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Vícios redibitórios: questões polêmicas

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15/02/2011 às 12:36
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CONCLUSÃO

O objetivo deste trabalho era condensar situações que ao longo do tempo foram consideradas conflitantes quando do tratamento do tema. Os vícios redibitórios, assim como vários institutos do direito privado sofreram profundas e importantes modificações, umas mais do que outras, com a promulgação do Código Civil de 2002.

É possível notar, através de uma análise das modificações por que vem passando não somente o direito brasileiro, mas de vários países europeus e mesmo da América Latina, que o positivismo, tal como propugnado por Kelsen, vem cedendo espaço a uma busca pela Justiça em cada caso concreto, como se o Juiz Hércules, idealizado por Dworkin, fosse o retrato de todo o magistrado que se depara com um problema concreto, utilizando-se de todas as ferramentas do sistema jurídico, adaptáveis e não mais rígidas como no positivismo, para realizar a solução mais adequada para aquele caso concreto.

Não mais se encontram restrições com relação a interpretações de dispositivos legais que não retratem exatamente aquilo que consta do texto. O que se busca, induvidosamente, é a realização da justiça, na maior medida possível. E se alcançar esse desiderato significa mitigar a aplicação literal da lei, por certo que essa via estará autorizada, conforme se constata do posicionamento corrente.

Basta a leitura do art. 421 do Código Civil, que trata da função social do contrato, para que se possa alcançar essa conclusão. Referido dispositivo trata da autonomia de contratar, antes irrestrita e ampla, agora vigiada pela atuação do Estado, desde que o contrato encontre sua função social. Mas, como a função social do contrato é uma para cada situação, é possível afirmar que o julgador estará autorizado a modificar a relação jurídica sempre que constatada a violação a esse princípio, agora um dos mais importantes, do direito contratual, ainda que essa solução vá de encontro a outro dispositivo de lei.

Esse argumento é importante porquanto serve de sustentação para a solução apresentada para o problema do prazo para reclamação por vícios redibitórios no caso do §1º do art. 445 do Código Civil. Embora a solução ora proposta não seja a decorrente da interpretação literal do texto de lei, não é menos verdade afirmar que fornece, a nosso ver, a solução mais justa, porque proporciona prazo mais dilatado para o adquirente reclamar os vícios redibitórios, e ao mesmo tempo segurança jurídica para o alienante, de saber que não será demandado em um tempo demasiadamente longo da realização do negócio. Eliminam-se incertezas, fornecendo-se mais credibilidade ao sistema.

As demais soluções propostas para o caso de redução e ampliação, de reclamação em hasta pública, a nosso ver, também encontram, nessa nova realidade sistemática na qual está inserido o ordenamento jurídico, o mesmo fundamento, a mesma razão de ser.

De todo o modo, a importância dos vícios redibitórios é inequívoca, a despeito de se tratar de instituto tão antigo, mas cujas aplicações práticas até os dias de hoje se fazem não menos consideráveis em importância.

O relevo do instituto para o direito contratual certamente ainda demanda importantes reflexões para o seu aprimoramento.


Notas

  1. Art. 422, CC.
  2. Art. 884, CC.
  3. Como também fez com a evicção.
  4. A não ser na hipótese do art. 443 do Código Civil, quando o alienante tem conhecimento específico do defeito mas o oculta, em manifesto prejuízo para o outro contratante e em vilipêndio inequívoco ao princípio da boa-fé objetiva.
  5. Direito Civil, Volume II, Saraiva, São Paulo, 18ª Edição, 2009, p. 321.
  6. E é possível notar a correção dessa assertiva já no instituto da evicção, que se funda no mesmo princípio da garantia que inspira os vícios redibitórios. O art. 447 do Código Civil, o primeiro a tratar do tema, ao invés de definir o instituto e resolver problemas, por exemplo, como quanto ao momento em que se configura a evicção, opta por tratar dos possíveis responsáveis pela ocorrência da evicção.
  7. Art. 481 do Código Civil.
  8. Arts. 757 e seguintes do Código Civil.
  9. Instituições de Direito Civil, Volume III, Rio de Janeiro, 2004, Forense, p. 68.
  10. Não se presumem, na lei, palavras inúteis.
  11. Importante anotar que no caso do direito do consumidor a situação é diversa. Justamente porque se trata de relação jurídica na qual há desnível entre os contratantes, em respeito ao princípio da vulnerabilidade, previsto no art. 4º, I, do CDC, existe norma que prevê a possibilidade de o consumidor reclamar mesmo dos defeitos aparentes e que, portanto, poderia ser conhecidos no momento da contratação. É o que dispõe o art. 26 do CDC estabelece a possibilidade de reclamar dessa modalidade de defeitos.
  12. Código Civil Comentado e Legislação Extravagante, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, 3ª Edição, p. 394.
  13. Op. cit., p. 125.
  14. Direito Civil, Volume II, São Paulo, Atlas, 2006, 6ª Edição, p. 531.
  15. Op. cit., p. 350.
  16. Ação redibitória.
  17. Ação quanti minoris.
  18. Op. cit., p. 323.
  19. Código Civil Comentado, Manole, Baueri, SP, 2007, p. 479.
  20. Curso de Direito Civil, Volume 4, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 91.
  21. Art. 402, CC.
  22. No caso leia-se vícios redibitórios.
  23. Código Civil Interpretado, Volume II, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, p. 72.
  24. Sobretudo quando em segundo leilão.
  25. Mas não menos tormentosa no que diz respeito às soluções previstas para os casos práticos, diante da dificuldade de o responsável efetivo (proprietário) responder financeiramente perante o adquirente.
  26. Como ocorre no caso do direito alemão e francês, em que a simples declaração de vontade é suficiente para que a propriedade seja transferida, dispensadas as formalidades previstas pelo sistema pátrio, de tradição para os bens móveis e transcrição no registro competente para os imóveis.
  27. Op. cit., p. 129.
  28. Direito Civil, vol. 2, São Paulo, Saraiva, 2009, 18ª Edição, p. 332.
  29. Exemplos podem ser encontrados no que diz respeito à modificação de contratos. Nos primeiros momentos tem-se um apego exacerbado ao formalismo do negócio (pacta sunt servanda) no direito romano. Depois, no direito medieval, justamente por força de injustiças praticadas outrora em nome da rigidez da manifestação contratual, passa-se a um momento de facilidade para a modificação do contrato, que posteriormente é sucedido pelo rigorismo conceitual existente no art. 1134 do Código Civil francês. Paulatinamente esse entendimento vem sofrendo modificações, notadamente após as Grandes Guerras, quando se aceita a modificação de contratos, de modo que é possível afirmar, atualmente, que se busca o equilíbrio entre o necessário respeito ao pacta sunt servanda e à cláusula rebus sic stantibus.
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Sobre o autor
Gustavo Passarelli da Silva

Advogado e Professor de Direito Civil e Direito Processual Civil na Universidade Federal do Estado de Mato Grosso do Sul - UFMS, Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal - UNIDERP, em cursos de graduação e pós-graduação, de Direito Civil na Escola Superior do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul e Escola da Magistratura do Estado de Mato Grosso do Sul. Especialista em Direito Processual Civil e Mestre em Direito e Economia pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro - UGF/RJ, Doutorando em Direito Civil pela Universidad de Buenos Aires - UBA. Diretor-Geral da Escola Superior de Advocacia/ESA da OAB/MS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Gustavo Passarelli. Vícios redibitórios: questões polêmicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2785, 15 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18500. Acesso em: 28 mar. 2024.

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