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Anotações sobre a personalidade e sobre o regime jurídico da Ordem dos Advogados do Brasil

02/02/2011 às 10:43
Leia nesta página:

1.Introdução.

As bases da Ordem dos Advogados do Brasil foram lançadas a partir do Instituto dos Advogados, criado em 1843, ainda no Império [01].

A inspiração para a fundação do Instituto dos Advogados, por sua vez, foi dada por entidades congêneres existentes na França e em Portugal e tinha por finalidade congregar os advogados e dar os primeiros contornos para a organização da função que hoje é constitucionalmente essencial à administração da Justiça.

O fato da organização dos advogados brasileiros em torno de uma instituição organizada ser bastante antiga, todavia, não foi capaz de pôr fim a todas as controvérsias acerca da natureza jurídica da OAB e do regime jurídico a que está submetida e às inevitáveis comparações com os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas (ou conselhos profissionais), conforme se verá adiante.


2.Personalidade jurídica dos conselhos profissionais.

Todos os conselhos profissionais exercem o poder de polícia consistente na fiscalização da atividade dos indivíduos que exercem profissões regulamentadas, a exemplo de médicos, engenheiros e contabilistas.

Sendo o exercício poder de polícia atividade eminentemente pública, não poderia ser desenvolvido por entidades privadas. Em face disso, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de julgar a inconstitucionalidade de lei que dotava de natureza jurídica de direito privado os conselhos profissionais.

A partir dessa decisão [02], o STF reconheceu a natureza de autarquia federal dos conselhos de fiscalização profissional, suspendendo, assim, a execução e aplicabilidade do art. 58 da lei nº 9.649/98, que assinalava a natureza privada de tais entes.

Para o Supremo Tribunal Federal, não seria possível, em face da Constituição (art. 5º, XIII, art. 22, XVI, art. 21, XXIV, art. 70, parágrafo único, art. 149 e art. 175), a delegação a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que compreende, inclusive, o exercício de poder de polícia, de tributar e de punir, no que tange ao exercício de atividades profissionais.

O reconhecimento do regime jurídico a que está submetido um determinado ente, destaque-se, não possui efeitos meramente didáticos, porque vai influenciar toda a sua estrutura organizacional. Desse modo, a pessoa jurídica de direito público se vincula à obediência de regras específicas de contratação de serviços (mediante licitação e contratos administrativos), de contratação de pessoal (realização de concurso público), de fiscalização pelo Tribunal de Contas e de execução de seus créditos (por meio de execução fiscal).

Em relação à OAB, entretanto, a situação é bem diversa.


3.Natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil.

A Ordem dos Advogados do Brasil não se limita a ser o "órgão de classe dos advogados", não obstante também exerça tal função, e possui várias atribuições constitucionais, das quais se destacam:

a)Participação em todas as fases dos concursos públicos de provas e títulos para provimento do cargo de juiz (art. 93, I), de membro do Ministério Público (art.128, §3º), de procurador de Estado ou do Distrito Federal (art. 132);

b)Legitimidade ativa para a propositura de Ação Direita de Inconstitucionalidade e de Ação Declaratória de Constitucionalidade;

c)Indicação de advogados para a composição do Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, XII) do Conselho Nacional do Ministério Público (art. 130-A, V), dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios (art. 94) e de Tribunais Superiores (art. 104, parágrafo único, II; art. 111-A, I).

A diferença substancial de atribuições em relação aos conselhos profissionais fez com que o STF entendesse que a OAB possuía uma natureza jurídica sui generis.

Segundo o Pretório Excelso, no julgamento da ADI 3026:

"A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro."

No voto do relator, Ministro Eros Grau, consignou-se que, à míngua das autarquias federais não estarem hierarquicamente subordinadas à União, são por esta controladas, estando submetidas à tutela administrativa do ente político quanto ao cumprimento dos objetivos que ensejaram sua criação.

Tal controle, todavia, não se harmoniza com os propósitos e com a atividade exercida pela OAB.

A Ordem trata das diversas relações que dizem respeito ao regular exercício da advocacia, atividade essa indispensável à administração da Justiça e à defesa dos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos.

Em face disso, o eminente ministro Eros Grau destacou ser a OAB uma entidade autônoma e independente, não podendo ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional, porque, conforme já se destacou, a Ordem não se ocupa apenas de questões corporativas, mas também da defesa da Constituição, da ordem jurídica, do estado democrático de direito, dos direitos humanos e da justiça social [03].


4.Regime jurídico da Ordem dos Advogados do Brasil.

Afastada a natureza jurídica autárquica da OAB e, consequentemente, a vinculação da Ordem ao regime jurídico de direito público, podem-se destacar as seguintes situações:

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4.1 Prescindibilidade da realização de concurso público para a contratação de pessoal.

Nos termos do art. 37, II, da Constituição Federal, a investidura em cargo ou emprego público depende da aprovação em concurso público. Não sendo, todavia, a OAB integrante da Administração Pública, não está submetida a essa exigência constitucional, conforme assinalado pelo STF na ADIn nº 3026/DF.

4.2 Inexigibilidade de licitação para a realização de compras e serviços.

Ressalvando os casos especificados na legislação, o art. 37, XXI, da Constituição exige que apenas as obras, serviços, compras e alienações da Administração Pública direta e indireta sejam contratados mediante processo de licitação pública, não alcançando, portanto, essas atividades quando praticadas pela OAB.

4.3 Natureza não-tributária das anuidades pagas pelos advogados.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal divide o gênero tributo em cinco espécies: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais. Essa última, por sua vez, é dividida em subespécies, das quais se destacam as contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas, também conhecidas como contribuições corporativas.

Tais contribuições são criadas pela União com o objetivo parafiscal de obter recursos destinados a financiar atividades de interesse de instituições representativas e fiscalizatórias de categorias profissionais e econômicas, a exemplo dos conselhos profissionais.

Conforme visto, a natureza jurídica da OAB é diversa daquela ostentada pelos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas (autarquias federais). Por esse motivo, os valores anualmente pagos pelos advogados para custeio das atividades da Ordem não possuem natureza tributária.

A natureza não-tributária das anuidades, por sua vez, importa o reconhecimento de várias outras conseqüências a exemplo da impossibilidade da OAB ajuizar execução fiscal contra os advogados e da não submissão da Ordem ao controle do Tribunal de Contas da União e às normas gerais de Direito Financeiro estabelecidas pela lei nº 4.320, de 17 de março de 1964 [04].

4.4 Competência para julgamento de crimes cometidos em face da Ordem dos Advogados do Brasil.

A Constituição Federal em seu art. 109, IV, dispõe que compete à Justiça Federal o julgamento dos crimes políticos e das infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.

Diante do Texto Constitucional, poder-se-ia pensar que os delitos cometidos em face da Ordem dos Advogados do Brasil, que não integra a Administração Pública federal direta ou indireta, seriam processados e julgados pela Justiça Estadual.

Todavia, mais uma vez destacando a personalidade jurídica sui generis da OAB, a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais e do Superior Tribunal de Justiça reconhecem a competência da Justiça Federal para o julgamento de crimes cometidos em face da OAB [05].

Segundo o professor Renato Brasileiro de Lima [06], não obstante ter o Supremo Tribunal Federal afastado a natureza autárquica da OAB, quando do julgamento da ADIn nº 3026, permanece inalterada a competência criminal da Justiça Federal para processar e julgar infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da OAB, sobretudo quando tal delito estiver relacionado à finalidade da OAB e promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.

Conclui o citado professor que por tutelar função constitucionalmente privilegiada, na medida em que a atividade advocatícia é essencial à administração da Justiça, a OAB teve sua sujeição ao regime jurídico das autarquias afastada pelo STF que, todavia, não afastou prerrogativas e privilégios, dentre os quais se destaca a competência perante a Justiça Federal.


5.Conclusão.

A natureza jurídica e o regime jurídico da Ordem dos Advogados do Brasil já foram bastante debatidos no âmbito jurisprudencial, já tendo o Supremo Tribunal Federal decidido que a OAB não possui natureza autárquica, motivo pelo qual não se submete às exigências de concurso público para a contratação de pessoal, da lei de licitações, as contribuições pagas pelos advogados não possuem natureza tributária, não podendo ser manejada a execução fiscal em relação a elas. Além disso, a OAB não se submete à fiscalização pelo Tribunal de Constas da União.

Por outro lado, ficou consignado no julgamento da ADIn nº3026 que a OAB é um serviço público federal independente e, mesmo sendo categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro, compete à Justiça Federal o processamento e julgamento de crimes cometidos em seu desfavor.


6Referências:

Competência Criminal. Ed. JusPodivm. 1ª Ed. Pg. 245

WWW.stf.jus.br

WWW.stj.jus.br


Notas

  1. http://www.oab.org.br/hist_oab/antecedentes.htm
  2. Medida Cautelar na ADIn nº 1.717/DF, julgada em 22.9.2009.
  3. Art. 44 da lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil).
  4. Assim já decidiu o STJ no ERESP – 503252, Primeira Seção, Ministro Castro Meira, julgado em 18.10.2004.
  5. STJ. CC 44.304/SP. 3ª Seção. Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura. DJ de 26.3.2007.
  6. STJ. CC 33.198/SP. Rel. Ministro Félix Fischer. DJ de 25.3.2002.

    TRF da 4ª Região. ACR 2003.72.04.008997-0. Oitava Turma. Rel. Luiz Fernando Wowk Penteado. DE de 14.1.2009.

  7. Competência Criminal. Ed. JusPodivm. 1ª Ed. Pg. 245.
  8. Assuntos relacionados
    Sobre a autora
    Marina dos Anjos Pontual

    Procuradora federal. Pós graduada em Direito Processual. Bacharel em Direito pela UFPE. Pós graduanda em Direito do Trabalho

    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    PONTUAL, Marina Anjos. Anotações sobre a personalidade e sobre o regime jurídico da Ordem dos Advogados do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2772, 2 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18400. Acesso em: 19 abr. 2024.

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