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A justa causa e a necessidade de segunda chamada em concurso público

04/02/2011 às 10:47
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Importante discussão jurídica foi travada em mandado de segurança.

Um jovem se inscreveu em concurso público para a guarda municipal. Foi aprovado na 1ª fase do concurso. Após ter recebido a convocação para a 2ª fase do concurso (teste de aptidão física, de caráter eliminatório), o candidato foi vítima de atropelamento causado por um motociclista, tendo sido submetido a cirurgia, estando de licença médica.

Noticiado o fato ao órgão responsável pelo concurso, obteve-se a resposta de indeferimento ao pedido de segunda chamada para a prova de aptidão física.

Resolveu-se impetrar mandado de segurança, que de pronto foi rejeitado pelo magistrado de 1º grau.

Mas o Tribunal de Justiça, tudo avaliando, garantiu o direito a uma segunda chamada, superando o entrave do Edital. Seguem os fundamentos jurídicos.

Não se desconhece a enorme divulgação que se dá ao princípio da vinculação ao Edital em certames como o que está em discussão.

Mas é evidente, por outro lado, que tudo merece interpretação, à luz do fato novo apresentado: a justa causa, o justo motivo, o motivo de força maior, CARACTERIZADO PELA SITUAÇÃO FÍSICA ATUAL DO CANDIDATO.

Logicamente que o candidato não tem a menor condição de participar do teste, que envolve exercícios abdominais e corrida de 100 metros e de 2.400 metros (como consta da convocação para o exame).

Situação como a revelada exige que se interprete o Edital de maneira abrangente, benigna e extensiva, sob pena de violação do princípio da acessibilidade dos cargos públicos (art. 37, incisos I e II, da CF/88), algo que tem sido respaldado pela jurisprudência do STJ, a saber:

"O princípio constitucional que assegura a livre acessibilidade aos cargos públicos pela via legítima do concurso público, desde que preenchidos os requisitos inscritos em lei, deve ser concebido sem restrições de caráter formal, dando-se prevalência aos seus fins teleológicos"(ROMS 9647/MG, DJ 14.06.99, p. 230, Rel. Min. Vicente Leal).

Apresentada JUSTA CAUSA, não há porque deixar de atender o pedido de realização de uma segunda chamada para o teste, pois, assim sendo decidido, homenageado estará o PRINCÍPIO DA ISONOMIA, primeira base de todos os princípios constitucionais (segundo notável lição de Geraldo Ataliba, "República e Constituição", RT, 1985, p. 134), nunca se podendo olvidar que referido princípio não significa apenas tratar igualmente os iguais, mas, acima de tudo e principalmente, tratar desigualmente os desiguais ("a igualdade consiste em aquinhoar os iguais igualmente e os desiguais na medida de sua desigualdade" – TJ/MS, apelação cível 2006.002894-1, Rel. Des. Hamilton Carli).

Sabe o candidato que no TJ/MS existem algumas poucas decisões contrárias ao que se pleiteia. Mas não menos certo é que o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, guardião maior da Constituição Federal, tem decisões que respaldam e dão correção ao que se sustenta, pedindo-se a observância dos precedentes (a segurança jurídica agradece).

Em resumo: o não atendimento do pedido administrativo do candidato configurou violação da Constituição Federal, quanto a diversos de seus princípios mais caros, dentre eles o da RAZOABILIDADE (que tem sua existência confirmada pelos princípios do devido processo legal e da isonomia), que exsurge, tal como se sabe, como limite à edição de toda e qualquer norma ou decisão, seja ela judicial ou administrativa, IRRAZOÁVEL ou IRRACIONAL, impedindo, em suma, "que as discriminações legislativas e os atos decisórios dos agentes estatais sejam fonte de injustiças e de perplexidades atentatórias ao paradigma de coerência exigido nas deliberações do Estado e de seus delegados, aprumando-os ao padrão aceitável de moralidade, de eficiência e racionalidade" (CARLOS ROBERTO DE SIQUEIRA CASTRO, "O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição do Brasil", Forense, 1989, p. 159), algo que é de rigor que seja observado, diante da justa causa alegada e provada.

Justifica-se, pois, a concessão da segurança (pois violado restou direito líquido e certo, amparável pelo mandado de segurança), sendo caso, inclusive, de deferimento de LIMINAR, diante da relevância jurídica da argumentação, estando bem caracterizado o dano que se pretende evitar ("periculum in mora"), dado que, não concedida a liminar, o concurso prosseguirá nas suas ulteriores etapas, não podendo mais o candidato ver o seu direito satisfeito. Ou seja: o prejuízo será fatal e irreversível, caso não concedida a liminar.

Nesse contexto, não há sequer a possibilidade de invocação do "periculum in mora inverso", à medida que não sofrerá o impetrado (nem qualquer outro candidato, que não estará na mesma situação que o impetrante) qualquer espécie de prejuízo com a concessão da liminar; ao contrário, será beneficiado, porquanto estará cumprindo dever de ofício, no caso o de respeitar a Constituição.

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Sobre o autor
André Luiz Borges Netto

advogado constitucionalista em Campo Grande (MS), professor universitário, mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES NETTO, André Luiz. A justa causa e a necessidade de segunda chamada em concurso público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2774, 4 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18420. Acesso em: 21 nov. 2024.

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