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A (im)possibilidade de restituição de coisas ilícitas após o cumprimento de transação penal

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08/02/2011 às 08:51
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6. O posicionamento jurisprudencial

A despeito das posições doutrinárias divergentes, anteriormente expostas, sem discrepar do pensamento no sentido favorável ao perdimento dos instrumentos utilizados na prática de infrações penais de menor potencial ofensivo, especificamente de contravenção penal, colhe-se da jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça o seguinte julgado:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PENAL. CONFISCO. ENCONTRA AMPARO NO ART. 91, II, 'A', DO CÓDIGO PENAL, EM COMBINAÇÃO COM O ART. 1º, DA LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS, O CONFISCO DO INSTRUMENTO DO ILÍCITO CONTRAVENCIONAL. PRECEDENTES DO STJ. EMBARGOS CONHECIDOS E RECEBIDOS. (STJ, Embargos de Divergência no Recurso Especial 78780/SP, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. em 10.09.1997). (grifei)

No mesmo sentido, destaca-se o entendimento da Quinta Turma de Recursos do Estado de Santa Catarina:

APELAÇÃO CRIMINAL. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA. RECOLHIMENTO DE MÁQUINAS "CAÇA-NÍQUEIS" DESTINADAS A PRÁTICA DE CONTRAVENÇÃO PENAL. DEFERIMENTO PELO MAGISTRADO COM FUNDAMENTO NO ART. 120 DO CPP. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PROVIMENTO.

Constitui contravenção penal a exploração e funcionamento de máquinas "caça-níqueis" em estabelecimento comercial, encontrando-se a conduta tipificada no art. 50 da Lei das Contravenções Penais.

Instrumentos destinados a fim delituoso. Ausência de prova da destinação lícita dos equipamentos apreendidos.

O Trancamento da ação penal não tem o condão de liberar as máquinas "caça-níqueis" apreendidas, porquanto destinadas à prática de jogo de azar, as quais a teor do disposto no art. 124 do Código de Processo Penal devem ser inutilizadas, ressalvado o aproveitamento de componentes úteis (cabos, monitores, placas, etc.).

A restituição de equipamentos eletrônicos classificados como "caça-níqueis" somente irá fomentar a prática insidiosa da contravenção penal de jogo de azar. Sentença reformada. Recurso provido. (Quinta Turma de Recursos, Apelação Criminal nº 2008.500346-9, de São Bento do Sul/SC, rel.: Juiz Carlos Adilson Silva, DJE nº 514, de 25/08/2008) (grifei)

Portanto, em que pese a extinção da punibilidade do autor dos fatos em decorrência da aceitação e do cumprimento de transação penal, em se tratando de coisa ilícita apreendida quando da prática de infração penal, como no caso de jogo de azar, por meio da utilização de máquinas "caça-níqueis", instrumentos estes destinados à prática ilícita, outro caminho não resta a não ser o seu perdimento e a impossibilidade de restituição.

Registre-se, ainda, que nesse caso específico, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em atenção à sua função institucional e sensível aos problemas sociais, criou o projeto de inclusão digital denominado Projeto Rede Piá - Reciclagem Digital Educativa Pró-Infância e Adolescência, que efetua a conversão dos equipamentos de jogos em computadores, para serem utilizados por crianças e adolescentes de escolas da rede pública de ensino. Assim, o perdimento das coisas ilícitas apreendidas pode não ter necessariamente como fim a destruição destas, mas também o seu aproveitamento.


Conclusões

Conforme se percebeu, inegáveis foram os avanços promovidos pelo legislador constituinte originário na Constituição de 1988, especialmente ao inaugurar um novo modelo de jurisdição, conhecida como jurisdição de consenso, autorizando a criação da legislação reguladora (Lei nº 9.099/95), que, na sua parte criminal, prestigiou o acordo entre as partes em litígio, a conciliação e a transação penal, como formas de evitar a instauração do processo-crime.

Nessa breve discussão acerca da possibilidade ou não de restituição de coisas ilícitas apreendidas, quando da prática criminosa, após a aceitação e o cumprimento da transação penal pelo autor dos fatos, observou-se que não há consenso doutrinário. Contudo, a jurisprudência tem tentado equacionar as divergências, muito embora utilizando fundamento legal tecnicamente discutível, mas socialmente aceitável.

Quanto ao problema relacionado ao momento processual para a restituição das coisas ilícitas, conclui-se que, apesar de o artigo 91, II, "a", do Código Penal, estabelecer a perda, em favor da União, dos instrumentos do crime como efeito genérico da sentença condenatória, e a sentença de transação penal possuir natureza simplesmente homologatória, tem-se adotado, por questões de política criminal, o entendimento de que não é cabível a restituição das coisas ilícitas, apreendidas quando da prática da infração penal, após a aceitação ou o cumprimento da transação penal.

O exemplo utilizado no curso dessa exposição argumentativa ilustra perfeitamente a dimensão do problema e de suas consequências caso se adote os fundamentos da corrente que entende ser impossível a restituição dos referidos bens, dada a natureza jurídica da transação penal.

Destarte, mais coerente e acertada é a postura doutrinária e jurisprudencial no sentido contrário à restituição, sobretudo em razão da ineficácia da medida alternativa aplicada na transação penal, porquanto a devolução de coisas ilícitas apreendidas, como, por exemplo, os equipamentos eletrônicos classificados como caça-níqueis, ainda que após a extinção da punibilidade do autor dos fatos pelo cumprimento da transação penal, somente irá fomentar a prática reprovável da contravenção penal de jogo de azar e de outros ilícitos diretamente relacionados.

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Portanto, em resposta às indagações feitas no início desse trabalho, conclui-se que, predominando o entendimento de que a natureza jurídica da transação penal é simplesmente homologatória, não haveria fundamento legal plausível para o perdimento ou a não restituição das coisas ilícitas, com fulcro no artigo 91, II, "a", do Código Penal. Porém, à luz de uma interpretação ampliativa e por razões de política criminal, mais razoável tem sido a posição da jurisprudência, sobretudo a catarinense, no sentido da impossibilidade de restituição de coisas ilícitas apreendidas, quando da prática da infração penal, após o cumprimento da transação penal, mesmo com a extinção da punibilidade do autor dos fatos.


Notas de rodapé

[]GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5 ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 104.

[2]GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5 ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 105.

[3]BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados Especiais Criminais Federais: análise comparativa das Leis 9.099/95 e 10.259/2001. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 128.

[4]MIRABETE, Júlio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 152-153.

[5]TOURINHO NETO, Fernando da Costa; JÚNIOR, Joel Dias Figueira. Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais: comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 511.

[6] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação penal especial. V.4. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 556.

[7]GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 167.

[8]NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 6. ed. rev. atual. e ampl.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 454.

[9]NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 6. ed. rev. atual. e ampl.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 455.

[10]DELMANTO, Celso et al. Código Penal Comentado. 7. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 263.

[11]NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8. ed., rev. atual. e ampl.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 308.

[12]NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8. ed., rev. atual. e ampl.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 308.

[13]MIRABETE, Júlio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 163.

[14]NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 310.

[15]DELMANTO, Celso et al. Código Penal Comentado. 7. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 263.

[16]NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 309.


Bibliografia

BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados Especiais Criminais Federais: análise comparativa das Leis 9.099/95 e 10.259/2001. São Paulo: Saraiva, 2003.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação penal especial. V.4. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5 ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8. ed., rev. atual. e ampl.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

_________ . Código Penal Comentado. 6. ed. rev. atual. e ampl.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

TOURINHO NETO, Fernando da Costa; JÚNIOR, Joel Dias Figueira. Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais: comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

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Sobre o autor
Marco Aurélio Souza da Silva

Pós-graduado em nível de especialização em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC. Assistente de Promotoria de Justiça no Ministério Público do Estado de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marco Aurélio Souza. A (im)possibilidade de restituição de coisas ilícitas após o cumprimento de transação penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2778, 8 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18422. Acesso em: 17 nov. 2024.

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