Capa da publicação Modulação temporal em controle de constitucionalidade de norma tributária: enfoque estritamente jurídico
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Necessidade de um enfoque estritamente jurídico sobre a modulação dos efeitos temporais nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em controle de constitucionalidade de norma tributária

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IV. Cotejo entre as garantias constitucionais dos contribuintes e a modulação dos efeitos temporais das decisões pelo STF em controle de constitucionalidade de norma tributária

Comprovado que o sistema jurídico constitucional é composto por uma unidade orgânica e harmônica, toda a aplicação do Direito deverá estar em consonância com os valores insculpidos na Constituição, consagrando a verdadeira vontade soberana.

Dentre os direitos fundamentais escolhidos como valores supremos pelo Poder Constituinte Originário estão os princípios constitucionais tributários, elevados à esfera de direitos fundamentais dos contribuintes, compondo o rol das denominadas cláusulas pétreas do sistema constitucional vigente, base do constitucionalismo, limitador do poder estatal, impedindo que o povo se submeta a arbitrariedades cometidas por aqueles que estão no exercício do poder.

Diante disso, qualquer atuação estatal, como a função jurisdicional, deverá ser exercida de forma a materializar os valores constitucionalmente garantidos, comprometendo-se, assim, com a moderna hermenêutica constitucional, impingindo unidade ao sistema jurídico.

Em que pese a evolução doutrinária e jurisprudencial, que desaguou, inclusive, na edição de norma explícita que possibilita a relativização da teoria da nulidade da norma inconstitucional (art. 27 da Lei n.º 9.868/99), através da modulação dos efeitos das decisões proferidas em controle de constitucionalidade por parte do STF, tal instituto não pode ser utilizado de forma descompromissada com a unidade sistêmica do constitucionalismo pátrio.

A atuação do STF encontra limites nos mecanismos de limitação dos poderes do próprio Estado, não havendo uma "carta branca" para que escolha o que lhe convier.

Dentro da moldura constitucional existente, a atuação do STF deverá se subjugar ao sistema em vigor, com atuação vinculada à materialização dos valores consagrados como fundamentos da República.

O fundamento do constitucionalismo é exatamente a possibilidade de convivência pacífica entre os órgãos do poder e o povo, eis que no pacto social existente há clara definição dos mecanismos de limitação do exercício do poder, não podendo os direitos fundamentais ser flexibilizados ao alvedrio daqueles que exercem o poder, mesmo que por justificativas de necessidade de manutenção de atividades estatais essenciais.

Possibilitar a flexibilização de direitos fundamentais nesse sentido é legitimar uma eufêmica arbitrariedade daqueles que querem a qualquer custo obter recursos para projetos governamentais. O constitucionalismo atual foi obtido à custa de um processo evolutivo social muito penoso, devendo, portanto, ser afastadas intervenções estatais ao arrepio de direitos secularmente assegurados.

Utilizando-se de princípios hermenêuticos como o da unidade da Constituição, efeito integrador, concordância prática ou harmonização, força normativa e proporcionalidade, em atividade de ponderação, a corte constitucional poderá temperar a aplicação da teoria da nulidade, modulando os efeitos de suas decisões.

Todavia, o instituto da modulação encontra limites nos princípios da segurança jurídica, boa-fé e confiança, devendo ser utilizado sempre como garantia de materialização dos princípios fundamentais, nunca em benefício do Estado.

Portanto, a utilização de tal instituto em matéria tributária encontra limites no constitucionalismo, que restringe o exercício do poder estatal, através dos direitos fundamentais e, elencados entre eles, o da segurança jurídica.

Ora, se a Constituição tem por fundamento principal a limitação do exercício do poder do Estado dentro de um dado território, o princípio da supremacia da Constituição impõe limites à atuação estatal, vinculando todos os poderes da República, compromissada com os valores fundamentais que exprimem a vontade soberana do povo.

O próprio Direito tem por fundamento a estabilidade das relações sociais [20], não podendo sua existência sofrer com atividades hermenêuticas exercidas pela corte constitucional sob influência de forças externas, o que confirmaria as proposições de LASSALLE [21], devendo a aplicação do Direito exprimir os valores da segurança jurídica, boa-fé e confiança.


V. Conclusão

Diante do exposto, podemos concluir que o Direito possui autonomia científica, sendo verificado a existência de um sistema orgânico que deverá harmonizar-se, promovendo a necessária pacificação das relações sociais.

A Constituição é norma de sobreposição de todo o ordenamento, devendo as normas ser criadas a partir dos valores previstos no sistema constitucional, sob pena de declaração de invalidação, através do controle judicial de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal.

Sendo uma norma declarada inconstitucional, de acordo com a teoria da nulidade adotada pelo Brasil, será afetado seu plano de validade, não havendo direito que decorra de sua vigência, devendo as relações jurídicas afetadas retornar ao status quo ante, tendo em vista os efeitos ex tunc da declaração.

A própria Constituição, além dos demais instrumentos normativos regulamentadores do controle de constitucionalidade, atribui caráter declaratório às decisões proferidas em análise de constitucionalidade de leis, reconhecendo a validade ou não de situação jurídica preteritamente constituída, o que confirma os efeitos ex tunc da decisão.

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Todavia, verificada a evolução onde doutrina e jurisprudência apresentam flexibilização da teoria da nulidade da norma em sede de controle constitucionalidade, podemos observar que tal questão legitima a possibilidade da modulação dos efeitos temporais da decisão judicial proferida nesse sentido.

Contudo, a modulação, evidenciadora da mencionada flexibilização, somente se justifica com base na boa-fé e na segurança jurídica [22], e não em desfavor das mesmas.

Entendido o poder de tributar como o exercício do ius imperium estatal, expressão do poder soberano, este encontra limites nos direitos fundamentais previstos na Constituição.

A atuação do STF está vinculada aos valores constitucionais, não se podendo falar em modulação de efeitos em decisão de controle de constitucionalidade de matéria tributária divorciada de valores como segurança jurídica, confiança e boa-fé, direitos fundamentais do Estado brasileiro.


Notas

  1. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução do estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2003, p. 83.
  2. Idem, p. 88.
  3. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes.
  4. SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2ª edição, 2006.
  5. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, 17ª edição, p. 97.
  6. Idem, p. 98.
  7. HESSE, Konrad apud BONAVIDES, obra citada, p. 98.
  8. LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001, 6ª edição.
  9. CANOTILHO. J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição, 7ª edição, p. 51.
  10. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo; Malheiros, 20ª edição, 2002.
  11. DERZI, Mizabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência no Direito Tributário, Ed. Noeses, São Paulo, 2009.
  12. BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 4ª edição, 2009, p. 1.
  13. Sobre o tema, importante obra de Marcos Bernardes Mello, em Teoria do Fato Jurídico, plano da existência – volume I, plano da validade – volume II e plano da eficácia – volume III.
  14. BARROSO, obra citada, p. 12.
  15. Idem, p. 15.
  16. Idem, p. 1.
  17. Idem, p. 19.
  18. BRASIL, Lei n.º 9.868/99. Coletânea de legislação administrativa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 10ª edição, 2010.
  19. DERZI, obra citada.
  20. FERRAZ JÚNIOR, obra citada.
  21. LASSALLE, obra citada.
  22. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 12ª edição, 2008, p. 122.
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Sobre o autor
Antônio Carlos Lúcio Macedo de Castro

Prof. de Direito Tributário e Direito Processual Civil dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas Prof. de Direito Tributário do Curso de Graduação em Direito da UNIPAC .Advogado e Consultor Jurídico

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Antônio Carlos Lúcio Macedo. Necessidade de um enfoque estritamente jurídico sobre a modulação dos efeitos temporais nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em controle de constitucionalidade de norma tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2781, 11 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18480. Acesso em: 25 abr. 2024.

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