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Ação direta de inconstitucionalidade contra parecer da Advocacia-Geral da União: Uma aberração jurídica!

Processo extradicional de Cesare Battisti

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29/01/2011 às 09:51
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PROCESSO EXTRADICIONAL DE CESARE BATTISTI

Pode parecer que temos alguma rixa com o extraditando italiano, mas é óbvio que nada temos contra ele. É que o inusitado tem acontecido em seu processo extradicional. Parodiando o ex-presidente Lula, "jamais se viu na história deste País" tanta confusão como se tem visto no processo de extradição do senhor Cesare Battisti. Com toda sinceridade, acreditávamos que mais nada de incomum viesse a ocorrer nesse imbróglio, que não podemos deixar de mais uma vez registrar, causado pelo Supremo Tribunal Federal. Resta-nos pois, pedir sinceras desculpas a esse senhor por voltarmos a fazer referência ao procedimento em que, infelizmente, se encontra envolvido aqui no território brasileiro. Enfatizamos: o que aqui abordaremos se aplica a todo e qualquer procedimento do gênero.


ABERRAÇÃO JURÍDICA

Inconformado com a negação do ex-presidente da República Federativa do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, do pedido de extradição do senhor Cesare Battisti, feito pela República Italiana, fundada em Tratado de Extradição, o partido político brasileiro Democratas (DEM) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), tombada no STF sob o número 4538 e distribuída para apreciação do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, relator do acórdão proferido no processo extradicional do refugiado italiano, que concluiu pelo deferimento do pleito da Itália. Na ADI o partido Democratas questiona a constitucionalidade do parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que serviu de base para a decisão denegatória do ex-presidente Lula.

Logo que tomou conhecimento da pretensão do partido Democratas, o Advogado-Geral da União, doutor Luís Inácio (?) Adams, na certeza de que os ministros do STF ainda se encontram no mesmo estado de letargia em que se encontravam quando da publicação do acórdão em que concederam a extradição do paciente-reclamado - e em virtude disso deixaram de contestar a errônea interpretação que a mídia deu ao julgado -, pretendendo influenciar suas consciências, fez uso do mesmo expediente de que se valeu o Governo naquela oportunidade para convencer a opinião pública de que ao Presidente da República compete decidir sobre extradição. Em entrevista ao periódico "Folha de São Paulo", na quinta-feira (13/01) – não se afastando um só milímetro daquele estilo - antecipou seu juízo a respeito do pleito: "É possível entrar com ação direta de inconstitucionalidade contra parecer da AGU quando esse documento, após ser aprovado pelo presidente da República, cria alguma regra para a administração. Mas esse não é o caso. Não há como fazer o controle de constitucionalidade de um parecer que trata de um caso específico. É uma ação imprópria e frágil. Imagino que não deva ser sequer conhecida pelo Supremo Tribunal Federal".

Procede, em parte, o prévio arrazoado do ilustre Advogado-Geral da União. Realmente é uma ação imprópria e frágil; não merece ser conhecida pelo STF. Vamos mais além: não carecia que o Presidente do STF a distribuísse para apreciação do Ministro-relator do acórdão concessivo da extradição do senhor Cesare Battisti. Poderia ele, presidente do STF, Ministro César Peluso, indeferi-la liminarmente, por ter por objeto pedido juridicamente impossível. Não há como fazer controle de constitucionalidade de "parecer", seja ele de quem for. Impugnável é o ato praticado pela autoridade fundado no errôneo parecer; não o parecer!. É realmente a pretensão do DEM uma "aberração jurídica".

Mas a assertiva do ilustre Advogado-Geral da União de que "É possível entrar com ação direta de inconstitucionalidade contra parecer da AGU ..." , se não pode ser havida como aberração jurídica, é um lídimo "impropério". Acolhido o parecer pela autoridade que o solicita a quem compete auxiliá-lo, a responsabilidade pelas consequências do ato consubstanciado no parecer é da autoridade que o subscreve com a pretensão de torná-lo produtor dos desejados efeitos. À autoridade subscritora do ato não só cabem os louros pelo acerto da providência. As inglórias devem ser atribuídas a essa mesma autoridade pelo desacerto da decisão tomada. Portanto, não assiste razão ao ilustre chefe da Advocacia-Geral da União em dizer que é possível entrar com ADI contra parecer da AGU. O ato impugnável é o do titular que tem prerrogativa para praticá-lo. Os limites de nossa desprivilegiada inteligência não nos permitem vislumbrar a existência de parecer vinculativo. Mas mesmo que permitissem resistência - que não sabemos de onde provém - temos em aceitar que a irresignação contra o ato se dirija a quem aconselhou a sua pratica e não a quem efetivamente o praticou. Admitida que fosse a existência de parecer vinculativo, pela aversão que demonstrou o ex-presidente ter por nossas instituições, custa-nos acreditar que ele se submetesse a pareceres vinculativos da AGU. Ora, se desrespeitou a Constituição nomeando pessoas sem notório saber jurídico para ter assento no STF e para chefiar a Advocacia-Geral da União, se malversou o erário – tocando obras impugnadas pelo TCU, se desrespeitou a Constituição, a lei ordinária e decisão judicial, do STF, como se vê no processo extradicional ora em tela, qual a dificuldade em se admitir que ele não se subordinaria a parecer vinculativo da AGU que contrariasse seus interesses?


DA INEXISTÊNCIA DO ATO DENEGATÓRIO DA EXTRADIÇÃO

Mas nada do que acima explanamos se aplica ao ato denegatório da extradição do senhor Cesare Battisti. Não é o ato do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva impugnável pela via de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Seu ato não foi só ilegal; foi irresponsável, acintoso, provocativo, subestimativo; uma afronta de repercussão internacional ao Poder Judiciário brasileiro, um dos pilares da República, que deveria ser o de maior consistência, pois guardião da nossa Carta Legal Maior, mas que vem se deixando fragilizar. O ato praticado pelo ex-presidente da República - se negando a cumprir compromisso assumido pela Nação brasileira – fundado em Tratado-Lei-Extradicional celebrado entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, convalidado por referendo do Congresso Nacional e Decreto-Presidencial - não deve ser objeto de ação declaratória de inconstitucionalidade, pois ato "inexistente", fundado em um "parece-ser", em uma inconcebível maquinação. O processo extradicional agasalhado pelo Direito brasileiro é eminentemente judicial. Era, assim, o ex-presidente da República incompetente em razão da matéria para se manifestar no procedimento. E assim sendo, o tirânico ato denegatório do pleito da Itália não tem o condão de invalidar ato concessório de extradição emanado de órgão com prerrogativa constitucional exclusiva, única, para proferi-lo, e de cuja decisão não cabe recurso, sendo, pois, uma decisão imutável. Permanece o acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Federal no processo extradicional do senhor Cesare Battisti, tombado no STF sob o nº 1085, incólume e no aguardo de uma iniciativa para que seja efetivado. Para reforço do quanto aqui asseveramos, pedimos permissão aos generosos leitores para reproduzir os dispositivos que nos levam à certeza de que razão nos assiste para qualificarmos o ato denegatório da forma como o qualificamos.

1. "Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originalmente: ...; g) a extradição solicitada por Estado Estrangeiro; ..." – art. 102 da Constituição Federal.

2. "O Ministério das Relações Exteriores remeterá o pedido ao Ministério da Justiça, que ordenará a prisão do extraditando colocando-o à disposição do Supremo Tribunal Federal"art. 81 da Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro).

3. "A prisão perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão albergue"; - art. 81, parágrafo único, da Lei nº 6.815/60 (Estatuto do Estrangeiro).

4. "Caberá, exclusivamente, ao SupremoTribunal Federal, a apreciação do caráter da infração" – art. 77, § 2º, da Lei nº 6.815/60 (Estatuto do Estrangeiro).

5. "Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão" – art. 83 da Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro).

Dos dispositivos supra transcritos facilmente se depreende: que a competência para o processamento e julgamento de extradição solicitada por Estado Estrangeiro é originalmente, exclusivamente, do Supremo Tribunal Federal (1 e 5); que preso, desde então, a sorte do extraditando subordinar-se-á ao comando do STF (2); que é assegurado o cumprimento do comando sentencial proferido pela Suprema Corte, uma vez que ficará o extraditando preso, cercado de todas as cautelas para evitar sua fuga, no aguardo da decisão do STF sobre sua extradição ou não para a nação requerente (3); que, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal cabe apreciar o caráter da infração, ou seja, se se trata de crime comum ou político ou de opinião - a C.F., art. 5º, LII, veda a extradição por crime político ou de opinião; o art. 77, nº VII, da Lei nº 6.815/80 repete a vedação (4); e, que a decisão do Supremo Tribunal Federal em processo extradicional é irrecorrível, imutável pois (5).

"EXTRADIÇÃO. Passiva. Executória. Deferimento do pedido. Execução. Entrega do extraditando ao Estado requerente. Submissão absoluta ou discricionariedade do Presidente da República quanto à eficácia do acórdão do Supremo Tribunal Federal. Não reconhecimento. Obrigação apenas de agir nos termos do Tratado celebrado com o Estado requerente. Resultado proclamado à vista de quatro votos que declaravam obrigatória a entrega do extraditando e de um voto que se limitava a exigir observância do Tratado. Quatro votos vencidos que davam pelo caráter discricionário do ato do Presidente da República. Decretada a extradição pelo Supremo Tribunal Federal, DEVE O PRESIDENTE DA REPÚBLICA observar os termos do Tratado celebrado com o Estado requerente, QUANTO Á ENTREGA do extraditando" (grifos nossos).

Eis aí a conclusão a que chegou o Supremo Tribunal Federal quanto ao pedido de extradição feito pela Itália (Ementa nº 08 do acórdão proferido no processo extradicional do senhor Cesare Battisti). Perguntamos: onde está a abdicação de competência para extraditar o paciente-reclamado que a imprensa propalou ter feito o STF em favor do ex-presidente da República? Não há como apontá-la, pois inexiste essa abdicação. E não está o STF autorizado a tanto. O que o Supremo Tribunal Federal fez foi alertá-lo para que, antes de entregar o paciente-reclamado, submetesse à aquiescência da Itália termo de compromisso estabelecendo as condições a serem observadas pela Itália a partir do recebimento do extraditado, condições essas expressamente consignadas entre os artigos III e IX do tratado e que nele foram inseridas por força do artigo 91 da Lei nº 6.815/60, que está assim redigido:

"Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso:

I - de não ser o extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao pedido;

II - de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição;

III - de comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, ressalvados, quanto à última, os casos em que a lei brasileira permitir a sua aplicação;

IV - de não ser o extraditando entregue, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame; e,

V - de não considerar qualquer motivo político, para agravar a pena".

Não assumindo a nação requerente da extradição o compromisso de atender às exigências elencadas nesses dispositivos, o que se concretizaria com a não subscrição desse termo circunstanciado, estaria, aí sim, o Governo brasileiro autorizado a não entregar o paciente-reclamado.

Reafirmamos: o acórdão proferido pelo STF continua incólume, não sujeito a qualquer mudança, pois irrecorrível, e à espera de iniciativa de para ser efetivado.


DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

Reza o artigo 131 da desamparada Constituição da República Federativa do Brasil – que, pela omissão, inércia e covardia de seu guardião (o STF), tem sido tão vilipendiada: "A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento "jurídico" do Poder Executivo". No § 1º desse mesmo dispositivo estabelece: "A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, "de notável saber jurídico e reputação ilibada" (grifos nossos).

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O ilustrado jurisconsulto, excelentíssimo, digníssimo e outros "íssimos", salve, salve, ministro-chefe da Advocacia-Geral da União na quarta-feira (12/01), externando argumento que numa imprópria, frágil e descabida intervenção que eventualmente a Advocacia-Geral da União venha a fazer no imbróglio que, agora, o DEM se envolve, asseverou que não vê problemas no fato de a não extradição do ex-ativista Cesare Battisti, decidida em 31 de dezembro pelo então presidente Lula, ser baseada na "suposição" de uma futura perseguição ao ex-militante na Itália. "O tratado (de extradição entre Brasil e Itália) admite o juízo de suposição. Eu posso supor determinada situação. Pode-se não concordar com a suposição do presidente de perseguição política, mas ele pode supor", disse o ministro.

O ex-presidente da República, durante seus dois mandatos, para justificar atos próprios e impróprios de sua gestão se valeu dos ensinamentos de "mamãe" e de metáforas futebolísticas. Tomamos por empréstimo essa característica do nosso ex-mandatário para usar expressão marcante de um ex-craque - hoje comentarista de futebol - do nosso Corinthians, o Neto: "É brincadeira!". Como deixa bem claro o artigo 131 da Constituição Federal a Advocacia-Geral da União tem como atividades precípuas a consultoria e assessoramento "jurídico", do Poder Executivo. ". "Jurídico". Não se tem, pois, mais qualquer dúvida de que o posicionamento adotado pelo ex-presidente Lula foi orientado pela AGU; que ele seguiu à risca – atendendo à sua conveniência – o "parece-ser" encomendado; que na prática de seu ato tirânico ele contou com o respaldo de quem é remunerado pelo povo brasileiro para bem orientá-lo a conduzir os destinos da Nação com respeito ao nosso ordenamento jurídico. Quando a Constituição exigiu como requisito para exercer a chefia da Advocacia-Geral da União pessoa de notável saber jurídico e para integrarem o quadro dessa instituição pessoas de formação jurídica (art. 131, § 2º), submetidas, para ingresso na carreira, a concurso de provas e títulos foi justamente para que a Administração Pública Federal, o poder Executivo, não se afastasse dos ditames legais.

Ao que deixa transparecer, o ilustrado chefe da Advocacia Geral da União não sabe que a instituição por ele comandada é órgão do Estado brasileiro, não do Presidente da República. Ele é muito bem remunerado pelo povo brasileiro para orientar "juridicamente" "o órgão Presidência da República" na condução dos destinos da Nação. Não é seu encargo atender aos reclamos ideológicos do Presidente da República e de seu partido. E muito menos fazer defesa de estranhos ao Executivo brasileiro. Ao extraditando a lei brasileira faculta a constituição de advogado para sua defesa. E se assim não fizer, por não querer ou não puder, não ficará desamparado. "Ao receber o pedido, o Relator designará dia e hora para o interrogatório do extraditando e, conforme o caso, dar-lhe-á curador ou advogado, se não o tiver, correndo do interrogatório o prazo de dez dias para a defesa" -  art. 85, caput, da Lei nº 6.815/80.

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Sobre o autor
Ubiratan Pires Ramos

Auditor-fiscal do Trabalho, aposentado. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Ubiratan Pires. Ação direta de inconstitucionalidade contra parecer da Advocacia-Geral da União: Uma aberração jurídica!: Processo extradicional de Cesare Battisti. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2768, 29 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18388. Acesso em: 21 nov. 2024.

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