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Regime jurídico do ecoturismo e o papel do Ministério Público em sua defesa e controle

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11/03/2011 às 12:12

Resumo:


  • O ecoturismo, enquanto regime jurídico, deve ser analisado considerando cada recurso ambiental que o compõe, sob a perspectiva de interesse público e respeitando o equilíbrio ambiental.

  • O Ministério Público tem o papel de fiscalizar a atividade ecoturística, assegurando a conformidade com as normas ambientais e defendendo o direito ao turismo como uma extensão do direito ao lazer.

  • A atividade ecoturística, quando bem gerenciada, alinha-se ao princípio do desenvolvimento sustentável, sendo uma atividade econômica compatível com a preservação ambiental e importante para o desenvolvimento local.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

9. ECOTURISMO EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

Questão intrincada dentro do Direito Ambiental refere-se às atividades permitidas e proibidas dentro das áreas de preservação permanente, as quais têm por destinação primordial a manutenção do equilíbrio ecológico e da saúde humana.

As áreas de preservação permanente estão previstas no artigo 2º do Código Florestal e têm como funções primordiais a proteção dos recursos hídricos através do estabelecimento de faixa de vegetação nativa ao redor de nascentes, lagos, rios, dentre outros; busca-se também a conservação do solo com a preservação de vegetação nos topos de morros, montes, montanhas e serras, bem como em suas encostas nos locais com mais de 45º de inclinação.

Além destas, há também a preservação de bordas de tabuleiros ou chapadas, bem como de toda vegetação existente a uma altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros de altura.

A proteção legal das matas ciliares não é nenhuma novidade, sendo que desde 1797 a rainha Dona Maria I proibiu "o corte de madeiras paus reais em todas as matas e arvoredos à borda da costa, ou dos rios que desemboquem diretamente no mar, e por onde jangadas se possam conduzir as madeiras cortadas até as praias", ficando evidente que o motivo desta proibição era evitar o assoreamento e manter a navegabilidade destes rios (RAMOS RODRIGUES, 2000, p. 189).

Contudo, mesmo a progressão da legislação para proteção das áreas de preservação permanente não foi suficiente para barrar a degradação ambiental e o assoreamento dos cursos d´água, pois a realidade brasileira é recheada de exemplos de empreendimentos, hotéis, clubes, pesqueiros e ranchos que encontram-se às margens de rios, lagos e nascentes sem respeitar a metragem estabelecida por lei, isto sem contar a ausência de matas ciliares decorrente do desmatamento para desenvolvimento de atividade agropecuária.

Tal situação é de extrema gravidade pois a função desta vegetação – dentre outras – é a de proteger do fenômeno da erosão as margens de rios, nascentes, lagoas, reservatórios d´água naturais ou feitos pelo homem, as encostas e topos de morros e serras; garantir reservas de matas nas propriedades rurais e, genericamente racionalizar a exploração dos recursos florestais, visando à sua perenização. (CONTAR, 2004, p. 185)

Necessário ressaltar que a proteção das áreas de preservação permanente – conforme ensina Osny Duarte Pereira (1950, p. 210) – não é feita "... apenas por interesse público, mas por interesse direto e imediato do próprio dono. Assim como ninguém escava o terreno dos alicerces de sua casa, porque poderá comprometer a segurança da mesma, do mesmo modo ninguém arranca as árvores das nascentes, das margens dos rios, nas encostas, ao longo das estradas porque poderá vir a ficar sem água, sujeito a inundações, sem vias de comunicação, pelas barreiras e outros males conhecidamente resultantes de sua insensatez. As árvores nestes lugares estão para as respectivas terras como o vestuário está para o corpo humano. Proibindo a devastação, o Estado nada mais faz do que auxiliar o próprio particular a bem administrar os bens individuais, abrindo-lhe os olhos contra os danos que poderia inadvertidamente cometer contra si mesmo".

O próprio legislador constituinte entendeu a importância das áreas protegidas para a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, tanto que, em seu art. 225, § 1º, III, estabeleceu que tais áreas somente poderiam ter sua destinação modificada ou serem suprimidas por força de lei no sentido formal.

Portanto, não pode o administrador – e muito menos o particular – modificar a destinação de uma área de preservação permanente, e, de igual maneira, não pode desrespeitá-la ou suprimi-la, sob pena de ser responsabilizado por esta conduta.

A dicção do artigo 2º do Código Florestal deixa claro ser protegida a "área" de preservação permanente, e não somente as florestas, sendo que qualquer tipo de vegetação nativa é guarnecida pelo dispositivo legal.

Neste sentido, ao contrário da crença popular, ao longo dos cursos d´água não deverá haver necessariamente florestas ciliares, mas também é possível que os mesmos sejam margeados por vegetação rasteira nativa, sendo que a única vedação é sua substituição por gramíneas ou plantas exóticas (ou seja, que não sejam naturais da região).

Outro ponto a ser abordado em relação às áreas de preservação permanente é que tais restrições fazem parte do direito de propriedade e são condições imprescindíveis para que a mesma cumpra sua função sócio-ambiental.

Tais limitações não são extrínsecas a este direito, mas, ao contrário, fazem parte dele, conforme ensina Antônio Herman V. Benjamin (1996, p. 45):

"Daí que, a rigor, não se pode falar em intervenção (ato de fora para dentro) num direito que, por determinação constitucional, só é in totum reconhecível (= garantido) quando respeitados valores e objetivos (=direitos) que lhe são antecedentes. Eventual ‘intervenção’ ambiental, pois, como regra, opera, não no plano do direito de propriedade em si, mas, já como conseqüência de sua adesão a este, no âmbito do uso que dele faça ou queira fazer o proprietário.

Resumindo, a proteção do meio ambiente, no plano formal da Constituição, não está em conflito com o direito de propriedade. Ao contrário, é parte da mesma relação sociedade- indivíduo que dá à propriedade todo o seu significado e amparo."

Justamente por serem as Áreas de Preservação Permanente e as Reservas Legais limites internos ao direito de propriedade, em nenhuma hipótese são indenizáveis, pois integram a essência do domínio, sendo com o título transmitidas. Não importam, per se, em esvaziamento do conteúdo econômico do direito de propriedade (BENJAMIM, 1996, p. 57).

Estes comentários iniciais traçaram um panorama superficial sobre tais áreas; contudo, para compreensão do tema a ser abordado – ecoturismo em áreas de preservação permanente – é necessário que se ingresse no regime de uso das mesma para se chegar a quais tipo de atividades podem ali ser desenvolvidas.

Para a análise do tema é essencial a leitura do artigo 4º, do Código Florestal e de seus parágrafos terceiro, quarto e sétimo, com a seguinte redação:

"Art. 4º A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.

...

§ 3º O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente.

§ 4º O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor.

...

§ 7º É permitido o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água, desde que não exija a supressão e não comprometa a regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação nativa."

Pelo que se extrai do dispositivo somente poderá haver supressão de vegetação em área se preservação permanente em casos de utilidade pública e interesse social. De outro lado, é possível a supressão de baixo impacto, fora destas hipóteses, desde que haja autorização do órgão ambiental competente.

Em ambos os casos (supressão por utilidade pública ou interesse social e a de baixo impacto), deverão haver medidas mitigatórias e compesatórias em razão da autorização para tal.

Por fim, o acesso à água para pessoas e animais foi autorizado desde que não haja supressão de vegetação, bem como não comprometa a regeneração e manutenção da vegetação nativa a longo prazo.

Com base nestes dispositivos, Paulo Affonso Leme Machado (2003, p. 708) entende que estas florestas não podem ser suscetíveis de quaisquer exploração, sendo vedada a prática de qualquer atividade nestes locais.

Ousamos discordar do referido mestre quanto a este posicionamento, pois, retirar do proprietário a exploração total de uma área, sem que para isto haja uma justificativa ambiental à altura, parece violar o princípio constitucional da razoabilidade, o que tornaria tais dispositivos inconstitucionais.

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Ao analisar as restrições estabelecidas, José Afonso da Silva (2002, p. 176) afirma que esta é "uma restrição muito severa, como se nota. Parece que pelo menos o proprietáiro particular da área e alguns de seus animais devem poder andar nela sem que seja apenas para a obtenção de água. O que ele não pode suprimir ou comprometer é a regeneração e a manutenção da vegetação nativa."

Vicente Gomes da Silva (2002, p. 82), de seu norte, traça críticas ainda mais severa ao regime jurídico das APPs traçado pelo Código Florestal. Confira-se:

"Ora, o direito de ir e vir é constitucional e está muito acima da necessidade de uma norma de hierarquia inferior que permita isso. É evidente que o proprietário, o posseiro, o arrendatário ou qualquer outra forma de domínio sobre o imóvel, garantem o direito de transitar livremente pelo imóvel. Aliás, qualquer cidadão, por exemplo, pode ter acesso á água por se tratar de um bem público, de propriedade da União, logo, de todos os cidadãos do País. É evidente, que há de se permitir o acesso dos animais às águas da propriedade, independentemente de qualquer norma que assim o determine, pois o que não se pode admitir é a destruição da vegetação de forma a comprometer ou acabar com as nascentes."

Portanto, deve-se observar que a função das áreas de preservação permanente são a proteção ao solo, recursos hídricos e manutenção de fauna e flora, sendo que, as atividades que possam se compatibilizar com esta finalidade não podem ser vedadas, sob pena de cerceamento integral do direito de propriedade.

Assim, qual a justificativa para proibir-se a extração de borracha de seringueira às margens de um rio de grande porte (em que a área de preservação permanente pode chegar à 500 metros – art. 2º, a, 5) feita por população tradicional de certa localidade?

Será que a extração controlada de castanhas, mel, ou qualquer outra atividade extrativista de baixo impacto não pode ser realizada em APP sem prejudicar sua função ambiental?

É evidente que a resposta a estes casos é que – respeitada a função ambiental das APPs – podem ser realizadas algumas atividades de baixo impacto ambiental nestas áreas, desde que licenciadas pelo órgão ambiental e que não impliquem em supressão da vegetação ou no seu comprometimento a longo prazo.

Com base nos argumentos acima, fica fácil perceber que a atividade de ecoturismo – devidamente manejada e controlada – pode ser exercida dentro das áreas de preservação permanente.

Exemplo de atividade que pode ser exercida nestas áreas é a de caminhadas por trilhas às margens de rios, bem como a escalada até topos de morros e montanhas, atividades estas que, interpretada a legislação ambiental em sua dicção literal seriam vedadas a qualquer pessoa, inclusive ao proprietário da área.

Todavia é necessário que se ressalte novamente: qualquer atividade a ser exercida dentro de área de preservação permanente, além de estar devidamente licenciada, somente pode ser autorizada se não venha a comprometer a função ambiental das mesmas, função esta que deve estar sempre em primeiro lugar.

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Sobre o autor
Luciano Furtado Loubet

Pós-Graduado em Direito Ambiental pela UNIDERP – Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal. Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso do Sul. Ex-Juiz de Direito no Estado do Acre. Especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOUBET, Luciano Furtado. Regime jurídico do ecoturismo e o papel do Ministério Público em sua defesa e controle. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2809, 11 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18654. Acesso em: 23 dez. 2024.

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