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Regime jurídico do ecoturismo e o papel do Ministério Público em sua defesa e controle

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11/03/2011 às 12:12
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5. REGULAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL DO TURISMO

A regulamentação do turismo na Constituição Federal é bastante tímida, restringindo-se o artigo 180, mencionar o seguinte:

"Art. 180. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão e incentivarão o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico."

Percebe-se de forma clara que a norma em questão é programática, ou seja, estabelece diretrizes a serem seguidas pelo Poder Público, o qual deverá incentivar e promover o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico.

Ao comentar este artigo, o Professor José Cretella Júnior (1988, p. 4162) tece os comentários a seguir:

"Relevante fonte de divisas para o país, bem como fator importante para indústria, comércio, atividades hoteleiras, novos empregos, o turismo recebe no Brasil, pela primeira vez, distinto tratamento constitucional, mas sem sanção e, pois, de importância relativa, verdadeira letra mora, norma programática de mera recomendação, sem maior repercussão, que ‘aconselha’ as pessoas jurídicas públicas políticas, das várias esferas, à promoção e ao incentivo do turismo."

Em que pese a argumentação do professor, não podemos concordar com seu posicionamento, pois, conforme ensina Luís Roberto Barroso (2003, p. 121), a norma programática não é destituída de força jurídica; ao contrário, tem ela o conteúdo negativo de vedar a edição de leis ou atos administrativos que venham contrariá-la.

Portanto, em relação ao turismo, qualquer norma que venha contrariar ou embaraçar tal atividade sendo editada por um dos entes da administração, está sujeita a ser questionada e invalidada pelo Poder Judiciário em razão de ferir a Constituição Federal.

Neste sentido Marcos Pinto Neto (2001, p. 45) comenta que "se o Estado criar dificuldades a quem desejar investir no turismo e, portanto, infringir o referido artigo, caberá a ação judicial específica para anular o ato criador da dificuldade, podendo-se entender que a sanção, no caso em tela, seria a decretação do ato como nulo, com a conseqüente permissão ao investimento para aquele empreendedor prejudicado."

Desta forma, não se pode olvidar da importância desta norma constitucional, sendo evidente, contudo, que o melhor seria a Carta Magna haver regulamentado com mais detalhes a atividade.

No que se refere à competência dos entes federados em relação ao turismo, lembre-se que a mesma divide-se em material e legislativa.

A competência material neste caso é a comum, decorrente do que está expresso no art. 23, III, IV e V, da Constituição Federal, competindo à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, proteger os bens turísticos.

A competência legislativa, por seu turno, é concorrente entre União, Estados e Distrito Federal (art. 24, VII, VIII e IX, da CF), sendo que os Municípios também poderão suplementar a legislação federal e estadual, além de regulamentar esta atividade nos casos de interesse local (art. 30, I e II, da CF).

Ressalte-se que em relação aos Estados, desde a Constituição Federal anterior o Supremo Tribunal Federal já se posicionou que este tem competência para legislar sobre áreas de interesse turístico, visando à proteção do patrimônio paisagístico (RE 105.634-7 – DJU 08/11/85)

Sobre os argumentos que embasam a possibilidade do Município legislar em matéria de turismo – por estar este dentro do meio ambiente cultural – remete-se o leitor ao que já foi dito acima em relação à competência legislativa em relação ao patrimônio cultural.


6. NATUREZA E REGIME JURÍDICO DO BEM TURÍSTICO

Após apresentados os conceitos de meio ambiente e recursos ambientais, e traçadas as considerações sobre o ecoturismo, impõe-se para enfrentamento a questão relativa à natureza e o regime jurídico do bem turístico, mencionado neste ponto como recurso ambiental relativo ao meio ambiente cultural no qual, sob nossa ótica está inserido o turismo.

Justifica-se a inclusão do turismo dentro do meio ambiente cultural por ser ele um bem decorrente diretamente da valoração que o ser humano lhe atribui em razão de algumas características que lhe são inerentes.

Tentando explicitar melhor: pode-se verificar que um recurso natural ou artificial (rio, montanha, praia, prédio, monumento), como bem em si, sem valoração do ser humano, não se apresenta como bem turístico. Para que adquira esta característica, necessariamente deverá receber valoração pelos seres humanos que, admirando estes recursos, tenham vontade de sair de seus lares para ir até aquele local apreciar sua beleza ou característica peculiar.

Por esta razão, o bem turístico – a despeito de ser um recurso natural ou artificial – inclui-se como elemento do meio ambiente cultural, e por tal motivo rege-se pelos princípios referentes a este.

O art. 216 da Constituição Federal – anteriormente transcrito – em um primeiro momento, não identifica os bens turísticos. Contudo, não se pode olvidar que tal dispositivo, segundo a lição de Fiorillo (2003, p. 193), não é taxativo, podendo contemplar dentro desta noção outros bens e valores.

Outra não pode ser a conclusão pois, em outros pontos da Constituição Federal, a mesma reconheceu expressamente a existência de um patrimônio turístico, conforme se percebe da dicção do artigo 24, VII e VIII, além do artigo 180, em que se determina o incentivo ao turismo.

Pois bem, do que foi mencionado até agora pode-se afirmar que o bem turístico é um recurso ambiental que tem interesse ao meio ambiente cultural (como macrobem), podendo ser material (prédio histórico, rio de beleza cênica, praia) ou imaterial (maracatu, capoeira, culinária, etc.), desde que tenha relevância para levar o ser humano a deslocar-se de seu local de origem para visitá-lo ou com ele interagir.

Sendo o bem turístico uma espécie de recurso ambiental, o seu regime jurídico segue o mesmo sistema já mencionado de todos os recursos ambientais, podendo ser diferente dependendo de quem seja seu titular ou das normas específicas para cada bem.

Portanto, um prédio de valor turístico de propriedade de um particular, tem regime de direito privado, ressalvando-se contudo que seu proprietário não pode agir de forma a apropriar-se com exclusividade deste, a ponto de prejudicar o macrobem ambiental cultural.

Assim, pode o proprietário do prédio vendê-lo, alugá-lo, hipotecá-lo, etc., mas não pode demoli-lo, alterá-lo, de forma a prejudicar sua função turística e, conseqüentemente, prejudicar o meio ambiente cultural.

Desta forma, o ponto característico dos bens turísticos – como recursos ambientais que são – é justamente serem eles bens de interesse público, nos estritos moldes do que já foi exposto no capítulo referente aos recursos ambientais.

Interessante registrar que, um mesmo bem (p. ex. mata ciliar) pode ser considerado recurso natural – na medida em que tem interferência no ecossistema local – como também pode evidenciar-se como recurso turístico – na medida em que serve como paisagem para o desenvolvimento cultural das pessoas que ali freqüentam em busca de lazer.

Justamente por serem de interesse público, devem estes bens serem respeitados quando das políticas e atividades turísticas a serem desenvolvidas, principalmente em relação ao patrimônio artístico, arqueológico e cultural (BADARÓ, 2003, p. 119).

Exemplo interessante de proteção ao bem turístico é trazido por Patrícia Azevedo da Silveira(2003, p. 198), ao relatar mandado de segurança do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em decisão datada de 21 de março de 1994, em que se impediu a Apelante de construir um condomínio residencial na Ilha dos Pombos, em São Pedro de Aldeia, no qual além de se reconhecer a competência do Município para legislar em matéria de meio ambiente, vedou-se tais obras em razão do seguinte fundamento na ementa: "a área em questão é patrimônio ambiental ecológico e paisagístico, que deve ser preservado, inclusive como ponto turístico."

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Por fim, resta tecer algumas considerações sobre a expressão patrimônio turístico, mencionada tanto na Constituição Federal (art. 24, VII e VIII), como na legislação ordinária, dentre elas a Lei de Ação Popular, que em seu art. 1º, §1º, dispõe:

"Art. 1º

§1º Consideram-se patrimônio público, para os fins referidos neste artigo, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico."

O professor Joandre Antônio Ferrar (1992, p. 49), ao tratar sobre o tema ensina que "Entende-se por patrimônio turístico o conjunto de bens naturais e culturais que, por suas características intrínsecas, possuem atratividade para visitação"

Pois bem, segundo parece, quando a legislação menciona ser considerado patrimônio público o bem de valor turístico para fins de ação popular, em verdade, está reconhecendo sua natureza de bem de interesse público, e não repassando para a propriedade do Estado todos os bens daquela natureza.


7. DIREITO AO TURISMO

Tratou-se até agora da atividade turística e ecoturística sob o ponto de vista dos bens turísticos (recursos ambientais). Contudo, outra faceta da questão refere-se justamente à existência ou não de um direito ao turismo, como parte do direito ao lazer constitucionalmente garantido.

Ao tratar sobre a equidade no acesso aos recursos naturais, Machado (2003, p. 50), ensina o seguinte:

"A equidade deve orientar a fruição ou o uso da água, do ar e do solo. A equidade dará oportunidades iguais diante dos casos iguais ou semelhantes.

Dentre as formas de acesso aos bens ambientais destaquem-se pelo menos três: acesso visando ao consumo do bem (captação de água, caça, pesca), acesso causando poluição (acesso à água ou ao ar para lançamento de poluentes; acesso ao ar para a emissão de sons) e acesso para contemplação de paisagem."

O turismo nesta visão de equidade sobre o acesso aos recursos naturais está englobado na terceira modalidade citada pelo professor: acesso para contemplação de paisagem.

O fundamento jurídico deste acesso eqüitativo aos recursos ambientais turísticos, deve ser abordado através da análise de sede constitucional referente ao piso vital mínimo e a dignidade da pessoa humana, por ser matéria intimamente ligada ao estudo que se pretende fazer.

O art. 1º, III, da Constituição Federal, dispõe o seguinte:

"Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

...

III – a dignidade da pessoa humana;"

Por outro lado, o art. 6º, da Carta Magna, estatui:

"Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à materialidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."

Este artigo, segundo a moderna doutrina, estabelece o piso vital mínimo que o ser humano deve ter, proporcionado pelo Estado, para que se cumpra o disposto no artigo anteriormente citado: dignidade da pessoa humana. É esta a lição de Fiorillo (2003, p. 55-56):

"Uma vida com dignidade reclama a satisfação dos valores (mínimos) fundamentais descritos no art. 6º da Constituição Federal, de forma a exigir do Estado que sejam assegurados, mediante o recolhimento dos tributos, educação, saúde, trabalho, moradia, segurança, lazer, entre outros direitos básicos, indispensáveis aos desfrute de uma vida digna.

Dessa feita, temos que o art. 6º da Constituição fixa um piso vital mínimo de direitos que devem ser assegurados pelo Estado (que o faz mediante a cobrança de tributos), para o desfrute da sadia qualidade de vida."

Portanto, há ligação indissociável entre o conceito de sadia qualidade de vida previsto no artigo 225 da Constituição Federal e o piso vital mínimo estabelecido entre os direitos sociais previstos no artigo 6º, do mesmo diploma.

Por outro lado, está previsto ali que um dos direitos sociais do ser humano é o acesso ao lazer, o qual contribui para sua sadia qualidade de vida. Inquestionável, por outro turno, que o turismo é uma das formas de lazer mais prazerosas, razão pela qual não se pode negar que a Constituição Federal garante a todos o direito ao turismo, se não de forma explícita, ao menos implicitamente.

Constatada a existência deste direito, seus desdobramentos serão melhor desenvolvidos posteriormente, no capítulo referente ao papel do Ministério Público na defesa do direito ao turismo.

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Sobre o autor
Luciano Furtado Loubet

Pós-Graduado em Direito Ambiental pela UNIDERP – Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal. Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso do Sul. Ex-Juiz de Direito no Estado do Acre. Especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOUBET, Luciano Furtado. Regime jurídico do ecoturismo e o papel do Ministério Público em sua defesa e controle. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2809, 11 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18654. Acesso em: 25 abr. 2024.

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