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A responsabilidade civil do médico

01/10/2000 às 00:00
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O primeiro documento histórico que fez referência ao erro médico foi o Código de Hamurabi (1790-1770 a.C.), que trazia também algumas normas sobre a profissão médica na época. O Código rezava que nas operações difíceis de serem realizadas, haveria uma compensação pelo trabalho, bem como exigia muita atenção e perícia por parte dos médicos, pois caso algo saísse errado, penas severas eram impostas a eles. Comparando-se aos dias atuais, verifica-se que não existia o conceito de culpa subjetiva, mas somente objetiva. O médico que causasse a morte ou lesão do paciente, por imperícia ou até má sorte, poderia ser penalizado com a amputação das mãos.

O médico é, portanto, o ser responsável pelo dom de cura, considerado por muitos um "sacerdote", incapaz de cometer erros. Porém, não obstante a acentuada evolução da Ciência Médica, com o desenvolvimento de aparelhos e alta tecnologia, máxime na medicina curativa, o médico não é isento de erro, de causar dano a outrem, razão pela qual muito hospital, assim como profissionais da área têm recorrido aos Contratos e Seguros, este último já muito utilizado nos EUA e iminente em nosso país.


Seguros e Contratos Médicos

O seguro nada mais é que a transferência da responsabilidade civil, de uma pessoa física ou jurídica, para uma Instituição, a qual dispõe de maiores recursos econômicos para prestar o pronto atendimento das indenizações pleiteadas. Desta forma, o seguro passa ao público a idéia de segurança. Lembra-se que este tipo de seguro é denominado seguro mal praxis. Assim, melhor se faz em adotar os órgãos de defesa do consumidor, para mostrar as condições do médico no mercado de trabalho, suas dificuldades e as situações em que são expostos os médicos.

Jerônimo Romanello Neto entende ser "necessária a criação de um seguro para médicos e hospitais que venha, efetivamente, cobrir os danos e prejuízos causados a pacientes por erros decorrentes de tratamentos, intervenções cirúrgicas, diagnósticos, aparelhos médicos, etc. É a forma mais prática de poder o médico prosseguir o seu trabalho com maior tranqüilidade; e poder o paciente, em caso de sofrer dano ou prejuízo, ser real e efetivamente ressarcido. Entretanto, ressalvamos que a lei para esse tipo de seguro deverá conter disposições mais específicas e mais rígidas do que as destinadas aos seguros existentes atualmente em nosso país, pois, do contrário, poderiam as companhias seguradoras eximir-se de sua obrigação de pagar o sinistro ou questioná-las."(1)

Tais seguros excluem os danos estéticos, atos e intervenções proibidos por lei, favorecimento ou conivência com o terceiro reclamante, quebra de sigilo profissional, tratamento radiológico e similares (salvo convenção em contrário), difamação ou calúnia e uso de técnicas experimentais com medicamentos ainda não aprovados pelos órgãos competentes.(2) Contudo, oferecem também cláusulas abusivas como iremos ver adiante.

Há controvérsia em relação ao contrato médico, bem como ao seguro, pois parte da classe considera o prévio reconhecimento da incapacidade/incompetência do profissional, enquanto outros membros da categoria consideram tão–somente um meio de prevenção, considerando, portanto a necessidade de fazer o seguro de responsabilidade civil por dano a terceiro, para que não venham a sofrer um aniquilamento no seu patrimônio quando eventualmente ocorrer dano a um paciente. Ficando, assim, garantido o exercício de sua atividade, bem como a indenização ao lesado. É a melhor forma encontrada para que médicos e pacientes sintam-se mais seguros quanto a riscos de cirurgias, bem como a garantia de que o equilíbrio social será restabelecido quando ocorrer o erro médico. Impende observar que em alguns contratos médicos tem-se a previsão de cláusulas abusivas, através da qual o doente se compromete a não mover qualquer ação contra o profissional, tendo como base algum erro cometido durante determinado tratamento ou cirurgia. Em uma primeira análise, essa cláusula seria nula, uma vez que o corpo humano é indisponível juridicamente, e, portanto, não são válidos os contratos que tenham o Homem como objeto.


Danos e Erros Médicos

A argumentação primordial utilizada pelos médicos e hospitais quanto aos freqüentes danos diz respeito ao despreparo do sistema de saúde, onde se exige bom profissional por uma péssima remuneração, submetendo-os a jornadas de trabalho que chegam a 12 horas diárias, o que contribui para reduzir a produtividade e prejudica a qualidade do serviço prestado; além da exigência de bons atendimentos com poucos e ineficazes recursos, principalmente em atendimentos de urgência e emergência. Obviamente a possibilidade de o paciente sofrer algum tipo de dano é maior quando não há aparelhagens, remédios, enfim, recursos necessários. Entretanto, apenas a má remuneração não é causa ensejadora ou justificante para o erro médico, até mesmo porque esse profissional faz um juramento ao colar grau, devendo, assim, respeitá-lo independentemente de outros fatores.

A responsabilidade civil do médico é uma questão que tem suscitado muitos questionamentos e controvérsias, tomando um corpo maior em sua discussão atual, uma vez que houve maior conscientização dos cidadãos para a reivindicação de seus direitos, razão pela qual tem-se procurado o Poder Judiciário em busca de Justiça, seja esta alcançada de forma patrimonial (indenização financeira) ou não (condenação penal).

Na prática, vem se imputando uma impressionante variedade de erros profissionais, tais como: exame superficial do paciente e conseqüente diagnóstico falso; operações prematuras; omissão de tratamento ou retardamento na transferência para outro especialista; descuido nas transfusões de sangue ou anestesistas; empregos de métodos e condutas antiquados e incorretos, prescrições incorretas; abandono do paciente; negligência pós-operatória; omissão de instrução necessária aos doentes, receita ilegível, atestado falso.

Mister se faz salientar que a atividade médica caracteriza-se por ser uma obrigação de meios e não de resultados. Porém, nem sempre são empregados os meios possíveis e adequados para que possam ser atingidos os melhores resultados. É quando o médico age com imprudência, negligência ou imperícia que surge o erro médico.

Sendo obrigação de meio, o profissional deve empenhar-se de todas as maneiras, segundo seus conhecimentos técnicos ao seu alcance para atingir um resultado, sem, no entanto, ficar vinculado à sua obtenção. Já a obrigação de resultado requer do profissional o alcance de um fim, sem o qual ter-se-á o descumprimento contratual.


Culpa Médica e sua prova

Para se atribuir ao médico a responsabilidade sobre um ato danoso, é necessário que ele tenha deixado de cumprir com seus deveres, que são: dever de informar e aconselhar; dever de assistir; e, dever de prudência. De modo que o médico que violar um desses deveres estará agindo com culpa. Esta, para sua caracterização, deverá conter um ou mais dos seguintes elementos: imprudência, negligência e imperícia.

Consoante à culpabilidade médica, os danos a serem reparados por este, podem ser classificados em físicos, materiais e morais (subdividem-se em estéticos e puramente morais), de maneira que ao quantificar a lesão sofrida, deve-se levar em consideração a extensão dos danos, sua localização, a possibilidade de sua remoção (completa ou parcial), o sexo da vítima, idade, profissão, estado civil, a possibilidade do retorno ao convívio social, dado aspecto repugnante do ferimento, etc. Os danos podem ter origem em ato culposo ou doloso do médico, acarretando uma obrigação de compensação. Assim, a maior parte dos Tribunais do país, admite a indenização do dano moral quando o médico age apenas com culpa. Conclui-se, pois, que a responsabilidade médica está basicamente lastreada no conceito de culpa, em suas diversas modalidades: a culpa por negligência, imprudência e imperícia. Embora existam dificuldades na prova judicial dessa ocorrência, tal fato não deve interferir na conduta médica, a qual deve estar sempre baseada nos deveres de informação e aconselhamento, dever de assistência e de prudência, outrora mencionados.

Ocorrendo falha médica, e comprovada a culpa, incide o dever de indenizar, o qual compreenderá os danos materiais e morais, em seus diversos graus de intensidade e valoração, conforme critérios que a lei e a jurisprudência vierem a fixar. Normalmente a indenização pelo dano moral não é comprovada, ficando ao livre arbítrio do juiz que analisará os fatos circunstanciais, bem como o tipo de constrangimento, dor ou vergonha sofrida pelo paciente.

No caráter indenizatório, a responsabilidade civil, no Brasil, é basicamente definida no artigo 159, do Código Civil(3), é a chamada responsabilidade civil subjetiva, ou seja, aquela que depende, para uma configuração, de um elemento subjetivo, que decorrerá do dolo (ação ou omissão voluntária, quer dizer, o agente atua ou se omite intencionalmente) ou da culpa (negligência ou imprudência, elementos aos quais a doutrina acrescentou a imperícia, quer dizer: o agente não tem intenção direta de atuar indevidamente, mas o faz em razão de um descuido - negligência ou imprudência - ou de uma inaptidão ou imperícia).

Não podemos deixar de comentar sobre a prova da culpa, onde mister se faz a perícia médica, realizada por colega de profissão que visa proteger a classe, o que estaria, por conseguinte, comprometendo o princípio da imparcialidade, razão pela qual diz-se existir a "máfia de branco".

No direito processual brasileiro, o ônus da prova incumbe a quem alega, vale dizer, entretanto, que a prova caberia sempre ao paciente ou vítima. No entanto, é notório que o médico possui melhores condições de fornecer as provas necessárias à instrução processual, uma vez que detém o conhecimento técnico e possui fácil acesso ao prontuário e exames do paciente. O prontuário, aliás, deve ser requerido pelo autor e, se negada a sua exibição em juízo, permitirá ao julgador admitir como verdadeiros os fatos narrados pelo mesmo.

Por essas razões, em situações especiais, como prevê o Código do Consumidor, pode o juiz inverter o ônus da prova, transferindo ao médico a incumbência de provar que agiu sem culpa. Neste caso, caberá ao paciente somente o encargo de provar que determinado serviço não foi prestado da forma como deveria ter sido.


Omissão de Socorro

Neste trabalho, imprescindível se faz comentar sobre a omissão de socorro médico que trata da impossibilidade da negativa de atendimento do médico, ou seja, se o médico recebe chamado para atender ao paciente, não poderá recusar atendimento se no local em que se encontrar inexistir outro profissional do ramo, ou hospital, ou,ainda, se for ele o único especialista que o caso exigir. Interessante se faz mencionar o artigo 58 do Código de Ética Médica onde é vedado ao médico "deixar de atender paciente que procure seus cuidados profissionais em caso de urgência, quando não haja outro médico ou serviço médico em condições de fazê-lo".

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Configuram-se como omissão de socorro: "médico que alega estar de folga, recusando prestar assistência quando não existe outro na localidade; a recusa de tratar o paciente em perigo de vida que não tem recursos para o depósito prévio; a alegação de não existir, entre o hospital e o periclitante, convênio com a sua instituição assistencial"(4) A omissão é tratada pelo Código Penal Brasileiro em seu artigo 135, porém não é obrigatória a assistência se houver perigo de dano físico.

Ponto dos mais controvertidos diz respeito às Testemunhas de Jeová, para os quais o sangue de outrem é impuro. A discussão tornou-se maior após a Constituição Federal de 1988, onde o inciso VI do artigo 5º diz ser "inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias".

O médico diante de iminente perigo de vida, mesmo em casos de pacientes "Testemunhas de Jeová", deve realizar o tratamento, ainda que arbitrário, nos moldes do artigo 146, § 3º, I, CP, bem como são aplicáveis os artigos 132 e 135 do mesmo diploma. No campo civil, estaria o médico diante de um caso que exclui sua responsabilidade. Todavia, em caso de omissão de socorro, basta o reconhecimento da culpa para gerar a responsabilidade indenizatória. (5)

Do exposto, conclui-se que, mais do que nunca, é exigível dos profissionais da medicina que procurem atuar sempre com a máxima atenção, certificando-se de que possam sempre demonstrar cuidado constante com seus pacientes, em todas as fases do relacionamento, de modo a afastar qualquer resquício de negligência ou imprudência; além disso, cabe-lhes preocupar-se em se manterem atualizados com os avanços científicos de seu mister, para afastar a pecha de imperícia. Em sua atividade, os médicos lidam com o sofrimento humano, e têm a missão básica de mitigá-lo. Devem poder sempre demonstrar que o fazem com dedicação, zelo e buscando a competência, evitando que se lhes possa atribuir condutas menos cuidadosas que possam ser atribuídas à negligência, imprudência ou imperícia, sob pena de ficarem vulneráveis a responsabilidades pesadas, do ponto de vista profissional e patrimonial. Não se deve esquecer que "a responsabilidade do médico para com a coletividade sempre existiu pelo seu papel transcendente e grave, e a medicina não pode ser comparada a nenhuma outra profissão, pois ninguém tem nas mãos, ao mesmo tempo, a vida e a honra das pessoas".(6)


NOTAS

1. NETO ,Jerônimo Romanello. Responsabilidade Civil dos Médicos, p. 178 e 179.

2. NETO, Miguel Kfouri. Responsabilidade Civil do Médico, p. 20

3. "Artigo 159 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano".

4. FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico, p. 197.

5. Jerônimo Romanello Neto, ob. cit., p. 138.

6. VIEIRA, Luzia Chaves. Texto: Responsabilidade Civil Médica, (http://www.triang.com.br/nafap/luzia.htm)

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Sobre a autora
Márcia Moraes Rêgo de Souza

advogada em São Luís (MA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Márcia Moraes Rêgo. A responsabilidade civil do médico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1868. Acesso em: 23 dez. 2024.

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