O termo de ajustamento de conduta é típico meio alternativo de solução extrajudicial de conflitos: uma vez proposto, espera-se que o compromitente vá cumprir as exigências estabelecidas pelo legitimado-compromissário; do contrário, o movimento extrajudicial não se esgota, não se finda, tendo em vista a possibilidade de ingressar em Juízo visando sua execução.
Pertinente transcrever excerto do prefácio da obra "Termo de Ajuste de Conduta", elaborado por Luciana Aboim Machado Gonçalves da Silva, em que o professor Pedro Paulo Teixeira Manus identifica a atual situação vivenciada pelos jurisdicionados [01]:
Vivemos uma época em que os conflitos de toda ordem avolumam-se e como consequência há enorme acúmulo de ações judiciais que tornam os trabalhos judiciários ainda mais morosos, o que já ocorre em razão das normas processuais ultrapassadas e das condições materiais de trabalho totalmente insuficientes para fazer frente à demanda.
Assim uma das questões no âmbito do direito processual que tem sido objeto de profundas preocupações é exatamente a busca de soluções alternativas para a solução dos conflitos judiciais, de modo que a prestação seja célere e ao mesmo tempo segura.
Em prosseguimento, trataremos dos aspectos concernentes ao instituto em estudo novamente em tópicos.
1 ORIGEM HISTÓRICA
A respeito da origem histórica do termo de ajuste de conduta, muito embora seja a sua aplicação como medida precedente ao ajuizamento da ação civil pública, não nasceu com o advento da Lei 7.347/85.
Cogitou-se dele, inicialmente, com o disposto no art. 211 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069, de 13-07-90), que preceitua o seguinte: "Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial."
Pouco tempo depois, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078, de 11-09-90), em seu artigo 113, acrescentou o § 6.º ao art. 5.º da Lei 7.347/85, aprimorando o instituto, como segue: "Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial."
Verifica-se, pela legislação consumerista, o acréscimo do termo "mediante cominações" ao que anteriormente foi disposto pelo ECA. Essa alteração foi significativa para que os legitimados impusessem certa exigência visando o cumprimento do que era estabelecido no pacto.
Ocorre que na Mensagem nº 664, de 11-09-90, intentou-se vetar a redação do referido artigo 113 do CDC, porque considerado contrário ao interesse público ou constitucional. Ainda assim, quando publicada a Lei 8.078/90, a redação do art. 113, no que concerne ao acréscimo do § 6.º ao art. 5.º da Lei 7.347/85 foi mantida, descabendo qualquer dúvida a respeito da sua vigência.
Nesse sentido, Édis Milaré nota que [02]
quando da edição do Código de Defesa do Consumidor, vetou-se o § 3º do art. 82 (que introduzia o compromisso de ajustamento em matéria de relações de consumo) e promulgou-se o art. 113 (que introduziu o mesmo compromisso em matéria de quaisquer interesse individuais), o que acabou por suscitar dúvida quanto à vigência do atual § 6º do art. 5º da Lei 7.347/85. Segundo Hugo Nigro Mazzilli, o argumento usado pelos que sustentavam o veto a tal parágrafo fundou-se no fato de que teria havido equívoco na promulgação do art. 113 em sua íntegra, pois era manifesta a vontade do Presidente da República de vetar o compromisso de ajustamento, intento este exteriorizado por expresso nas razões do veto a outro dispositivo da mesma lei (o parágrafo único do art. 92). Esse argumento, ainda que verdadeiro no tocante à mens legislatoris, não é, porém, suficiente para induzir à existência do veto do instituto constante no art. 113, pois este dispositivo foi regularmente sancionado e promulgado, em sua íntegra, como se pode aferir do exame da publicação oficial da Lei 8.078, de 11.09.1990, publicado no Diário Oficial da União no dia imediato, em edição extraordinária (Notas sobre o compromisso de ajustamento de conduta. In: Antônio Herman Benjamin (Org.). Direito, água e vida. São Paulo: Imprensa Oficial, 2003, p. 571 e 572).
Mesmo visualizada essa mensagem do Presidente quanto à sua intenção de vetar o art. 113, no tocante ao acrescentado § 6.º do art. 5.º da Lei da ACP, a jurisprudência é segura de sua vigência.
Assim rumam os seguintes precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça: REsp 443407/SP (DJ 25/04/2006 p. 106), REsp 327023/DF (DJ 23/05/2006 p. 134), REsp 440205/SP (DJ 13/06/2005 p. 289), REsp 382659/RS (DJ 19/12/2003 p. 322) e REsp 222582/MG (DJ 29/04/2002 p. 166).
2 CONCEITO
Até onde vimos, o termo de compromisso constitui verdadeira transação. Mas, conforme preceitua Hugo Nigro Mazzilli [03],
Ao contrário de uma transação vera e própria do direito civil, na qual as partes transigentes fazem concessões mútuas para terminarem o litígio, já na área dos interesses metaindividuais temos o compromisso exclusivo do causador do dano (compromitente) a ajustar sua conduta de modo a submetê-la às exigências legais (objeto). De sua parte, o órgão público legitimado que toma o compromisso (compromissário), não se obriga a conduta alguma, exceto, como decorrência implícita, a não agir judicialmente contra o compromitente em elação àquilo que foi objeto do ajuste, exceto sob alteração da situação de fato (cláusula rebus sic stantibus implícita), ou em caso de interesse público indisponível...
Em outras palavras,
Nesse diapasão, podemos conceituar o termo de ajuste de conduta como um instituto jurídico que soluciona conflitos metaindividuais, firmado por algum ou alguns dos órgãos públicos legitimados para ajuizar ação civil pública e pelo investigado (empregador), no qual se estatui, de forma voluntária, o modo, lugar e prazo em que o inquirido deve adequar sua conduta aos preceitos normativos, mediante cominação, sem que para tanto, a priori, necessite de provocação do Poder Judiciário, com vistas à natureza jurídica de título executivo extrajudicial. [04]
E, para os doutrinadores que entendem ser equivocada a definição de transação ao termo de ajustamento de conduta, tratam-no como um "comprometimento ao ajuste de conduta às exigências legais, instituto novo, que existe per se, com suas próprias características". [05]
3 OBJETO
Em qualquer das conceituações acima elencadas, fala-se em direitos metaindividuais. A definição legal desses direitos encontra-se no Código de Defesa do Consumidor, da seguinte maneira:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
São, portanto e em princípio, três os interesses ou direitos abrangidos pelo ajustamento de conduta: difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
É de dizer, quanto aos interesses difusos, que "são metaindividuais (ou transindividuais), isto é, transcendem à pessoa, com indeterminação absoluta de titulares, sendo o objeto indivisível e estando as pessoas ligadas entre si por uma situação de fato". [06]
Como exemplo, colhe-se o art. 225 da Constituição Federal de 1988, que prevê o dever de todos manterem um meio ambiente ecologicamente equilibrado com o intuito de propiciar sadia qualidade de vida.
Ainda, a doutrina traz a situação da veiculação de propaganda enganosa, vedada no art. 37 da Lei 8.078/90, que pode gerar consequências tanto na esfera difusa, como na individual. Isso porque, como esclarece Rizzatto Nunes [07]:
Digamos que um vendedor de remédios anuncie um medicamento milagroso que permita que o usuário emagreça cinco quilos por dia apenas tomando um comprimido, sem nenhum comprometimento à sua saúde. Seria um caso de enganação tipicamente difusa, pois é dirigida à toda comunidade.
No entanto, é claro que uma pessoa em particular pode ser atingida e enganada pelo anúncio: ela vai à farmácia, adquire o medicamento, ingere o comprimido e não emagrece. Ou pior, toma o comprimido e fica intoxicada.
Nesse caso, esse consumidor particular tem um direito individual próprio, que também, obviamente, está protegido. Ele, como titular de um direito subjetivo, poderá exercer todos aqueles direitos garantidos na Lei n. 8.078/90. Poderá, por exemplo, ingressar com ação de indenização por danos materiais e morais.
Acerca da indivisibilidade do objeto, continua o doutrinador em nota elucidativa [08]:
Faça-se uma ressalva esclarecedora: o fato de o mesmo objeto gerar dois tipos de direito não muda a natureza de indivisibilidade do objeto relativo no direito difuso. Isto é, se um anúncio enganoso atingir um consumidor em particular, esse direito individual não altera em nada a natureza indivisível do fato objetivo do anúncio.
É que na ação judicial de proteção ao direito difuso, o caráter da indivisibilidade do objeto faz a ligação com a titularidade difusa, sem alterar o quadro da proteção particular.
No terreno da aludida correlação entre indivisibilidade do objeto e titularidade para definir a existência de direito difuso, merece destaque o esposado por Antônio Herman V. Benjamin et. al. [09]:
Os direitos difusos são materialmente coletivos. Não é a lei que lhes impõe artificialmente esta característica plural, e sim o fato de serem necessariamente usufruídos por um número indeterminado de pessoas. Não se trata, também, de união de diversas pretensões individuais num único processo. Em face da ausência de um titular específico do direito somada à vinculação processual entre esta titularidade e a legitimatio ad causam (arts. 6.º e 267, VI, do CPC), faz-se necessário que a lei indique pessoas que tenham legitimidade de requerer sua proteção jurisdicional.
Ou seja, faz-se mister referir que a questão difusa do direito esteja objetivamente ligada à titularidade do seu exercício, que é indeterminável e resultante de uma situação fática (v.g. a exibição de propaganda enganosa, que atinge um número sem fim de pessoas). Por outro lado, não se olvide a possibilidade de uma pessoa específica ser enganada por essa mesma propaganda e, por conseguinte, sofrer lesão a direito. Neste último caso, cabe a ela, independentemente da sorte da ação coletiva, ajuizar a sua ação individual, já que é detentora do direito subjetivo que a ela serve.
No ramo dos interesses coletivos, ao contrário dos interesses e direitos difusos, em que o sujeito ativo é invariavelmente indeterminado, nos coletivos podem ser determinados. Porque, em que pese também transindividuais e de objeto indivisível, a sua origem provém de uma relação jurídica. Como aponta Vera Cecília Gonçalves [10],
Significa dizer que o grupo, a categoria ou a classe de pessoas estão ligados entre si (relação institucional como uma associação, um sindicato, uma federação etc.) ou, alternativamente, possível que esse vínculo jurídico emane da própria relação jurídica existente com a parte contrária.
Expandindo essa concepção de relação jurídica, tem-se que [11]:
Em matéria de direito coletivo são duas as relações jurídicas-base que vão ligar sujeito ativo e sujeito passivo:
a) aquela em que os titulares (sujeito ativo) estão ligados entre si por uma relação jurídica. Por exemplo, os pais e alunos pertencentes a Associação de Pais e Mestres; os Associados de uma Associação de Proteção ao Consumidor; os membros de uma entidade de classe etc.;
b) aquela em que os titulares (sujeito ativo) estão ligados com o sujeito passivo por uma relação jurídica. Por exemplo, os alunos de uma mesma escola, os clientes de um mesmo banco, os usuários de um mesmo serviço público essencial como o fornecimento de água, energia elétrica, gás etc.
Como exemplo de direitos coletivos, aponta-se a irresignação com relação a contrato-padrão, ou então o aumento na mensalidade da escola, que atinge um grupo específico de pessoas originado por uma relação jurídica base. Acompanhe-se, na conceituação de Antônio Benjamin et. al. [12]:
Como exemplo de tutela judicial de direitos coletivos na área do consumidor cite-se o requerimento, veiculado em ação coletiva, para impedir que determinada empresa de plano de saúde ou estabelecimento de ensino promova aumento das prestações, contrariando expressamente a legislação, ou, ainda, tutela consistente na declaração de nulidade de cláusula contratual abusiva inserida em contrato-padrão de empresa de incorporação imobiliária (art. 51 do CDC).
Os beneficiários da ação coletiva serão todos os consumidores que mantêm vínculo contratual com os fornecedores (empresa de plano de saúde, estabelecimento de ensino, incorporação imobiliária). A relação jurídica base, a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 81 do CDC, é justamente este vínculo contratual estabelecido com o fornecedor.
Em derradeiro, quanto aos direitos individuais homogêneos, tem-se por determinado o grupo de origem e a divisibilidade do objeto. O sujeito ativo é determinado e plural, algo que não pode ser confundido com o litisconsórcio, como observa Rizzatto Nunes [13]:
não se trata de litisconsórcio e sim de direito coletivo. Não é o caso de ajuntamento de várias pessoas, com direitos próprios e individuais no pólo ativo da demanda, o que se dá no litisconsórcio ativo; quando se trata de direito individual homogêneo, a hipótese é de direito coletivo – o que permitirá, inclusive, o ingresso de ação judicial por parte dos legitimados no art. 82 da lei consumerista.
E Antônio Benjamin et. al. trazem questão digna de nota, em complemento:
A leitura do art. 91 e seguintes do CDC conduz ao entendimento de que a tutela de direito individual homogêneo concerne a um único fato (origem comum) gerador de diversas pretensões indenizatórias. Há duas fases no processo: a inicial, promovida pelo legitimado coletivo, em que se busca o reconhecimento e a declaração do dever de indenizar; e a segunda fase, que é o momento da habilitação dos beneficiados na ação, com o fim de promover a execução da dívida reconhecida no âmbito coletivo.
Convém trazer, para encerrar o tópico, a formidável lição de Mazzilli, a respeito da identificação da natureza dos direitos transindividuais [14]:
Para identificar corretamente a natureza de interesses transindividuais ou de grupos, devemos, pois, responder a essas questões: a) O dano provocou lesões divisíveis, individualmente variáveis e quantificáveis? Se sim, estaremos diante de interesses individuais homogêneos; b) O grupo lesado é indeterminável e o proveito repara-tório, em decorrência das lesões, é indivisível? Se sim, estaremos diante de interesses difusos; c) O proveito pretendido em decorrência das lesões é indivisível, mas o grupo é determinável, e o que une o grupo é apenas uma relação jurídica básica comum, que deve ser resolvida de maneira uniforme para todo o grupo? Se sim, então estaremos diante de interesses coletivos.
4 LEGITIMIDADE
A questão da legitimidade tem sua base positiva no próprio art. 5.º, § 6.º, da LACP, referindo que "os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais...". Disso resulta que nem todos os legitimados à ação civil pública podem ser compromissários, apenas os órgãos públicos inseridos no rol de incisos do art. 5.º da LACP. Em combinação, o disposto no art. 82 do Código de Defesa do Consumidor.
Sobre o ponto, Mazzilli faz a seguinte reflexão [15]:
Examinando-se o rol dos legitimados ativos, contidos no art. 5º da Lei da Ação Civil Pública e do art. 82 do Código de Defesa do Consumidor, podemos relacionar três categorias: a) a daqueles legitimados que, incontroversamente, podem tomar compromisso de ajustamento: Ministério Público, União, Estados, Município, Distrito Federal e órgãos públicos, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinado à defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos; b) a dos legitimados que, incontroversamente, não podem tomar o compromisso: as associações civis, as fundações privadas, as empresas públicas e as sociedades de economia mista; c) a dos legitimados sobre os quais é questionável possam tomar esses compromissos, como as fundações públicas e as autarquias.
Em sentido contrário, afirmando a legitimidade das empresas públicas e sociedade de economia mista, transcreve-se o entendimento de Francisco Antônio de Oliveira [16]:
Fala a lei em órgãos públicos legitimados, o que não significa que somente aqueles órgãos que tenham natureza jurídica de Direito Público estariam autorizados. Existem órgãos da administração indireta que possuem natureza jurídica de Direito Privado, v.g., empresa pública e sociedade de economia mista. Assim, dos legitimados no art. 5.º, apenas as associações e as fundações de Direito Privado não estariam legitimadas para o compromisso de ajustamento.
E ainda há a doutrina que infere pela legitimidade também das associações, como a esboçada por Fernando Grella Vieira [17]:
A associação terá legitimidade se a questão lhe for pertinente. Não é possível que uma entidade associativa que tenha por finalidade, segundo seus estatutos, por exemplo, a proteção do meio ambiente ponha-se a tutelar interesse atinente à esfera do consumidor, de deficientes, etc. Da mesma forma, a pertinência e os limites da ofensa é que nortearão a legitimidade das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, em cada caso, diante do que dispuser seus atos constitutivos quanto à finalidade institucional ou objeto social.
Ratificando o seu posicionamento acima transcrito, Mazzili assevera que os legitimados que contam com estrutura jurídica de entidades civis, não governamentais, ou que tenham regime jurídico de empresas privadas, não podem ser considerados órgãos públicos, desatendendo a legitimação positivada no art. 5.º, § 6.º da LACP. A ilegitimidade dos sindicatos, quanto ao termo de ajuste de conduta, estende-se aos sindicatos, no entendimento do renomado doutrinador. [18]