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Arresto (ou embargo) cautelar na perspectiva do processo sincrético em grau máximo

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7. Brevíssima notícia sobre arresto cautelar no anteprojeto do novo CPC: a consagração (parcial) do processo sincrético em grau máximo e a abolição do processo cautelar autônomo

O Anteprojeto do novo CPC apresentado em junho de 2010 pela Comissão de Jurista instituída pelo Ato nº 379/2009 do Presidente do Senado Federal, acertadamente aboliu o processo cautelar autônomo.

A norma projetada organiza o Código com uma Parte Geral e nela trata as tutelas de urgência – e também as de evidência –, inclusive sistematizando o respectivo procedimento, seja em se tratando de requerimento antecedente ou incidental. Quanto às tutelas de urgência, cautelar e satisfativa, deliberadamente lhe dá regime procedimental comum. O anteprojeto, corretamente, não prevê procedimento típico para a obtenção do arresto cautelar.

É evidente que a medida de arresto (ou embargo) cautelar continua a ser possível na norma projetada, eis que reflexo da tutela de urgência. Mas isso se dá sem o casuísmo das causae arresti tratado no art. 813 do CPC-73, em que pese o fato, como dissemos acima, de jamais este dispositivo ter sido visto pela doutrina ou jurisprudência encerrando hipóteses taxativas.

A conclusão a que se chega é que a idéia de processo sincrético em grau máximo defendida neste texto está, parcialmente, representada no anteprojeto, que não mais prevê ou exige processo cautelar autônomo para a obtenção de medidas típicas dessa natureza. E dissemos que está parcialmente representada porque a norma projetada continuou a prever a divisão do processo jurisdicional, agora em forma bipartida, em "processo" de conhecimento e "processo" (autônomo) de execução.

Seja como for, a vingar o anteprojeto, o arresto cautelar poderá ser inequivocamente pleiteado e obtido através de tutela de urgência no curso de um processo já instaurado, sem que se tenha de instaurar um processo (cautelar) autônomo para sua concretização. É um processo sincrético em grau máximo nos moldes em que defendemos nessas linhas, assim nos parece.


8. Fechamento.

É chegada a hora da síntese conclusiva.

Atualmente, o que será de conhecimento, de execução ou de urgência será a tutela jurisdicional, e não mais o "processo", tal como – ainda – está sistematizado no nosso CPC na perspectiva da divisão ternária que lhe deu o legislador de 1973.

Se atualmente, num único "processo", é possível obter tutela cognitiva, tutela executiva (cumprimento de sentença) e tutela de urgência (antecipada/cautelar ou antecipada/satisfativa), parece óbvio que não mais é cabível as denominações tradicionais: "processo" de conhecimento, "processo" de execução e "processo" cautelar. Hoje, já é possível que se vislumbre o meio pelo qual a jurisdição será exercida simplesmente como um processo jurisdicional civil, sem qualquer acréscimo de substantivo.

Se se convencionou chamar de processo sincrético o processo em que se tem cognição e execução numa única base de trabalho – recitus: num único processo –, então nos parece perfeitamente legitimo aceitarmos que num único "tipo" de processo é possível, além de cognição e execução, também a urgência. Essa é uma constatação absolutamente pragmática que se extrai do sistema que operamos todos os dias no foro.

A esse fenômeno chamamos de processo sincrético em grau máximo, já que através dele é possível manejar os elementos que nos viabilizam a tutela jurisdicional de cognição, de execução e de urgência.

E se assim o é, um "processo" com essas características (sincrético em grau máximo) certamente servirá para que se tutelem situações arrestáveis, o que apenas reforça a atual inutilidade funcional do processo cautelar autônomo do Livro III do CPC.

Seguimos forte nessa crença.


Notas

  1. Neste sentido, cf. YOSHIKAWA, Eiji. Musashi – A histórica do mais famoso samurai de todos os tempos, vol. I. São Paulo: Ed. Estação Liberdade, 10ª edição, 2004, p. 54, nota 14.
  2. A co-autora deste texto será aluna do Professor Sérgio Shimura no 2º semestre de 2010 no curso de mestrado da UniFieo e aproveita a oportunidade para, pessoalmente, também externar sua homenagem a esse importante professor-processualista que já faz parte do história do processo civil brasileiro.
  3. Cf. BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Doutrina e prática do arresto ou embargo, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1976. Pp. 22-37.
  4. Ver RAMOS, Glauco Gumerato. "Tutelas de urgência e inutilidade funcional do processo cautelar autônomo (CPC, Livro III)", em Temas atuais das tutelas diferenciadas – Estudos em homenagem ao Professor Donaldo Armelin, coords.: CIANCI, Mirna, QUARTIERI, Rita, MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro, GIANNICO, Ana Paula Chiovitti São Paulo: Ed. Saraiva, 2009. pp. 311-317.
  5. Cf. SHIMURA, Sérgio. Arresto cautelar, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005, 3ª edição, pp. 39-50.
  6. Idem, p. 49. No mesmo sentido, sustentando que medidas cautelares como arresto e seqüestro necessitam do processo cautelar autônomo, cf. DONOSO, Denis, "Fungibilidade entre as tutelas de urgência – Um ‘passeio’ pelas tutelas jurisdicionais na perspectiva da tutela diferenciada", em Temas atuais das tutelas diferenciadas – Estudos em homenagem ao Professor Donaldo Armelin, coords.: CIANCI, Mirna, QUARTIERI, Rita, MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro, GIANNICO, Ana Paula Chiovitti. São Paulo: Ed. Saraiva, 2009. pp. 129-156.
  7. Dado o objetivo do arresto, e sua vocação para transformar-se e penhora, é evidente que os bens impenhoráveis estão fora de usa incidência. Neste sentido, BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Curso de processo civil, vol. 3. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000, 3ª edição, p. 227.
  8. Cf. MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Processo cautelar, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008, p. 205.
  9. Cf. BAPTISTA DA SILVA, Ovídio, Doutrina e prática..., p. 10
  10. Cf. PONTES DE MIRANDA, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo XII, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1976, p. 110, "d".
  11. Conforme lembra OVÍDIO, com suporte em Pontes de Miranda, op. cit., p. 10.
  12. Op. cit., p. 107.
  13. OVÍDIO: "Por isso seria temerário afirmar que o direito romano conhecia já o arresto, como nós o concebemos hoje; assim como seria igualmente exagero indicar-se o aresto do direito medieval como sua origem exclusiva.
  14. Não houve um corte histórico no desenvolvimento dessa forma de tutela jurídica que nos autorize a suprimir a influência do direito romano na formação do arresto moderno, fazendo-o derivar, inteiro, de instituições jurídicas medievais, como afirma PONTES DE MIRANDA (História e Prática do Arresto, pág. 27).

    Aliás, utilizando-se os próprios conceitos do nosso eminente jurista, pode-se afirmar que tanto as cauções pretorianas do direito romano como a penhora extrajudicial do direito intermédio continham relevante função cautelar, enquanto dispunham de eficácia mandamental, ao lado, porém, da função executiva aparente da penhora arbitrária.

    Como é evidente, contudo, a moderna concepção do arresto, como pretensão meramente assegurativa, desvinculada de qualquer conteúdo executivo, estruturou-se, lentamente, com base não só na concepção medieval, como também utilizando elementos nitidamente romanos ". Cf. Doutrina e prática..., p. 20.

  15. SHIMURA, Sérgio, op. cit., p. 94.
  16. Cf. OVÍDIO, Doutrina e prática..., pp. 29 e 47.
  17. Idem, p. 30.
  18. A doutrina é uníssona em ver nas causae arresti do art. 813 hipóteses meramente exemplificativas e isso refletiu na jurisprudência. Cf. SHIMURA, op. cit., pp. 259-260, THEODORO JÚNIOR, Humberto, Processo cautelar, São Paulo: LEUD, 1999, 18ª edição, p. 191, CÂMARA, Alexandre, Lições de direito processual civil, vol. III, Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2006, 10ª edição, p. 105-106.
  19. Cf., op. cit., pp. 201-202.
  20. Cf. MARINONI e ARENHART, op. cit., p. 201:
  21. Neste sentido, KASER, Max, Direito romano privado. Trad. Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. Lisboa: Fundação Calouste-Gulbenkian, 1999, p. 202. Cf., ainda, GONÇALVES, Carlos Roberto, Teoria geral das obrigações, vol. 2. São Paulo: Ed. Saraiva, 2004, p. 37.
  22. Vale lembrar que as técnicas para obtenção da tutela de urgência estão enfeixadas nos arts. 273, 461, 461-A, e respectivos §§. Tais dispositivos não se repelem; ao contrário, completam-se, na exata dimensão constitucional do papel do Poder Judiciário de atuar para evitar lesão ou ameaça a direito (CR, art. 5º, XXXV).
  23. Cf. MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro. Coisa julgada. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2008, pp. 321-333.
  24. Itálico do original, op. cit., p. 331.
  25. Cf. AMORIM, Daniel Assumpção Neves, RAMOS, Glauco Gumerato, FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima, MAZZEI, Rodrigo. Reforma do CPC. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006, p. 106, nota 12.
  26. Cf. SHIMURA, op. cit., pp. 113-114.
  27. Ver, por todos, ASSIS, Araken, Manual do processo de execução, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001, 7ª edição, pp. 527-528.
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Sobre os autores
Denise de Paula Andrade

Advogada, professora da Faculdade Anhanguera Jundiaí

Glauco Gumerato Ramos

Mestrando em direito processual na Universidad Nacional de Rosario (UNR - Argentina). Mestrando em direito processual civil na PUC/SP Membro dos Institutos Brasileiro (IBDP), Iberoamericano (IIDP) e Panamericano (IPDP) de Direito Processual. Professor da Faculdade de Direito da Anhanguera Jundiaí (FAJ). Advogado em Jundiaí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Denise Paula ; RAMOS, Glauco Gumerato. Arresto (ou embargo) cautelar na perspectiva do processo sincrético em grau máximo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2788, 18 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18517. Acesso em: 23 abr. 2024.

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