por uma sociedade mais justa e garantidora da dignidade da pessoa humana.


REFERÊNCIAS

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Notas

  1. CAVALIERI FILHO, 2008.
  2. DIAS, 2006.
  3. AMARANTE, 2005.
  4. MELO, 2006.
  5. BRASIL, 2008b.
  6. MARINONI, 2006.
  7. SANTOS JUNIOR, 2006.
  8. REIS, 2003, p. 186.
  9. Preferiu-se, no presente artigo, utilizar a expressão "punitive damages" na sua língua original por sua tradução literal não guardar correspondência com o sentido da expressão em inglês. Punitive damages, numa tradução mais adequada ao seu sentido, significaria "indenização punitiva".
  10. BRANDÃO, 2006.
  11. Em tradução livre: indenização compensatória + indenização punitiva.
  12. MELO, 2006.
  13. SANTOS JUNIOR, 2006.
  14. Entendem alguns, por outro lado, que, por ter o instituto da responsabilidade civil caráter indenizatório, sendo, inclusive, estipulado o valor do dano moral em valor único, não se poderia considerá-la como uma sanção civil, e sim, como uma mera indenização. Asseveram Andrade (2006) e Melo (2006), por exemplo, que o caráter punitivo e preventivo são inerentes ao dano moral, não podendo se falar em uma sanção e sim na aplicação ideal da indenização por danos morais.
  15. YOSHIKAWA, 2006.
  16. REIS, 2003.
  17. MORAES, 2003, p. 222.
  18. GOMES; MOLINA, 2007, p. 654.
  19. GOMES; MOLINA, 2007.
  20. BRASIL, 2008a.
  21. BERNARDO, 2005.
  22. ERPEN, 1999.
  23. THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 74.
  24. MORAES, 2003.
  25. BRASIL, 2010a.
  26. VALIM, 2010.
  27. DUQUE, 2009.
  28. MORAES, 2003.
  29. BERNARDO, 2005.
  30. CAVALIERI FILHO, 2008.
  31. ANDRADE, 2006.
  32. Esta é outra grande diferença entre a teoria do valor do desestímulo e o punitive damages que, por questões didáticas, não foi mencionada anteriormente. Todavia, insta mencionar que no ordenamento jurídico norte-americano a contribuição da população no judiciário é muito mais efetiva do que no Brasil, sendo, inclusive, o valor das indenizações estipulado por júri popular (SANTOS JÚNIOR, 2006), coisa que não ocorre no nosso ordenamento.
  33. Hoje com estipulação expressa no Código Civil de 2002, no seu artigo 884 (BRASIL, 2008a).
  34. Importante ressalvar aqui, a doutrina contrária que, como Moraes (2003) e Andrade (2006), entendem que a sentença de um juiz que arbitra dano moral é razão mais que suficiente para impedir que se fale em enriquecimento sem causa. Segundo os mesmos, a causa do enriquecimento seria a própria sentença, arbitrada de acordo o dano causado e o ato praticado.
  35. NANNI, 2004.
  36. NANNI, 2004, p. 189.
  37. SANTOS, 2003, p. 159.
  38. GOMES, 1998.
  39. Novamente, de crucial relevância mencionar a doutrina diversa que, como Gomes (1998) e Andrade (2006), entendem que, quando a indenização advier de conduta lesiva que originou um lucro para o ofensor, seria impossível falar em enriquecimento sem causa do ofendido. Isto porque, segundo tais autores, a aplicação da teoria do valor do desestímulo viria para dissuadir o ofensor a ignorar os danos causados e continuar obtendo lucro, bem como para lhe retirar o lucro obtido. Logo, a causa do enriquecimento do ofendido foi o dano causado e o ato praticado pelo ofensor, não podendo se falar em enriquecimento sem causa.
  40. MARINS, 2010.
  41. A expressão "loteria do dano moral" foi utilizada primeiramente da pela professora titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da UERJ Maria Celina Bodin Moraes (2003) e, posteriormente, por André Gustavo Corrêa de Andrade (2006), ambos devidamente referenciados neste trabalho.
  42. BERNARDO, 2005.
  43. PASSOS, 2007.
  44. ANDRADE, 2006.
  45. Claro que tais consequências não passam de meras especulações impossíveis de se prever com exatidão. Andrade (2006, p. 298) quando levanta esta questão assevera que "Por outro lado, não há evidência que justifiquem uma previsão econômica catastrófica das consequências da indenização punitiva. […] O emprego adequado da indenização punitiva afasta os riscos econômicos e sociais, produzindo, ao contrário, o efeito positivo de prevenir danos a consumidores e usuários de produtos e serviços, que, no final das contas, são aqueles em proveito de quem as atividades econômicas devem desenvolver-se".
  46. COELHO, 2010.
  47. COELHO, 2010.
  48. RODRIGUES, 2005.
  49. BRANDÃO, 2006.
  50. ANDRADE, 2006.
  51. Chamada por Nucci (2009) de "dupla punição pelo mesmo fato".
  52. ANDRADE, 2006.
  53. ANDRADE, 2006, p. 314.
  54. GRECO, 2009.
  55. BERNARDO, 2005.
  56. Há quem diga que o princípio da legalidade incide apenas no âmbito penal, haja vista que fora para este que se criou tal princípio. Gomes (1998) afirma categoricamente que é, no mínimo, questionável a prevalência deste princípio afora à esfera penal, ainda mais quando se quer aplicar uma pena pecuniária de caráter dissuasório.
  57. JORIO, 2010.
  58. BRASIL, 2008c.
  59. THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 67-68.
  60. BRASIL, 2008b.
  61. THEODORO JÚNIOR, 2009.
  62. MIRABETE; FABRINI, 2010.
  63. BERNARDO, 2005.
  64. BRASIL, 2008b.
  65. NADER, 2009.
  66. GONÇALES, 2010, p. 2.
  67. ANDRADE, 2006.
  68. SÃO PAULO, 2010.
  69. SERGIPE, 2010.
  70. ANDRADE, 2006.
  71. Quando se fala em hipersuficiência, não se quer se referir apenas ao aspecto econômico, mas também ao aspecto técnico, haja vista que o consumidor, em geral, não tem conhecimento técnico (dos meios de produção) acerca do produto e serviço adquirido. Assim, deve-se adotar o entendimento de Nunes (2009) acerca da Hipossuficiência do consumidor nas vertentes econômica e técnica.
  72. COCURUTTO, 2008.
  73. MELO, 2006.
  74. ANDRADE, 2006.
  75. SANTOS JÚNIOR, 2006.
  76. BRASIL, 2010ª.
  77. REIS, 2003.
  78. SANTOS JÚNIOR, 2006.
  79. MORAES, 2003.
  80. REIS, 2003.
  81. GOMES, 1998.
  82. MORAES, 2003.
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Sobre o autor
Leonardo Fuerback

Advogado, Bacharel em direito pela Faculdade Estácio de Sá de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FUERBACK, Leonardo. As consequências jurídico-sociais da aplicação da teoria do valor do desestímulo no ordenamento jurídico pátrio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2766, 27 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18359. Acesso em: 28 mar. 2024.

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