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Regime jurídico do ecoturismo e o papel do Ministério Público em sua defesa e controle

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11/03/2011 às 12:12
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4. CONCEITO DE ECOTURISMO

Antes de traçar-se o conceito de ecoturismo é importante que se faça uma incursão sobre alguns números do turismo no mundo e no Brasil, visando a demonstração de sua importância, bem como estabelecendo o percentual que o ecoturismo representa nesta expressiva atividade econômica.

Segundo dados do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (Word Travel and Tourism Council – WTTC) e da Organização Mundial do Turismo (OMT), o turismo é a principal atividade econômica do mundo, superando a indústria do automóvel, aço, eletrônica, petrolífera e agricultura, atingindo 10,9% do PIB mundial, responsável por 204 milhões de empregos (10% da força de trabalho global), tendendo a crescer 7,5% ao ano nos próximos dez anos (DIAS, 2003, P. 09).

Infelizmente, o Brasil ocupa um modestíssimo 27º lugar no ranking mundial do turismo (OMT, 1999), representando um fluxo de 0,9% de todos os turistas que visitaram outros países no ano de 1999, ficando atrás de países como a Polônia (10º lugar) e a Áustria (11º lugar).

Por outro lado, esta situação tende a melhorar com o implemento de mais infraestrutura e propaganda, fato este já perceptível com os números de 2003, pois, segundo informações da EMBRATUR, houve um aumento de 8,12% de turistas estrangeiros que visitaram o Brasil em relação ao ano anterior (www.senaiturismo.com.br, acesso em 05-04-04).

O ecoturismo, por seu turno, ocupa 20% dos turistas do mundo, sendo uma indústria em franca expansão, tendente a crescer entre 10% e 30% anualmente, percentual bem superior que a previsão do crescimento do turismo em geral (7,5%) (LOWE, 07-03-2004, Folha de São Paulo).

Para que se perceba a importância deste segmento dentro do turismo e da economia mundial, basta anotar que a Organização das Nações Unidas declarou o ano de 2002 como Ano Internacional do Ecoturismo, fato este que evidencia a percepção internacional da relevância desta atividade.

A despeito da explosão do ecoturismo ser recente, a história demonstra que suas origens são mais remotas, decorrentes do turismo de natureza e ao ar livre, pois os visitantes que, há um século, chegaram em massa aos parques nacionais de Yellowstone e Yosemite, nos Estados Unidos, foram os primeiros ecoturistas. Aqueles pioneiros caminhantes que se embrenharam por Serengeti há 50 anos, e os aventureiros do Himalaia 25 anos mais tarde eram tão ecoturistas quanto os milhares que hoje fotografam pingüins da Antártida ou participam de safáris ecológicos na África (LEUZINGER, 2002, p. 24).

Objetivando uma melhor visualização sobre a matéria, para que não haja confusão de conceitos, é necessário que se estabeleça a diferenciação entre o turismo de massa, o ecoturismo, o turismo de natureza e o turismo sustentável. Para tanto é esclarecedora a lição de Dias (2003, p. 15 e 107):

"O turismo de massa, ... é caracterizado por um grande volume de pessoas que viajam em grupos ou individualmente para os mesmos lugares, geralmente nas mesmas épocas do ano e constitui-se num dos maiores agressores dos recursos naturais.

O turismo sustentável pode ser definido como o que não compromete a conservação dos recursos naturais sobre os quais se sustenta e que, portanto, reconhece explicitamente a necessidade de proteção do meio ambiente. Busca a manutenção de um equilíbrio entre os três eixos básicos nos quais se apóia: suportável ecologicamente, viável economicamente e eqüitativo desde uma perspectiva ética e social.

O turismo de natureza, no entanto, busca desfrutar os valores naturais de um território, mas não implica, necessariamente, atitude particular dos turistas. O turismo de natureza pode apresentar-se como insustentável. As latas de refrigerantes, garrafas e sacos plásticos deixados em trilhas naturais, nas beiras dos lagos e represas e nas margens dos rios, representam a face mais visível das possibilidades da insustentabilidade desse segmento.

O ecoturismo, segundo uma das definições mais utilizadas, é a viagem responsável que conserva o ambiente natural e mantém o bem-estar da população local. É praticado em pequenos grupos que não deixam relações existentes nos ecossistemas, respeita-las e mantê-las o mais intactas possível, em harmonia com as populações locais. O ecoturismo pode ser entendido como turismo sustentável praticado em áreas naturais."

Observada esta concepção de ecoturismo e diferenciadas as outras modalidades de turismo, é importante observar os princípios elencados pela Declaração de Quebec (2002), elaborada na Conferência Mundial do Ecoturismo, firmada nos seguintes termos:

- contribui ativamente para a conservação do patrimônio natural e cultural;

- inclui as comunidades locais e indígenas em seu planejamento, desenvolvimento e exploração e contribui para seu bem-estar;

- interpreta o patrimônio natural e cultural do destino para os visitantes;

- serve melhor aos viajantes independentes, bem como aos circuitos organizados para grupos de tamanho reduzido.

Destes princípios percebe-se que o ecoturismo configura-se uma modalidade de turismo das mais sustentáveis e responsáveis.

Contudo, a despeito do turismo em geral, e o ecoturismo em particular, haverem inicialmente sido caracterizados como uma indústria limpa, sem geração de degradação ambiental – e ela realmente o é se comparada com outras, como a mineradora, siderúrgica, dentre tantas – o que se percebeu é que os impactos destas atividades podem ser tão ou mais nocivos do que qualquer outra, principalmente em razão de serem elas exercidas, geralmente, em ecossistemas extremamente frágeis e suscetíveis de alterações negativas a qualquer contato humano menos cuidadoso.

Dentre as espécies de turismo, sem dúvida, o turismo de massa é o mais impactante, gerando inúmeros problemas conforme muito bem salientado por Ruschmann, citado por Dias (2003, p. 15):

"O excesso de turistas conduz ao superdimencinamento dos equipamentos destinados ao alojamento, alimentação, transporte e entretenimento, que impreterivelmente ocupam grandes espaços – agredindo paisagens e destruindo ecossistemas. Além disso, a falta de cultura turística dos visitantes faz com que se comportem de forma alienada em relação ao meio que visitam – acreditam que não têm nenhuma responsabilidade na preservação da natureza e na originalidade das destinações. Entendem que seu tempo livre é sagrado, que têm direito ao uso daquilo pelo qual pagaram e que, além disso, permanecem pouco tempo – tempo insuficiente, no seu entender, para agredir o meio natural"

Registre-se, todavia que o fato do turismo de massa ser a modalidade mais impactante ao meio ambiente natural e sobre as populações locais, não quer dizer que não deva ele ser praticado, já que, em verdade, os problemas decorrem de um mal gerenciamento ou descaso das autoridades e empresários desta atividade, e não dela em si.

Ademais, o turismo sustentável – decorrente do princípio constitucional do desenvolvimento sustentável - deve ser buscado em todas as modalidades, inclusive no de massa, conforme ensina Dias (2003, p. 69):

"Importante assinalar que a concepção de desenvolvimento turístico sustentável não considera o turismo de massas como uma realidade irreconciliável com o turismo sustentável. Os princípios de sustentabilidade devem constituir o objetivo principal de qualquer espaço ou produto turístico, em qualquer de seus estágios evolutivos, e não circunscrever-se exclusivamente às manifestações supostamente alternativas como o ecoturismo e o turismo rural. Na realidade, eles são mais necessários exatamente em espaços turísticos consolidados, com maiores níveis de pressão ambiental, onde a estabilidade socioeconômica em grande medida dependerá da evolução positiva e equilibrada (sustentável, portanto) da atividade turística."

Até mesmo o ecoturismo, quando operado de forma descuidada ou extremamente ambiciosa, pode ser causador de degradação ambiental pois "quando a procura por uma área natural é intensa, e não há controle e fiscalização, as conseqüências poderão ser sérias. Determinadas espécies de animais poderão ter seus hábitos modificados, em função da presença constante de serem humanos. O principal desafio do ecoturismo é acertar o equilíbrio entre a conservação e o turismo" (FERRETTI, 2002, p. 119).

Os impactos do ecoturismo mal planejado e executado são muitos, e podem ser citados alguns casos, como o do Parque Nacional de Chobe, em Botswana (sul da África), em que a tuberculose foi transmitida por turistas a mangustos da região, provocando duas epidemias. Acredita-se que os animais se infectaram com lixo contaminado deixado pelos visitantes (DIAS, 2003, p. 94). Também houve contágio de gorilas na África oriental por parasitas intestinais, após a chegada do turismo (LOWE, 2004).

Mesmo quando não transmitem doenças, os turistas podem perturbar e prejudicar os animais com apenas sua presença. Pesquisas com golfinhos lideradas pela pesquisadora Rochelle Constine da Universidade de Auckland (Nova Zelândia) revelam que eles ficam mais e mais frenéticos quando há embarcações de turistas presentes, sendo que descansam por 0,5% do seu tempo quando há mais de três barcos na redondeza, contra 68% quando há apenas um só barco de pesquisadores (LOWE, 2004).

Estas interferências humanas refletem-se diretamente no comportamento dos animais, prejudicando inclusive sua reprodução.

No Brasil pode ser citado como impacto do ecoturismo o caso do lobo-guará na Serra de Ibitipoca – em risco de extinção - em que animais desta espécie perderam suas características selvagens de caçadores para virarem verdadeiros viras-latas alimentando-se de restos de comida dos turistas ou alimentados diretamente por estes, chegando inclusive a rasgar barracas para buscar comida (DIAS, 2003, p. 141).

Também na região de Bonito, Mato Grosso do Sul, alguns impactos do ecoturismo já são perceptíveis, como no caso do Balneário Municipal em que se percebeu que algumas espécies de peixes (principalmente a piraputanga) alimentadas pelos turistas com salgadinhos industrializados, estão tendo interferência em seu ciclo migratório e acumulando gordura em seu organismo, o que leva à obstrução do canal de reprodução e reabsorção dos óvulos nas fêmeas (informações fornecidas pelo Doutor em Biologia, José Sabino, que faz pesquisas na região).

A situação vem sendo percebida e controlada em alguns países, havendo inclusive o México criado áreas especiais para desenvolvimento desta atividade, conforme percebe-se da lição de Edgard Baqueiro Rojas (1997, p. 91):

"La actividad turística, que es uma fuente de riqueza y empleo, es también materia de regulación especial por el impacto ecológico que la afluencia de visitantes en forma masiva y por periodos concretos produce en las poblaciones, por lo que, para prevenir problemas, se ha creado el concepto de área turística con una regulación específica, que busca conservar los atractivos que permitan la estancia y fomenten la concurrencia de visitantes."

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Contudo, mesmo com todos estes problemas – que devem ser monitorados, administrados e sanados – o ecoturismo ainda é a melhor saída de desenvolvimento econômico para inúmeras regiões, não podendo ser desestimulado ou recusado, sob pena, inclusive, de agressões ainda maiores ao meio ambiente.

Não se pode esquecer que, se hoje, os ecoturistas participam na África de safáris fotográficos, antes, outros viajantes iam ao local para caçar estes mesmos animais. De igual maneira, se atualmente os ecoturistas vão às praias catarinenses (principalmente em Ibituba) para visitar e avistar em embarcações as baleias francas, em período anterior este animal chegou próximo à extinção em razão de sua caça indiscriminada pelas populações locais e por barcos internacionais.

O ecoturismo na verdade é um grande aliado na conservação do meio ambiente, pois, a partir do momento em que os atores do processo (governantes, comunidade local, empresários, trabalhadores, etc.) percebem que seu sustento depende diretamente da manutenção daquele ecossistema equilibrado, passam a ser os maiores defensores deste patrimônio.

Dados do Instituto de Ecoturismo do Brasil (IEB) revelam que o Quënia obteve US$ 400 milhões em 1988 com o turismo (sua atividade mais rentável). Inclusive, avaliação feita por este país dá conta que um leão vivo no Parque Nacional Amboseli vale US$ 27 mil anuais, enquanto o valor de uma manada de elefantes é de US$ 610 mil (NEIMAN, p. 155).

Assim, fica evidenciado que além de ser uma atividade altamente rentável, o ecoturismo é um grande auxiliar na manutenção do equilíbrio ambiental, mostrando-se como atividade refletora do princípio do desenvolvimento sustentável, um dos objetivos principais da Política Constitucional do Meio Ambiente.

No Estado de Mato Grosso do Sul, há legislação específica sobre o ecoturismo (Lei Estadual n. 2.135, de 14 de agosto de 2000), sendo que em seu art. 2°, conceitua a atividade:

"Art. 2° O Ecoturismo, de que trata a presente Lei é entendido como sendo segmento da atividade turística que utiliza de forma sustentável o patrimônio natural e cultural, incentivando a sua conservação e buscando a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem estar da população."

Tal lei em seu artigo 4°, estabelece como princípios das atividades do ecoturismo, dentre outros, o uso sustentável dos recursos naturais, a manutenção da diversidade biológica, o envolvimento das comunidades locais, consulta ao público e atores envolvidos, o marketing turístico responsável e a redução do consumo supérfluo e desperdício.

Desta forma, no Estado de Mato Grosso do Sul, foi exercida a competência legislativa em matéria de turismo, devendo os empresários que desenvolvem esta atividade respeitarem tal regulamentação.

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Sobre o autor
Luciano Furtado Loubet

Pós-Graduado em Direito Ambiental pela UNIDERP – Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal. Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso do Sul. Ex-Juiz de Direito no Estado do Acre. Especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOUBET, Luciano Furtado. Regime jurídico do ecoturismo e o papel do Ministério Público em sua defesa e controle. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2809, 11 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18654. Acesso em: 16 nov. 2024.

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