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Anotações sobre o crime de furto qualificado pelo emprego de chave falsa

20/02/2011 às 14:55
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O furto qualificado nada mais é que a subtração, para si ou para outrem, de coisa alheia móvel, mediante "particularidades que representem maior gravidade na violação do patrimônio alheio, produzindo maior alarma social, tornando a conduta mais censurável, e por isso mesmo, merecedora de maior punibilidade, quer pelo maior desvalor da ação, quer pelo maior desvalor do resultado" [01]. No caso, será tratado o crime de furto qualificado pelo emprego de chave falsa.

Assim, "qualifica-se também o delito de furto quando o agente se utiliza de instrumento falso, com ou sem a forma de chave para fazer funcionar o mecanismo de uma fechadura ou dispositivo análogo, possibilitando ou facilitando a execução do furto" [02]. Em outras palavras, ante a particularidade do uso de uma chave falsa, seja qual for sua forma, o delito de furto é qualificado, diante do modus operandi utilizado que facilitou a prática do crime.

Por chave falsa entende-se qualquer instrumento – que não o verdadeiro – utilizado para abrir fechaduras. Desnecessário ter o formato característico de chave, bastando que faças as vezes desta. Nelson Hungria considera a chave falsa "a) a chave imitada da verdadeira; b) a chave diversa da verdadeira, mas alterada de modo a poder abrir a fechadura; c) a gazua, isto é, qualquer dispositivo (gancho, grampo, chave de feitio especial) usualmente empregado pelos gatunos, para abertura de tal ou qualquer espécie de fechadura ou de fechaduras em geral" [03].

No mesmo sentido, é o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça: "o conceito de chave falsa abrange todo o instrumento, com ou sem forma de chave, utilizado como dispositivo para abrir fechadura, incluindo mixas, tal como se dá na espécie" [04].

A doutrina majoritária [05] tem-se posicionado no sentido de que a utilização de chave verdadeira não qualifica o crime de furto. Nesse sentido, CELSO DELMANTO E OUTROS esclarecem que "Apesar de alguns julgados em contrário, é pacífico, na doutrina que a chave verdadeira não pode ser considerada ‘chave falsa’" [06]. Corroborando com esse entendimento, CEZAR ROBERTO BITENCOURT acrescenta que "Na verdade, se a chave verdadeira for obtida ardilosamente conseguida pelo agente, a qualificadora será pelo emprego de fraude (art. 155, § 4º, II, 2ª figura); contudo, se aquela for esquecida na fechadura ou encontrada, normalmente, em algum lugar, pelo agente ou por terceiro, indiferentemente, o furto será simples, ao contrário do que sustentava Noronha" [07]. Ainda, "A chave verdadeira encontrada na fechadura ou em local de fácil acesso por descuido do proprietário não configura a qualificadora" [08].

Com relação à perícia, a regra geral [09] é de que, havendo vestígios, é necessário o exame de corpo de delito direto ou indireto, com a finalidade de reconhecer a sua eficiência. FERNANDO CAPEZ adverte que "O STF já teve a oportunidade de se manifestar acerca da necessidade de exame do corpo de delito, direto ou indireto, do instrumento empregado para a execução do crime" [10]. Todavia, em sentido contrário, é o posicionamento do STJ, in verbis: "Despicienda, na espécie, a realização de perícia da chave, visto que devidamente apreendida, depois de encontrada na ignição do automóvel, que somente parou em virtude da interceptação policial" [11].

Tem-se julgado também que incide a qualificadora do emprego de chave falsa ao furto quando utilizado no exterior do carro para abri-lo, mas não configura quando a chave for empregada apenas para movimentar o veículo. Deste modo, pode-se concluir que "Nos casos em que a utilização da chave falsa não é para o acesso a res furtiva mas integra o resultado final do crime, a incidência da norma estará excluída" [12].

O simples fato de o agente estar possuindo/portando a chave falsa não caracteriza a qualificadora do crime de furto, sequer em sua forma tentada. Pode vir a caracterizar contravenção penal [13], mas nunca a qualificadora, pois, no caso, trata-se de um "ato preparatório, teoricamente, impunível" [14].

Por fim, é possível a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela nos delitos de furto qualificado pelo emprego de chave falsa. Contudo, deve-se verificar seus requisitos para a aplicação [15]. Sobre o tema, eis o precedente jurisprudencial: "HABEAS CORPUS. FURTOS (CONSUMADO E TENTADO). OBJETOS QUE SE ENCONTRAVAM NO INTERIOR DE DOIS VEÍCULOS. BENS AVALIADOS EM DUZENTOS E QUARENTA E CINCO REAIS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. Para a incidência do princípio da insignificância, são necessários a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Precedente do STF. 2. A atitude do paciente revela lesividade suficiente para justificar uma condenação, havendo que se reconhecer a ofensividade do seu comportamento, até porque furtou e tentou furtar (foram dois crimes, em continuidade delitiva), mediante o uso de uma chave falsa, vários objetos existentes em dois veículos, avaliados em R$ 245,00 (duzentos e quarenta e cinco reais), valor este acima de meio salário-mínimo e que, portanto, não pode ser considerado ínfimo. 3. No caso do furto, não se pode confundir bem de pequeno valor com de valor insignificante. Este, necessariamente, exclui o crime em face da ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado, aplicando-se-lhe o princípio da insignificância; aquele, eventualmente, pode caracterizar o privilégio previsto no § 2º do art. 155 do Código Penal" [16].

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Assim, pode-se concluir que a chave falsa é aquele instrumento utilizado para abrir fechaduras, independentemente de seu formato. Faz as vezes da chave verdadeira e com essa não se confunde. A chave verdadeira nunca poderá qualificar o crime de furto pela incidência do inciso III do parágrafo 4º do artigo 155 do Código Penal, no entanto, dependendo das circunstâncias em que foi utilizada, pode-se qualificar o crime por um dos elementos do inciso II (abuso de confiança, fraude ou destreza). Embora entendimentos diversos, a perícia é imprescindível, caso haja vestígios, porém, excepcionalmente, pode ser suprida por qualquer meio de prova.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial 3. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. vol. 3.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004. vol. 2.

COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito Penal: parte especial. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

CUNHA, Rogério Sanches. CP Para Concursos. 3. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2010.

DELMANTO, Celso. ET AL. Código Penal Comentado. 8. Ed São Paulo: Saraiva, 2010.

GOMES, Luiz Flávio. Princípio da Insignificância e outras excludentes de tipicidade. Coleção Direito e Ciências Afins Vol. 1. Coord. Alice Bianchini, Luiz Flávio Gomes e William Terra de Oliveira. São Paulo: RT, 2009.

HUNGRIA, Nelson. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentário ao Código Penal. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. Vol.VII.

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: parte especial. 15. Ed. São Paulo: Saraiva, 1979. Vol. 2.

PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. 5. Ed. São Paulo: RT, 2010.

SILVA, Cesar Dario Mariano da. Manual de Direito Penal.: Parte especial arts. 121 a 234. São Paulo: Edipro. Vol. 2.


Notas

  1. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial 3. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. vol. 3. p. 22.
  2. PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. 5. Ed. São Paulo: RT, 2010. p. 522.
  3. HUNGRIA, Nelson. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentário ao Código Penal. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. Vol.VII. p. 46.
  4. STJ. HC 101495 / MG. Rel. Napoleão Nunes Maia Filho. T5. Julg. 19.06.2008.
  5. Contra: "(...) são também falsas as chaves verdadeiras furtadas ou perdidas. Não há como excluí-las da disposição legal. Se o que a lei veda é a abertura ilícita da coisa que representa a custódia, maior razão existe contra o emprego da chave subtraída ou achada, pois já é obtida criminosamente, quer por ter sido furtada, quer por não ter sido devolvida ao dono" (NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: parte especial. 15. Ed. São Paulo: Saraiva, 1979. Vol. 2. p. 251). E também a jurisprudência do STF: "O conceito de chave falsa abrange qualquer instrumento empregado para abrir fechaduras em geral. A chave do próprio agente, quando ilicitamente utilizada, também qualifica o crime de furto" (STF. HC 95014 / RS. Rel. Eros Grau. 2ª T. Julg em 07/10/2008).
  6. DELMANTO, Celso. ET AL. Código Penal Comentado. 8. Ed São Paulo: Saraiva, 2010. p. 564.
  7. BITENCOURT, C. R. ob. Cit. p. 30. Em sentido semelhante: "Assim, se o sujeito consegue subtrair a chave verdadeira par entrar na casa alheia, poderá incorrer na qualificadora de destreza, mas não na de chave falsa" (SILVA, Cesar Dario Mariano da. Manual de Direito Penal.: Parte especial arts. 121 a 234. São Paulo: Edipro. Vol. 2. p. 138)..
  8. COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito Penal: parte especial. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.p. 652.
  9. Art. 158 CPP. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
  10. Art. 167. CPP. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.

  11. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004. vol. 2. p. 385.
  12. STJ. HC 119524 / MG. Rel. Og Fernandes. T6. Julg em 26.10.2010. Em sentido contrário: "PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 155, § 4°, INCISO III, DO CÓDIGO PENAL. QUALIFICADORA. EMPREGO DE CHAVE FALSA. CONFIGURAÇÃO. NÃO APREENSÃO. I - O exame de corpo de delito direto, por expressa determinação legal, é indispensável nas infrações que deixam vestígios, podendo apenas supletivamente ser suprido pela prova testemunhal quando tenham estes desaparecido, ex vi do art. 167 do Código de Processo Penal. II – Esse entendimento deve ser aplicado no que concerne à verificação de ocorrência ou não da qualificadora do emprego de chave falsa no crime de furto" (STJ. HC 138838 / DF. Rel. Felix Fischer. T5. Julg. 17.09.2009) e também STJ. HC 96665 / ES. Rel. Jorge Mussi. T5. Julg. 15.09.2009.
  13. CUNHA, Rogério Sanches. CP Para Concursos. 3. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2010. p. 307. Contra: "O uso de mixa na tentativa de acionar o motor de automóvel, caracteriza a qualificadora do inciso III, do § 4º do art. 155, do Código Penal." (STJ. Resp 906.685/RS. Rel. Gilson Dipp. T5. Julg. 19.06.2007).
  14. Art. 25. LCP. Ter alguém em seu poder, depois de condenado por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quando conhecido como vadio ou mendigo, gazuas, chaves falsas ou alteradas ou instrumentos empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não prove destinação legítima.
  15. BITENCOURT, C. R. ob. Cit. p. 30.
  16. Sobre o assunto, vide GOMES, Luiz Flávio. Princípio da Insignificância e outras excludentes de tipicidade. Coleção Direito e Ciências Afins Vol. 1. Coord. Alice Bianchini, Luiz Flávio Gomes e William Terra de Oliveira. São Paulo: RT, 2009.
  17. STJ. HC 148496 / DF. Rel. Og Fernandes. T6. Julg. 02.02.2010.
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Sobre o autor
Irving Marc Shikasho Nagima

Bacharel em Direito. Especialista em Direito Criminal. Advogado Licenciado. Ex-Assessor de Juiz. Assessor de Desembargador. Autor do livro "Ações Cíveis de Direito Bancário", publicado pela Editora Del Rey. Coautor do livro "Estudos de Direito Criminal", publicado pela editora Urbi et Orbi.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NAGIMA, Irving Marc Shikasho. Anotações sobre o crime de furto qualificado pelo emprego de chave falsa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2790, 20 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18532. Acesso em: 5 nov. 2024.

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