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A (im)possibilidade de restituição de coisas ilícitas após o cumprimento de transação penal

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08/02/2011 às 08:51
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A discussão ganha relevância quando o instrumento ilícito está relacionado a contravenção de menor potencial ofensivo, e a apuração está na fase preliminar de transação penal.

Palavras-chave: restituição – coisas ilícitas – transação penal – juizado especial criminal

Sumário: Introdução. 1. Os Juizados Especiais Criminais. 2. Fase preliminar: conciliação e transação penal. 3. O Ministério Público e o poder-dever na formulação da proposta de transação penal. 4. A natureza jurídica da transação penal. 5. A restituição de coisas ilícitas após aceitação ou cumprimento da proposta de transação penal. 6. O posicionamento jurisprudencial. Conclusões. Notas de rodapé. Bibliografia.


Introdução

A partir da elaboração da Constituição Federal de 1988, o legislador constituinte originário estabeleceu uma nova ordem jurídica com o escopo de superar a tradicional jurisdição de conflito, caracterizada pelo processo contencioso entre acusação e defesa. Nasceu, assim, a diretriz que abriu espaço para a jurisdição de consenso, estimulando o acordo entre as partes litigantes, promovendo a composição civil dos danos e evitando a instauração do processo.

Nesse cenário constitucional, foi criada a Lei nº 9.099/95, conhecida como Lei dos Juizados Especiais, que em sua parte criminal cuidou dos crimes de menor potencial ofensivo e dos institutos da conciliação, da transação penal e da suspensão condicional do processo.

No tocante ao objeto do presente estudo, o instituto da transação penal, enquanto acordo celebrado entre o representante do Ministério Público e o autor dos fatos, pelo qual aquele propõe a este a aplicação imediata de uma pena alternativa (não privativa de liberdade), constitui um momento importante no rito sumaríssimo instituído pela referida legislação.

Conforme seja o entendimento acerca da natureza jurídica da transação (condenatória, declaratória, constitutiva ou simplesmente homologatória), a eventual possibilidade de restituição de coisas ilícitas apreendidas, quando da prática criminosa, após o cumprimento da transação penal pelo autor, tem gerado significativa controvérsia doutrinária e jurisprudencial.

A perda e a restituição de coisas ilícitas apreendidas retiram seu fundamento legal do artigo 91, II, "a", do Código Penal, que estabelece como efeito genérico da condenação a perda, em favor da União, dos instrumentos do crime, e dos artigos 118 a 124 do Código de Processo Penal, que prevê o procedimento de restituição.

Contudo, a discussão ganha relevância quando o instrumento ilícito está relacionado à prática de infração penal de menor potencial ofensivo, na espécie contravenção, e a apuração dos fatos encontra-se na fase preliminar de transação penal. Como é cediço, o mencionado dispositivo do Código Penal se refere à condenação, ao passo que, nesta fase preliminar, segundo diversos autores, não há propriamente uma sentença condenatória, mas declaratória ou simplesmente homologatória, situação que autorizaria a devolução das coisas ilícitas apreendidas.

Diante desse quadro, indaga-se se as coisas ilícitas apreendidas, quando da prática da infração penal, devem ser devolvidas ao autor dos fatos após a aceitação ou o cumprimento da proposta de transação penal ou, ainda, depois de declarada extinta sua punibilidade, com fundamento no artigo 84, parágrafo único, da Lei 9.099/95.

Visando tornar mais compreensível a situação, à luz da divergência doutrinária e jurisprudencial, utilizar-se-á como exemplo um caso bastante comum na praxe forense, relacionado à restituição de máquinas caça-níqueis apreendidas quando da prática da contravenção penal de jogo de azar, prevista no artigo 50 do Decreto-Lei nº 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais).


1. Os Juizados Especiais Criminais

Durante algum tempo, o sentimento de descrédito existente sobre o Poder Judiciário, especialmente relacionado à Justiça Criminal, tomou conta de cidadãos comuns e de estudiosos do Direito, devido às deficiências da legislação penal, que se tornara ultrapassada. A necessidade de profundas modificações exigiu do Poder Legislativo um processo penal com instrumentos mais adequados à tutela dos direitos, visando assegurar celeridade através de procedimentos simples e econômicos, bem como afastar a morosidade dos julgamentos de pequenas infrações penais.

Assim foi que o legislador constituinte originário inseriu no comando constitucional estabelecido no artigo 98, caput, e inciso I, a criação de Juizados Especiais, que resultou na elaboração da Lei nº 9.099/95, revolucionando o sistema processual penal brasileiro. Em síntese, rompeu-se com o sistema tradicional, ao se estabelecer a aplicação de pena não privativa de liberdade, a criação de institutos como a transação penal, cuja proposta pelo Ministério Público não significa reconhecimento da culpabilidade penal, e a suspensão condicional do processo, além da preocupação com a vítima, até então desprezada na relação processual, com a reparação dos danos sofridos.

Prestigiado o rito sumaríssimo, introduzido pela Lei nº 9.099/95, atribuiu-se aos Juizados Especiais Criminais a competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência (artigo 60, com a nova redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006), considerando-se tais infrações as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa (artigo 61, com a nova redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006), orientada pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade.

O modelo político-criminal brasileiro, adotado no final do século XX, foi caracterizado pelo enrijecimento do sistema repressivo, com a criação de novos tipos penais e de sanções mais duras, a fim de fazer frente ao incremento da criminalidade. Em oposição a esse cenário, surgiu o modelo consensual de justiça criminal, com a Lei dos Juizados Especiais, favorecendo a conciliação e inovando o ordenamento jurídico-penal por meio de institutos despenalizadores.

Com efeito, foram encaminhadas soluções consensuais voltadas para os interesses da comunidade, consistentes em celeridade processual, prestação de serviços comunitários, satisfação das necessidades básicas de entidades beneficentes cadastradas no juízo por meio das transações penais, entre outros.


2. Fase preliminar: conciliação e transação penal

A Lei nº 9.099/95, na sua parte criminal, destaca a aplicação dos institutos da conciliação e da transação penal na fase preliminar. Conforme lecionam Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes, essa seção contém um conjunto de regras de caráter material (penal, civil e administrativo) e processual, constituindo a mais importante inovação da lei em termos de discricionariedade regulada ou regrada [1]. Abre-se, assim, espaço à autonomia da vontade, sob uma disponibilidade regulada pela lei e submetida ao controle jurisdicional.

Na lição dos renomados autores, a mencionada discricionariedade regulada constitui:

resposta realista do legislador (e, em nosso sistema, do constituinte) à idéia de que o Estado moderno não pode nem deve perseguir penalmente toda e qualquer infração, sem admitir-se, em hipótese alguma, certa dose de discricionariedade na escolha das infrações penais realmente dignas de toda atenção [2].

Em sede de Juizados Especiais Criminais, a conciliação e a transação devem ocorrer antes da deflagração da ação penal. Ao se permitir a transação para as infrações penais de menor potencial ofensivo, excepcionou-se o princípio de que não pode haver imposição de sanção penal sem prévio processo. De outra parte, o acordo homologado sobre a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ao autor dos fatos, assistido pelo seu defensor, não implica reconhecimento de culpa e nem de responsabilidade civil, não importa em reincidência e nem no registro de antecedentes criminais, salvo para efeito de impedir novo benefício pelo prazo de 5 (cinco) anos.


3. O Ministério Público e o poder-dever na formulação da proposta de transação penal

O instituto jurídico da transação penal atribui ao Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública, a faculdade de dispor dessa, desde que atendidas as condições previstas na lei, propondo ao autor da infração penal de menor potencial ofensivo a aplicação de pena não privativa de liberdade antes da denúncia e da instauração do processo.

Realizando-se uma interpretação literal do disposto no artigo 76 da Lei nº 9.099/95, transparece que o legislador atribuiu ao Ministério Público a faculdade de transacionar. Porém, deixar o órgão acusador de formular proposta de transação penal, ainda que presentes os requisitos legais, poderia implicar ofensa ao princípio constitucional da isonomia. Destarte, entende a corrente majoritária que a expressão "poderá", elencada no referido artigo, não se refere à mera faculdade, mas a um poder-dever do Parquet.

A elaboração da proposta de transação deve ser feita pelo Ministério Público, de maneira a propiciar ao autor dos fatos e ao seu defensor o pleno conhecimento da pena restritiva de direitos, observadas as causas impeditivas da proposta e da homologação, como: a) anterior condenação, transitada em julgado, a pena privativa de liberdade, pela prática de crime; b) anterior benefício, no prazo de cinco anos; e c) os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos e circunstâncias indicando não ser necessária e suficiente a transação penal.

Uma vez aceita pelo autor dos fatos e pelo seu defensor a proposta de transação penal, deve ela ser submetida à apreciação do juiz a fim de homologá-la, impondo a prestação alternativa acordada. Uma vez cumprida a obrigação assumida em juízo, será declarada extinta a punibilidade do autor dos fatos.


4. A natureza jurídica da transação penal

A natureza jurídica do instituto da transação penal se revela essencial na discussão acerca do perdimento ou da restituição de coisas ilícitas apreendidas, pois, com o cumprimento da pena alternativa pelo autor dos fatos, extingue-se sua punibilidade sem a instauração de processo e a conseqüente condenação.

As divergências doutrinárias sobre a sentença que homologa a transação penal são significativas. Cezar Roberto Bitencourt afirma que se trata de sentença declaratória constitutiva, pois a própria lei exclui qualquer caráter condenatório, afastando a reincidência, a constituição de título executivo civil e de antecedentes criminais, por exemplo [3].

Sobre o tema, Júlio Fabbrini Mirabete assevera que:

a sentença homologatória da transação tem caráter condenatório e não é simplesmente homologatória, como muitas vezes tem-se afirmado. Declara a situação do autor do fato, tornando certo o que era incerto, mas cria uma situação jurídica ainda não existente e impõe uma sanção penal ao autor do fato. Essa imposição, que faz a diferença entre a sentença constitutiva e a condenatória, que se basta a si mesma, à medida que transforma uma situação jurídica, ensejará um processo autônomo de execução, quer pelo Juizado, quer pelo Juiz da Execução, na hipótese de pena restritiva de direitos. (…) Trata-se, pois, de uma sentença condenatória imprópria [4].

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No mesmo sentido é o entendimento de Fernando da Costa Tourinho Neto e Joel Dias Figueira Júnior, que entendem se tratar de sentença condenatória de tipo sumário [5], e de Fernando Capez, considerando ser a natureza jurídica da sentença de transação penal condenatória imprópria, uma vez que não implica admissão de culpabilidade por parte do autor que aceita a proposta [6].

Analisando-se a jurisprudência, também é possível encontrar esse posicionamento, que considera ser de natureza condenatória a sentença que homologa a transação penal. É o que se infere do seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. LEI 9.099/95. ART. 76. TRANSAÇÃO PENAL. PAGAMENTO DE MULTA. DESCUMPRIMENTO DO ACORDO PELO AUTOR DO FATO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA PELO MP. INADMISSIBILIDADE SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. NATUREZA JURÍDICA CONDENATÓRIA. EFICÁCIA DE COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL.

1 - A sentença homologatória da transação penal, por ter natureza condenatória, gera a eficácia de coisa julgada formal e material, impedindo, mesmo no caso de descumprimento do acordo pelo autor do fato, a instauração da ação penal.

2 - Não efetuando o infrator o pagamento da multa aplicada, como pactuado na transação (art. 76, da Lei n° 9.099/05), cabe ao MP a execução da pena imposta, devendo prosseguir perante o Juízo competente, nos termos do art. 86 daquele diploma legal. Precedentes.

3 - Recurso não conhecido. (STJ, Resp 223.316/SP, rel.: Min. Fernando Gonçalves, 23.10.2001) (grifei)

Por outro lado, Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes destacam o seguinte: a sentença não poderá ser classificada como absolutória, porquanto aplica uma sanção, de natureza penal. Mas, a nosso ver, tão pouco (sic) poderá ser considerada condenatória, uma vez que não houve acusação e a aceitação da imposição da pena não tem conseqüências no campo criminal [7]. Ademais, ressalte-se a inexistência de juízo condenatório em razão da falta do exame de mérito dos elementos da infração penal, como das provas, da ilicitude, da culpabilidade, entre outros.

Entendem os mencionados autores que a natureza jurídica da sentença que homologa a transação penal não é absolutória e nem condenatória, mas simplesmente homologatória. Esse é o entendimento que tem prevalecido, inclusive no Supremo Tribunal Federal, in verbis:

Ofende o princípio do devido processo legal a conversão de pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, em virtude de descumprimento de termo de transação penal (Lei 9.099/95, art. 76: "Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta"). Com base nesse entendimento, a Turma, salientando a natureza não condenatória da sentença que homologa a transação penal, deferiu habeas corpus impetrado pelo Ministério Público para reformar o acórdão do STJ que permitira a conversão da pena. (STF, HC 79.572-GO, rel. Min. Marco Aurélio, 29.2.2000) (grifei)
Destarte, não obstante as divergências acerca da natureza jurídica da transação penal, após aceita pelo autor dos fatos, homologada pelo juiz e devidamente cumprida, torna-se finda a discussão sobre a tipicidade de sua conduta, de sua culpabilidade e das provas da prática da infração penal, encerrando-se o procedimento especial da persecutio criminis estatal.

Ocorre que, a partir daí, surge outro problema de discutível solução: a possibilidade ou não da restituição de coisas ilícitas apreendidas, quando da prática da infração penal, na ausência de sentença condenatória.


5. A restituição de coisas ilícitas após aceitação ou cumprimento da proposta de transação penal

Superada a discussão envolvendo a natureza jurídica da sentença de transação penal, considerando-a homologatória, surge a problemática relacionada à (im)possibilidade de restituição de coisa ilícita apreendida quando da prática da infração penal pelo autor dos fatos.

Conforme leciona Guilherme de Souza Nucci, a sentença condenatória produz efeitos secundários de ordem penal e extrapenal. Os efeitos penais dizem respeito a situações como impedimento ou revogação de sursis, revogação de livramento condicional, lançamento do nome do réu no rol dos culpados, reincidência, entre outros. Já os efeitos extrapenais podem ser genéricos e específicos, previstos nos artigos 91 e 92 do Código Penal [8].

Os efeitos genéricos consistem em tornar certa a obrigação de reparar o dano, na perda em favor do Estado de bens e valores de origem ilícita e em medidas para alcançar o produto e o proveito do crime.

O efeito de tornar certa a obrigação de reparar o dano é automático, não necessitando ser expressamente pronunciado pelo juiz na sentença condenatória e se destina a formar um título executivo judicial para a propositura da ação civil ex delicto.

No tocante ao efeito relacionado à perda em favor do Estado de bens e valores de origem ilícita, cuida-se de hipótese de confisco, que também se revela automática. Conforme salienta o autor:

os instrumentos que podem ser confiscados pelo Estado são os ilícitos, vale dizer, aqueles cujo porte, uso, detenção, fabrico ou alienação é vedado. Ex: armas de uso exclusivo do Exército ou utilizadas sem o devido porte; documentos falsos; máquinas de fabrico de dinheiro etc.[9]

O artigo 91, II, "a" e "b", do Código Penal, não prevê expressamente a possibilidade de confisco no caso de contravenção penal, pois utiliza a palavra crime, mas a jurisprudência majoritária prevê a possibilidade desse efeito da condenação ser usado no contexto das contravenções penais. Assim, onde está escrito crime deve ser lido infração penal. Registre-se, por oportuno, o entendimento contrário de Celso Delmanto, no sentido de que, devido a lei não se referir a instrumentos de contravenção, não se pode incluí-los na contravenção [10].

O efeito referente às medidas para alcançar o produto e o proveito do crime relacionam-se a medidas assecuratórias para tornar indisponíveis os bens do criminoso.

Já quanto aos efeitos específicos, tem-se a perda do cargo, da função pública ou do mandato eletivo, a perda de emprego público e aposentadoria, a incapacidade para o poder familiar, tutela e curatela e de inabilitação para dirigir veículo.

Segundo Guilherme de Souza Nucci, coisas apreendidas são definidas como:

aquelas que, de algum modo, interessam à elucidação do crime e de sua autoria, podendo configurar tanto elementos de prova, quanto elementos sujeitos a futuro confisco, pois coisas de fabrico, alienação, uso, porte ou detenção ilícita, bem como as obtidas pela prática do delito [11].

Por outro lado, a restituição de coisas apreendidas refere-se ao procedimento legal de devolução a quem de direito de objeto apreendido, durante diligência policial ou judiciária, não mais interessante ao processo criminal [12].

É cediço que não há cabimento para a devolução de instrumentos do crime antes do trânsito em julgado da sentença, quando se trata de elemento indispensável ao feito. Não havendo interesse para o processo, deverá haver a restituição imediata após a apreensão ou realização de exame pericial.

Para Júlio Fabbrini Mirabete, a sentença homologatória da transação penal não tem os efeitos civis (art. 76, § 6º), como previsto para a sentença penal condenatória (art. 91, I, do Código Penal, art. 63 do Código de Processo Penal). Assim, não cabe o confisco previsto no art. 91, II, a, do CP [13]. Entende o autor que a referida sentença não gera a perda dos instrumentos ou produtos do crime (artigo 91, "a" e "b", do Código Penal), devendo as coisas apreendidas ser devolvidas ao proprietário quando do pedido de restituição, após o trânsito em julgado da sentença homologatória.

Ao comentar acerca da possibilidade de perdimento de coisas apreendidas ou de sua consequente restituição, ainda que no caso de arquivamento e absolvição, Guilherme de Souza Nucci ensina que:

as coisas apreendidas, que forem de fabrico, alienação, uso, porte ou detenção proibida, serão igualmente confiscadas pela União, pois não teria cabimento restituir objetos ilícitos a quem quer que seja, como seriam os casos de entorpecentes ou armas de uso vedado ao particular. Assim, ainda que o juiz nada mencione na decisão de arquivamento do inquérito ou na sentença absolutória, as coisas apreendidas ilícitas ficam confiscadas [14].

Celso Delmanto destaca que, em se tratando a sentença de transação penal de natureza homologatória, e não condenatória, são incabíveis, em função dela, os efeitos referidos no artigo 91 do Código Penal [15].

Diante desse contexto, o que dizer sobre a possibilidade de restituição de coisa ilícita apreendida quando da prática de uma contravenção penal, após o autor dos fatos cumprir a proposta de transação penal e ser extinta sua punibilidade, com fundamento no artigo 84, parágrafo único, da Lei 9.099/95?

Imagine-se, como exemplo bastante comum na prática forense, o caso do agente que comete a contravenção de jogo de azar, prevista no artigo 50 da Lei das Contravenções Penais, por meio da utilização de máquinas caça-níqueis.

Neste caso hipotético, as máquinas caça-níqueis apreendidas constituem instrumentos da infração penal prevista no artigo 50 da Lei das Contravenções Penais, devendo ocorrer o seu perdimento. Afirmar o contrário seria chancelar a prática de uma ilicitude e tornar reutilizáveis os produtos e instrumentos desta atividade contravencional.

Portanto, plausível é o entendimento de que o confisco previsto para os bens considerados instrumentos de crime também atingem os bens ou instrumentos utilizados para a prática de atos contravencionais. Na doutrina, constata-se a mesma linha de entendimento. Guilherme de Souza Nucci leciona que a expressão crime, constante do artigo 91, II, "a" do Código Penal, admite interpretação extensiva, abrangendo a contravenção penal [16].

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Sobre o autor
Marco Aurélio Souza da Silva

Pós-graduado em nível de especialização em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC. Assistente de Promotoria de Justiça no Ministério Público do Estado de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marco Aurélio Souza. A (im)possibilidade de restituição de coisas ilícitas após o cumprimento de transação penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2778, 8 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18422. Acesso em: 23 abr. 2024.

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