Quem avalia os mestres e doutores, que serão professores dos futuros advogados, em nossas faculdades de direito? Ninguém?
Se os dirigentes da Ordem dos Advogados dizem que o seu Exame é necessário, devido à proliferação de cursos jurídicos de baixa qualidade, não seria também necessário um Exame da OAB, para avaliar os mestres e doutores, que são formados por essas mesmas instituições de ensino superior, supostamente de baixa qualidade?
O Exame da OAB é inconstitucional, não resta dúvida. Primeiro, porque não compete à Ordem dos Advogados reavaliar a qualificação profissional do bacharel em direito, que já se encontra certificada por uma instituição de ensino superior, autorizada e fiscalizada pelo MEC, através de um diploma, devidamente registrado pelo próprio Ministério da Educação. Diploma esse que, de acordo com o art. 48 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, terá "validade nacional como prova da formação recebida por seu titular". Também não competiria à OAB ‘regulamentar’ a lei que criou o Exame de Ordem, porque o poder regulamentar compete privativamente ao Presidente da República, nos termos do art. 84, IV, da Constituição Federal. Finalmente, o Exame da OAB é também inconstitucional porque anula a liberdade de exercício profissional dos novos bacharéis em direito, cláusula pétrea da Constituição de 1.988, mas não se aplica aos advogados mais antigos, já inscritos na OAB, nem aos outros profissionais liberais, como médicos, engenheiros, e tantos outros, ferindo, portanto, duplamente, o princípio fundamental da isonomia, consagrado pelo ‘caput’ do art. 5º da Constituição:
"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:…"
No magistério de Celso Antonio Bandeira de Mello,
"Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada." (MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Cursode DireitoAdministrativo. 12ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2000, p. 747/748.)
A violação ao princípio da isonomia, portanto, seria, por si só, mais do que suficiente para fulminar qualquer pretensão de constitucionalidade do Exame da OAB. Os bacharéis em direito são os únicos que não podem exercer a sua profissão liberal, se não forem aprovados em um Exame realizado pela sua própria corporação profissional. Quase 90% deles são reprovados, a cada exame, três vezes por ano...
No entanto, apesar de toda essa robusta argumentação, apesar de todas essas razões jurídicas irrespondíveis, incontestáveis, os dirigentes da OAB continuam defendendo a necessidade de seu Exame, como se o que é inconstitucional pudesse ser necessário, sob a alegação de que existe uma proliferação de cursos de direito, de baixa qualidade, e que muitos dos bacharéis formados por esses cursos não têm a mínima condição de exercer a advocacia. Alguns dos defensores do Exame chegaram a dizer que existe um estelionato educacional, praticado pelas instituições de ensino, que se preocupam apenas com o lucro de seus cursos.
Chegamos, porém, agora, a uma situação inusitada, esdrúxula, ridícula: os dirigentes da OAB aprovaram uma instrução normativa que institui um piso remuneratório para os professores de direito. (VEJA AQUI)
Por essa instrução normativa, os dirigentes da OAB, assumindo uma vez mais a sua vocação sindicalista, decidiram que as próprias Seccionais da OAB, em cada Estado, deverão fixar "um patamar remunerativo que assegure dignidade aos professores de direito".
Não se deve esquecer que muitos desses professores são conselheiros da OAB, em cada Estado, e estarão decidindo, assim, em causa própria, o seu "patamar remunerativo".
Não se deve esquecer, também, que o aumento da remuneração dos professores de direito deverá acarretar, certamente, o aumento das mensalidades que são pagas pelos acadêmicos de direito.
Não se deve esquecer, também, que esses mesmos acadêmicos de direito, depois de cinco anos de estudo, que muitos pagam com dificuldade, e muitos dependem da ajuda do Prouni, ou de financiamentos através do FIES, que deverão ser pagos em no máximo 15 anos após a conclusão do curso, esses mesmos acadêmicos serão depois reprovados pelo Exame da OAB, ficando assim impedidos de exercerem a sua profissão liberal, a advocacia.
Não se deve esquecer, também, que muitos desses professores de direito, cuja dignidade os dirigentes da OAB pretendem resguardar com o aumento de sua remuneração, paga pelos acadêmicos, depois que 90% de seus alunos forem reprovados, serão os primeiros a defenderem o Exame da OAB, dizendo que ele é necessário, devido à proliferação de cursos de baixa qualidade.
Ressalte-se que os professores de direito precisam ser mestres ou doutores, por exigência do MEC, formados, aliás, pelas mesmas instituições de ensino superior que os dirigentes da OAB acusam da prática do já referido estelionato educacional. Ou, então, mestres ou doutores formados em instituições do Mercosul, cujos diplomas terão validade no Brasil, nos termos do acordo de Assunção, de 1.999, aprovado pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo nº 800, de 23.10.2003.
Ressalte-se, também, que muitos dos professores das faculdades de direito são de outras áreas, e não apenas da área jurídica. E muitos professores são bacharéis em direito, mas não são inscritos na OAB, não são advogados, ou porque não querem, ou porque não foram aprovados no Exame de Ordem.
Os dirigentes da OAB se preocupam, portanto, com a remuneração dos professores de direito, com a finalidade, evidentemente, dizem eles, de melhorar o ensino jurídico.
No entanto, por que será que eles não se preocupam em verificar a formação dos mestres e doutores? Será que todos eles estão realmente qualificados para o exercício da docência em uma faculdade de direito? Quem avalia esses mestres e doutores, que serão professores dos futuros advogados? Ninguém?
Se o Exame da OAB é necessário, apesar de inconstitucional, para avaliar os bacharéis em direito, não seria também necessário, apesar de inconstitucional, um Exame da OAB para avaliar os mestres e doutores que serão responsáveis pela formação jurídica dos futuros advogados?
Se os dirigentes da OAB dizem que é necessário o Exame de Ordem, para verificar a qualificação profissional dos bacharéis em direito, e proteger a sociedade contra os maus profissionais, e se o Exame da OAB reprova até 90% dos candidatos, como seria possível que os mestres e doutores, formados por essas mesmas instituições supostamente mercantilistas, estivessem acima de qualquer suspeita, e não fosse necessário, também, um Exame da OAB para os mestres e doutores?
A situação inusitada, esdrúxula, ridícula, portanto, é esta: os bacharéis são avaliados pelo Exame da OAB, mas os mestres e doutores não. O que acontece, na prática, então, é que o bacharel em direito, reprovado no Exame da OAB, pode fazer um mestrado ou um doutorado, no Brasil ou no exterior, e pode, assim, tranquilamente, lecionar em uma faculdade de direito.
Absurdo e ridículo, portanto. Se o bacharel, formado por uma dessas instituições de baixa qualidade, mercantilistas, como dizem os defensores do Exame da OAB, e reprovado nesse Exame, não tem condições, supostamente, de exercer a advocacia, como é que ele pode ser professor dos futuros advogados?
Será que são realmente confiáveis os mestrados e doutorados, dessas mesmas instituições supostamente mercantilistas? Será que são confiáveis os mestrados e doutorados realizados no Uruguai, no Paraguai ou na Argentina? Ou deveria ser criado um Exame da OAB para os mestres e doutores, para que possa ser aperfeiçoado, realmente, o ensino jurídico, como dizem que querem os dirigentes da OAB??
Se esse Exame fosse criado pelo Congresso, é claro que ele seria também inconstitucional, pelos mesmos motivos que contaminam juridicamente o Exame da OAB.
Mas seria necessário, evidentemente, mesmo porque já existem professores de direito em excesso, e está ficando cada vez mais difícil conseguir uma vaga para lecionar em uma faculdade de direito. Hoje em dia, existe uma verdadeira proliferação de mestres e doutores, porque está cada vez mais fácil conseguir um diploma de mestrado e doutorado, quer no Brasil, quer nos países do Mercosul, em cursos de férias, janeiro, julho, janeiro e julho.
Caberia aos dirigentes da OAB, portanto, a iniciativa da elaboração de um anteprojeto de lei, que poderia ser rapidamente aprovado pelo Congresso Nacional, para a criação de um Exame da OAB para os mestres e doutores, tudo, evidentemente, no interesse do ensino jurídico e para proteger a sociedade contra os maus advogados.
Com um pequeno detalhe, porém: esse Exame para mestres e doutores somente seria obrigatório a partir da publicação da lei. Os mestres e doutores antigos ficariam isentos de qualquer avaliação, exatamente como foi feito em relação ao Exame da OAB para os bacharéis em direito, porque os formados antes de 1.996 não foram obrigados a fazer esse exame. Não é justo? Claro que sim, e é também necessário, mesmo porque eu não estaria disposto a me submeter a uma avaliação dessas!
Assim, tendo em vista a necessidade, dane-se, uma vez mais, a Constituição!
O que eu quero, mesmo, é continuar lecionando, por mais uns dez anos, pelo menos, porque depois de 43 anos de magistério, não sei como eu poderia sobreviver sem isso! Não que eu esteja assim tão preocupado com a remuneração do magistério, e com o aumento do "patamar remunerativo" que está sendo decidido pelos dirigentes da OAB, mesmo porque de nada adianta aumentar o valor da hora-aula, se a instituição corta a carga horária pela metade, e entrega ao docente turmas de mais de sessenta alunos. Mas acontece que, depois de 43 anos lecionando, e convivendo com esses jovens, muitos dos quais reconhecem o esforço do professor, eu acho que não poderia mesmo sobreviver sem isso!