1. Introdução
Na última década, desenvolveu-se na Europa a idéia da existência de um direito fundamental a boa administração. No âmbito do particular, este direito visa conceder uma maior proteção em face dos desmandos dos órgãos da Comunidade Européia.
Uma farta produção doutrinária se debruçou sobre o tema, buscando demonstrar as bases de sua fundamentalidade e o seu real conteúdo. Percebe-se que os trabalhos produzidos miram, unicamente, a perspectiva do particular, ou seja, na definição do âmbito de proteção circunscrito por este direito.
Neste trabalho, busca-se dar uma perspectiva diferenciada. Não mais mirando para o particular, mas assumindo como centro o Estado e identificando o principal dever, decorrente deste direito, que lhe cabe: exercer uma "boa gestão" dos recursos públicos.
A questão da gestão é fundamental para a real efetividade dos direitos fundamentais. Em países periféricos, a falta de recursos financeiros é apontada como a principal causadora da inviabilidade dos direitos sociais.
Disto decorre a necessidade de se buscar identificar os problemas que afetam a gestão pública. A partir deste ponto, pode-se buscar novos instrumentos que se mostrem hábeis a elucidar a questão.
2. A evolução da boa administração no direito comunitário europeu
Segundo Elisabetta LANZA (2010), o direito fundamental a boa administração tem suas origens assentadas na jurisprudência da Corte Européia. De início, ele foi tratado como sendo um princípio específico para a proteção da competitividade.
As suas primeiras aparições deram-se no bojo de processos judiciais, onde particulares buscavam a reparação de prejuízos pretensamente causados pelos órgãos oficiais da União Européia. Nestes casos, a corte apreciava se a conduta destes órgãos falhou em obedecer alguns dos procedimentos legais.
Após um longo processo de construção jurisprudencial, esta mesma corte elevou a boa administração ao "conceito" de princípio geral. Tal entendimento não restou isento de críticas. Joana MENDES (2010) aponta que vários acadêmicos, entre eles Azoulai e Hoffmann, colocavam que este princípio tinha problemas de ambigüidade/incerteza. Como regra, ele não era utilizado de forma autônoma pela corte, mas em junção com outros princípios ou direitos, buscando-se retirar conseqüências jurídicas específicas. Com base nestas jurisprudências, poder-se-ia concluir que o núcleo do princípio seria o exame cuidadoso e imparcial das circunstâncias legais e fáticas de cada caso.
A discussão em prol da codificação deste princípio inicia-se com o Ombudsman Sörensen. Em 2000, esta autoridade defendeu a inclusão da boa administração dentro do rol de direitos fundamentais dos cidadãos europeus. Tal proposta foi levada a cabo pela Convenção Européia através do art. 41. da Carta de Nice1, nos seguintes termos:
Artigo 41.
Direito a uma boa administração
1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições e órgãos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.
2. Este direito compreende, nomeadamente:
- o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente,
- o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito dos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial,
- a obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões.
3. Todas as pessoas têm direito à reparação, por parte da Comunidade, dos danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das respectivas funções, de acordo com os princípios gerais comuns às legislações dos Estados-Membros.
4. Todas as pessoas têm a possibilidade de se dirigir às instituições da União numa das línguas oficiais dos Tratados, devendo obter uma resposta na mesma língua.
A leitura atenta deste dispositivo permite a conclusão de que a positivação do direito foi além do requisitado pelo ombudsman. Tal conclusão deve-se ao fato deste artigo ser o único, na Carta de Nice, que prescreve um direito para todas as pessoas , e não apenas para os cidadãos . Para LANZA (2010), há duas razões para tal distinção. A primeira é que o comportamento dos órgãos da União Européia não deve ser diferenciado em função da nacionalidade das pessoas envolvidas. Assim, a garantia deste direito para apenas os cidadãos da União Européia abriria margem a um tratamento diferenciado entre membros e não membros da união.
Segundo, o termo "cidadão" está mais ligado a idéia de uma pessoa natural, enquanto que o direito a boa administração também deveria alcançar as corporações. Isto se deve ao fato de que o número de pessoas jurídicas que lidam diuturnamente com os órgãos comunitários é muito maior do que o de meras pessoas físicas. Desta forma, a utilização do termo "pessoas" torna-se mais apropriado, afastando possíveis ambigüidades.
3. O conteúdo do direito fundamental a boa administração na União Européia
Tendo sido positivado, através da Carta de Nice, resta determinar qual é o conteúdo do direito a boa administração.
Uma primeira fonte que deve ser apreciada nesta busca é a própria Carta. Através da leitura do art. 41, percebe-se que o direito a boa administração engloba um conjunto de direitos procedimentais, que buscam proteger os interesses dos particulares frente aos órgãos da União Européia. Para MENDES (2010), esta forma "guarda-chuva" seria proveniente da origem jurisprudencial deste direito.
Pela fundamentação colocada na Carta de Nice, o direito a boa administração pode ser dessumido do Estado de Direito. Sua inovação reside no fato de que ele transforma alguns elementos objetivos do princípio da legalidade em um direito subjetivo a boa administração.
Em outras palavras, o Estado Moderno tem como um dos motivos para o seu surgimento o estabelecimento da regulação das relações sociais, tanto as horizontais (entre as pessoas) como as verticais (entre as pessoas e o próprio Estado). Desta forma, o Estado estabelece, através de sua atividade legislativa, o procedimento a ser utilizado pelas pessoas para interagir com os seus agentes ou órgãos estatais.
Paralelamente, estas mesmas regras procedimentais estabelecem um padrão de comportamento ou de conduta de como estes agentes/órgãos estatais devem proceder diante daquela situação. É esta justa expectativa da pessoa, de que o Estado se conduzirá de acordo com o procedimento padrão estabelecido pelas normas do Ordenamento Jurídico, que representa o núcleo do direito a Boa Administração. Para LANZA (p. 5, 2010), esse direito
difere dos direitos fundamentais "clássicos", tais como a dignidade humana ou a liberdade de pensamento, consciência e religião, pelo fato de que defende o interesse não apenas reconhecendo a sua existência, mas também estabelece formas e procedimentos que devem ser respeitados pelas instituições públicas2.
Na visão de MENDES (2010), boa administração é um conceito complexo e multifacetado. Para ela, pode-se entender que o direito a boa administração é constituído de três diferentes camadas interconectadas entre si. Numa primeira camada, têm-se as garantias procedimentais que são, primariamente, dirigidas a proteger os direitos substantivos dos que lidam com a administração européia. A infringência destas regras daria azo a uma ação judicial de reparação dos prejuízos causados ou, em último caso, a própria anulação do ato violador.
Em uma segunda camada, enquadrar-se-iam as regras legais que estruturam o exercício da função administrativa. Visam a estruturar o poder discricionário da Administração, para que fique alinhado com a perseguição do interesse público, e garantir o controle dos atos da administração.
Por fim, na terceira camada, temos as normas não legais que definem padrões de conduta, dirigidos a garantir o funcionamento apropriado dos serviços administrativos disponíveis ao público. Tais normas buscam garantir, de forma precípua, a eficiência e a qualidade destes serviços.
MENDES (2010) aponta que esta sistematização reflete a distinção entre as funções subjetiva e objetiva das regras procedimentais. Ou seja, a diferença entre a proteção dos direitos substantivos subjetivos e a perseguição ao interesse público.
4. Direito fundamental a boa administração no Brasil
Conforme visto nas seções anteriores, o direito fundamental a boa administração baseia-se no Estado de Direito. Desta forma, todos os países que assumam esta forma de Estado atribuiriam, à sua população, este direito fundamental.
Olhando para o caso específico do Brasil, o direito a boa administração deve ser visto como um direito implícito, já que não há, no ordenamento jurídico brasileiro, nenhuma positivação dele. Nesta linha de raciocínio, surge, de imediato, a questão da fundamentalidade deste direito, ou seja, será que ele atende aos caracteres mínimos necessários para que o mesmo possa ser visto como um direito fundamental em "terras tupiniquins"?
Para tentar responder a esta pergunta, utilizar-se-á os caracteres, definidos por Robert Alexy, como necessários para que um direito seja positivado entre os direitos fundamentais. Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO (2010) discrimina as características que Alexy entende serem essenciais: universalidade; fundamentalidade; abstratividade; moralidade e prioridade.
Um direito é universal quando pertence a todos os seres humanos. Ou seja, aqueles que são válidos para todos, independentemente de qualquer característica individual da pessoa, seja cultural, religiosa, racial ou do grupo a que se faça parte.
Um direito é fundamental quando protege apenas os interesses e carências essenciais do homem. Desta forma, quando estes objetos de proteção não forem devidamente salvaguardados, estar-se-á diante da possibilidade de morte, padecimento grave ou afetação do núcleo da autonomia.
Um direito é abstrato quando é suscetível de restrição. Tal restrição só pode ser obtida através da ponderação, buscando assegurar que a redução seja mínima ou menor possível.
Por sua vez, um direito é moral quando a sua validade não decorre da sua positivação, mas de que a norma que compõe a sua base seja válida moralmente. E, por fim, um direito é prioritário quando ele tem prioridade em face do direito positivo. Ou seja, as normas ou decisões judiciais que se oponham aos direitos fundamentais são juridicamente viciadas.
Não é necessário muito esforço para comprovar que o direito a boa administração atende a característica da universalidade. De fato, vê-se que o Estado estabelece as regras procedimentais de forma impessoal, pretendendo atingir a sociedade como um todo ou apenas parte dela. Estas mesmas regras geram, no público alvo daquela legislação, uma expectativa de um comportamento estatal padrão. Esta justa expectativa é o próprio núcleo do direito a boa administração, conforme dito alhures. Assim, o direito de cobrar este comportamento padrão caberá a todos àqueles que forem alvo da legislação estatal.
Vê-se que o direito a boa administração visa a proteger o cidadão contra os desmandos dos Poderes Estatais. Resta claro, portanto, a sua fundamentalidade e prioridade. Sem ela, o cidadão estaria à mercê das decisões/atos teratológicos dos Poderes Estatais.
No tocante a abstratividade, não resta dúvidas que a boa administração é passível de sofrer restrições, quando diante de um conflito com outros direito fundamentais. Um exemplo disso são as recorrentes decisões judiciais que alteram a alocação de verbas orçamentárias destinadas para a área de saúde, em face do risco de morte de algum paciente necessitando de uma medicação cara, específica e ainda não prevista no SUS.
Por fim, não se pode negar a base moral que o direito a boa administração possui. Um dos princípios fundamentais que rege a Administração Pública no seu agir diário é, justamente, o princípio da moralidade. Logo, este princípio também permeia a interação entre o Estado e o particular.
Em face do atendimento dos requisitos especificados por Alexy, conclui-se que o direito a boa administração é, de fato, um direito fundamental. Na visão de Juarez FREITAS (2007, p.20), este direito pode ser compreendido como:
o direito fundamental à administração pública eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas.
Pela definição do direito a boa administração, FREITAS (2007) conclui que este direito abriga, em seu bojo, um plexo de direitos subjetivos que englobam o direito a uma administração pública transparente, dialógica, imparcial, proba, respeitadora da legalidade temperada, eficiente e eficaz, além de econômica e teleologicamente responsável.
5. As garantias ao direito a boa administração no Brasil
A afirmação de que o direito a boa administração é um direito implícito, albergado pelo Ordenamento Jurídico brasileiro, implica que este mesmo plexo normativo possibilite a proteção a este direito. Há de se convir que qualquer direito restaria inviável, caso não houvesse mecanismos que garantissem a sua defesa.
De fato, observando a nossa Carta Maior, percebe-se que o sistema de controle, estabelecido pela Constituição Federal é o principal meio de proteção a este direito. Controle, aqui, deve ser entendido na forma ampla, assim como Paulo BULGARIN entende. Para este autor:
Controle da administração pública, em sentido amplo, tem por finalidade precípua a constatação da compatibilização dos múltiplos atos e programas de gestão estatal, tanto nos seus aspectos de regularidade formal como de resultado social, com amplo elenco de vetores normativos, em sua maioria de natureza principiológica, que regem a atuação legítima do poder público. (BULGARIN, 2004, p. 28)
Nota-se, através deste conceito, que a verificação dos atos de gestão é bem mais ampla, possibilitando até a mensuração da efetividade das medidas adotadas com relação à perseguição do interesse público.
Neste ponto específico, deve ser destacado importante papel exercido pelas Cortes de Contas (TCs). A atual Constituição Federal aumentou, e muito, as atribuições destes tribunais. Segundo o seu art. 70, compete a elas realizarem a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial.
Em especial, a auditoria operacional (ou auditoria de natureza operacional - ANOP) tem, por fim, verificar se os resultados obtidos pela entidade fiscalizada estão de acordo com as metas e objetivos previstos. Para o TCU, esta auditoria pode ser dividida em duas modalidades: a Auditoria de Desempenho Operacional , que objetiva examinar a ação governamental quanto aos aspectos da economia, da eficiência e da eficácia; e a Avaliação de Programa , que busca examinar a efetividade dos programas e projetos governamentais. Gustavo LIMA (2010, p. 73) coloca que "a ANOP é a maneira através da qual os TCs fiscalizam a boa aplicação dos recursos públicos, analisando o desempenho da administração pública, mensurando e comparando os resultados alcançados com os resultados planejados nos programas de governo". Tal verificação, acrescida com a auditoria formal da legalidade, garante a verificação da concreção do direito fundamental a boa administração.
Assim, os TCs passam a zelar, não apenas pela obediência à legalidade, mas também pela efetividade dos atos de governo, em atingirem o interesse público. LIMA traz um interessante caso prático, o julgamento das contas do Fundo Municipal de Saúde de Caetés - exercício de 2003, que reflete tal tendência:
Nessa auditoria, além de se analisar o cumprimento dos procedimentos legais nas despesas públicas realizadas, observaram-se os indicadores de qualidade do atendimento à saúde da população.
A análise operacional demonstrou que, apesar de o Município cumprir o limite constitucional de gastos com a saúde, acabou contratando com a rede privada diversos serviços disponibilizados pelo SUS, além de priorizar os gastos com procedimentos de alta complexidade a custos elevadíssimos, beneficiando apenas uma pequena parcela da população, em detrimento do atendimento básico ao maior número de cidadãos.
Tudo isso resultou no recrudescimento do índice de mortalidade infantil, diminuindo as ações de prevenção do câncer de colo de útero, não atendimento das metas estabelecidas pelo Programa da Saúde Familiar, levando o Município de Caetés a ocupar o penúltimo lugar do ranking do IDH pernambucano.
A rejeição das contas levou em consideração que a escassez de recursos públicos exige dos administradores o dever de eficiência, atendendo igualitariamente o maior número de pessoas possível. (LIMA, 2010, p. 53)
6. Gestão como dever do Estado em face do direito à boa administração
Até este momento, levou-se em conta, apenas, a visão do ponto de vista do particular. Como se sabe, o principal objetivo dos direitos fundamentais é conferir, aos indivíduos, uma posição jurídica de direito subjetivo, com vistas a limitar a atuação dos poderes estatais. Assim, o que para o indivíduo constitui um direito fundamental, para o Estado, ter-se-á um dever de fazer ou de abster-se de fazer algo.
Cabe, portanto, responder a uma pergunta: sabendo que a boa administração é um direito fundamental, qual o dever "fundamental" que ele gera para o Estado? Para FREITAS, ele vincula o Estado com o "dever de observar, nas relações administrativas, a cogência da totalidade dos princípios constitucionais que a regem" (FREITAS, 2007, p. 20). Praticamente, o doutrinador gaúcho, com este posicionamento, apenas reforça o papel da legalidade, ao qual a Administração está jungida.
Neste ponto, acreditamos que o Estado tem um dever muito mais importante para a garantia da efetividade dos direitos fundamentais do que o mero obedecimento aos princípios constitucionais. Cabe a ele prover os meios necessários para que estes direitos concretizem-se. Tal só pode ser feito através da gestão apropriada dos recursos públicos.
Pode-se ver este dever da boa gestão como um complemento natural do trabalho de José NABAIS (2010). Nele, o autor português demonstra uma realidade inexorável: todos os direitos fundamentais possuem um custo financeiro associado. Disto decorre que os direitos não subsistem em um estado falido ou financeiramente incapacitado. Assim, para a garantia de uma efetividade mínima dos direitos, faz-se mister que os membros da sociedade cumpram com os seus deveres fiscais.
Complementando esta idéia, de nada adianta ter um estado marcadamente arrecadador, que aufere vultosas rendas, se ele não as gere de forma apropriada. Uma gestão pobre tende a sufocar o desenvolvimento do país e a impedir qualquer tendência de concreção dos direitos fundamentais, especialmente os sociais. Nesta situação, os direitos perdem a sua natureza de fundamental e viram privilégios concedidos pelo Estado.
Tal realidade, os brasileiros sentem na própria pele. A nossa carga tributária é uma das maiores do mundo. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), a carga tributária brasileira, em 2009, correspondeu a 35,02% do PIB3, ou seja, cerca de 1,09 trilhões de reais. Em termos per capita, cada brasileiro pagou cerca de R$ 5.706,36 em tributos naquele ano. Tal valor equivale a mais de 12 vezes o salário mínimo vigente no período de análise (R$ 465,00).
Se por um lado, o Estado brasileiro arrecada grandes somas, por outro, a gestão destes recursos não é tão eficiente. Os problemas a serem atacados são muitos. Entre estes, podemos destacar a captura política dos recursos públicos, o baixo nível de transparência e a própria qualidade dos gastos públicos.
Deve-se entender a "captura política" de verbas públicas como sendo a utilização ou concessão de recursos públicos com vistas ao aumento da influência política da autoridade que a libera ou concede, ao invés de se privilegiar o interesse público. Um exemplo disso ocorreu, recentemente, na distribuição das verbas destinadas para a prevenção de catástrofes. O Diário de Pernambuco, em 23 de junho de 2010, noticiou que:
De 2004 a 2009, a Defesa Civil reservou R$ 933 milhões no Orçamento da União para obras preventivas de desastres. Desse total, apenas R$ 357 milhões foram pagos. Mas 37% desse dinheiro foram parar na Bahia, estado do então chefe da pasta de Integração Nacional, o deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA). Os dois estados mais afetados pelas enchentes desta semana receberam poucos recursos. Pernambuco ficou com 8,9% do total, enquanto a Alagoas foram destinados escassos 0,3%. Em 2010, a situação se mostra ainda pior. A Bahia ganhou mais dinheiro que todos os demais estados juntos (56% do total). Pernambuco ficou com 0,24% e Alagoas não recebeu um único centavo4.
Todos sabem qual foi o impacto desta alocação de recursos. Municípios como Palmares (PE) e União dos Palmares (AL) restaram destruídos. Mais de 5.000 pessoas vivendo, literalmente, na lama, sem nenhuma esperança. Sem dúvidas, houve um aviltamento da dignidade humana.
Outro problema é a falta de transparência dos gastos públicos. Há de ser colocado aqui que transparência não se confunde com publicidade. Satisfaz-se a publicidade com a mera publicação dos atos do poder público nos meios de comunicação. Por sua vez, a transparência visa a garantir que a sociedade compreenda o real significado deste mesmo ato. Em outras palavras, a transparência confere visibilidade ao ato.
Ao dar-se transparência aos gastos públicos, o Estado permite um nível de escrutínio maior, em suas ações, por parte da sociedade. Ao proporcionar o desenvolvimento do controle social, o Estado tende a utilizar o seu poder de forma mais lúcida, diminuindo a carga de arbitrariedade.
A realidade brasileira está longe de ser transparente, apesar de existirem alguns setores públicos onde há uma maior preocupação com esta característica. Na maioria das vezes, temos um despreparo em relação a essa questão, que pode ser atribuída não só à mentalidade/formação dos gestores públicos, de modo geral, como a baixa concepção de cidadania que grassa no seio da nossa sociedade.
Se por um lado os gastos públicos não são transparentes, por outro, há uma baixa qualidade dos mesmos. As despesas efetuadas deveriam coadunar-se com as metas e atividades de planejamento público e a formulação de políticas sociais em diferentes áreas de atuação (saúde, educação, segurança pública, entre outras). O objetivo final seria a elevação do nível de bem-estar da população.
No entanto, a realidade aponta para uma direção diametralmente oposta. Há uma verdadeira falência generalizada dos serviços públicos. Por exemplo, a educação míngua à falta de recursos. De há muito tempo que o setor de segurança pública beira o caos. A violência se espalha, tornando-se um problema comum tanto nos centros urbanos como nos rurais.
Outrossim, a aquisição de bens e serviços por parte do governo é demorada, custosa e ineficiente. Entre os fatores apontados como geradores deste problema, pode-se destacar o próprio procedimento licitatório. Devido a sua importância e os problemas que ela carrega em si, deixar-se-á para atacar em uma seção específica.