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Da necessária restritividade no conceito de ato administrativo discricionário

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Diz-se que determinado ato administrativo é discricionário quando a lei estabelece ao administrador público a faculdade de escolha dentre duas ou mais possibilidades legítimas de atuação, dando ensejo a juízo de oportunidade e conveniência quanto à edição do ato. A correta definição quanto ao que efetivamente se enquadra no prefalado conceito é tarefa das mais importantes à teoria do direito administrativo, sobretudo, em face da discussão acerca do controle judicial da função administrativa.

Com efeito, o aspecto mais marcante do ato administrativo discricionário é a impossibilidade de controle judicial sobre o dito "mérito" do ato, a saber, a valoração dos motivos para a definição de seu objeto. Noutras palavras, em se tratando de ato indubitavelmente discricionário, não cabe ao Poder Judiciário substituir a Administração Pública no juízo de oportunidade e conveniência quanto à edição do ato, vez que estes constituem a própria essência da função administrativa. Com efeito, apreciar o mérito do ato administrativo consistiria na negação da própria razão de ser do órgão executivo, convertendo o Judiciário em Administrador-mor de todos os Poderes do Estado.

Sendo pacífico que não se pode admitir tal circunstância, a doutrina clássica pontuou que são considerados discricionários os atos nos quais a lei expressamente conceda ao administrador a faculdade de edição. Trata-se das situações em que o legislador utiliza a expressão "a critério da Administração" ou "no interesse da Administração", que indicam, para além de qualquer dúvida, que o ato deve ser praticado apenas quando o administrador o julgue conveniente e oportuno, em face da análise de um caso particular. Exemplo clássico de tal realidade jurídica é a conhecida licença sem vencimentos para tratar de interesses particulares, que a Lei 8.112/90 faculta ao administrador conceder ao servidor público:

"Art. 91. A critério da Administração, poderão ser concedidas ao servidor ocupante de cargo efetivo, desde que não esteja em estágio probatório, licenças para o trato de assuntos particulares pelo prazo de até três anos consecutivos, sem remuneração. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)

Parágrafo único. A licença poderá ser interrompida, a qualquer tempo, a pedido do servidor ou no interesse do serviço. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)"

Percebe-se, assim, que não há para o servidor público "direito subjetivo" à concessão da licença sem remuneração. Cabe ao administrador, em juízo de oportunidade e conveniência, concedê-la ou, considerando necessária a presença do servidor para o exercício da função pública, denegar o pedido. O ato é puramente discricionário, não cabendo ao Judiciário apreciar de tal juízo de conveniência, vez que, do contrário, estaria substituindo o Administrador em sua função típica. Importa ressaltar, contudo, que a legalidade do ato permanece passível de controle pelo Judiciário. A finalidade do ato é sempre vinculada, logo, sujeita ao exame judicial. Dessa forma, é possível afirmar que, em que pese não possa o juiz apreciar o mérito do ato administrativo discricionário, tem o dever legal de decidir os "limites da discricionariedade".

Ocorre, porém, que uma segunda - e mais recente - parcela da doutrina tem afirmado se inserirem no rol dos atos discricionários os atos administrativos em que o suporte fático legal se utiliza de conceitos jurídicos indeterminados. Afirma tal corrente que as hipóteses legais em que o ato administrativo depende da valoração de conceitos como "probidade", "boa fé", "conduta escandalosa na repartição" configuram circunstâncias de discricionariedade, consistindo a definição de tais conceitos no mérito do ato administrativo. Sob essa perspectiva, ressalvadas as hipóteses das zonas de certeza positiva e negativa, inerentes aos conceitos jurídicos abertos, não caberia ao Judiciário apreciar o sentido dado pela Administração ao conceito indeterminado (em efetiva zona "cinzenta", de "incerteza" ou de "indeterminação"). Em decorrência, a se tomar como verdadeira tal acepção, estaria o Judiciário proibido de reavaliar o sentido dado pelo administrador ao conceito jurídico indeterminado, sob a alegação de que a interpretação do administrador seria, na realidade, o juízo, no caso concreto, da oportunidade e conveniência do ato. Não é difícil perceber que tal teoria não procede.

De fato, as duas situações que a mencionada doutrina pretende considerar como aptas a caracterizar o ato discricionário são diametralmente opostas. Quando a lei estabelece expressamente que determinado ato se realizará "no interesse da Administração", está-se diante de uma situação de inevitável discricionariedade, circunstância esta necessária à plena consecução da função administrativa. Situação totalmente diversa é quando a lei especifica que determinado ato deva ser praticado quando verificado pressuposto fático definido mediante conceito jurídico indeterminado - porque outro conceito não quis ou não pôde o legislador eleger quando da edição da norma jurídica. No primeiro caso, não há direito subjetivo para o administrado; no segundo, há o direito inquestionável à edição/não edição do ato, quando verificada a situação fática prescrita na norma. O fato de o suporte da norma se compor de conceito jurídico indeterminado é irrelevante para efeito desta constatação. Apesar de definido em termos de conceito indeterminado, há direito subjetivo, que será elucidado por uma tarefa de interpretação do conteúdo da norma.

Note-se, portanto, que não faz sentido considerar como discricionário e - consequentemente, impassível de apreciação de mérito pelo Judiciário - um ato administrativo editado em face de norma que prescreve a obrigatoriedade de sua edição ou não edição quando da verificação de situação de fato, ainda que descrita por conceito jurídico indeterminado. Para ilustrar o que se afirma, considere-se a hipótese de edição do ato administrativo da penalidade de demissão de servidor público, previsto na já referida Lei 8.112/90. Dispõe a legislação:

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"Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:

I - crime contra a administração pública;

II - abandono de cargo;

III - inassiduidade habitual;

IV - improbidade administrativa;

V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;

[...]

XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117."

Depreende-se do texto legal que há um rol taxativo de circunstâncias nas quais é devida a aplicação da penalidade de demissão. Uma delas, prevista no inciso V, utiliza conceito jurídico indeterminado, a saber, "conduta escandalosa" na repartição. Ora, definir o que representa ou não conduta "escandalosa" será determinante para a aplicação ou não da penalidade de demissão. De acordo com a teoria que ora se critica, o fato de "escandalosa" ser conceito jurídico indeterminado faz com que o ato de demissão, pautado nesse dispositivo, seja considerado discricionário, representando a escolha, por parte do administrador, quanto ao conteúdo da expressão "escandalosa" o próprio mérito do ato administrativo de demissão. Trata-se de acepção perigosa e ilegítima, porquanto acabe por conduzir ao afastamento do Judiciário para a apreciação de um direito.

De fato, a norma no art. 132, inciso V, da Lei 8.112/90, ao mesmo tempo em que tipifica uma conduta passível de penalidade, prescreve um direito subjetivo ao administrado: se sua conduta não foi "escandalosa", tem o servidor público o direito subjetivo a não ser demitido. Por conseguinte, caso se considere como discricionário o ato de demissão na hipótese do inciso V do artigo acima transcrito, ter-se-á o afastamento do Judiciário da apreciação de uma possível lesão ou ameaça a DIREITO, o que configura ferimento ao princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal). De fato, não cabe à Administração Pública a última palavra quanto ao sentido de uma expressão contida no texto legal. O Judiciário tem por função típica exatamente isto: dizer o direito, significado literal da expressão "jurisdição", do latim, "jus dicere".

Assim, parece razoável concluir que somente se pode considerar discricionário, apto a impedir a apreciação judicial de mérito, o ato administrativo decorrente de expressa faculdade legal quanto a sua edição. Qualquer disposição legal impositiva da realização ou não realização de ato administrativo deve ser compreendida como definidora de situação vinculada ao administrador, independentemente de se o fato descrito na norma é apresentado com conceito jurídico indeterminado. Uma vez que o texto legal ensejador de ato administrativo discricionário não gera direito, apropriado que se entenda ser a Administração a última instância de julgamento quanto à conveniência da edição. No caso de normas de aplicação nitidamente vinculada, porém, não há que falar em discricionariedade pela mera existência de conceito jurídico indeterminado, cabendo ao Judiciário a última palavra quanto ao conteúdo da norma jurídica e, portanto, quanto à necessidade ou não de edição do ato em um caso concreto. Dessa forma, tem-se por necessária a definição do conceito de discricionariedade de forma estrita, sob pena de violação ao princípio basilar constitucional da inafastabilidade da jurisdição.


REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 13 mar. 2011.

BRASIL. Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8112cons.htm> Acesso em: 13 mar. 2011.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

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Sobre o autor
Cláudio Ricardo Silva Lima Júnior

Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - dupla diplomação. Ex-Assessor da Justiça Federal de Primeira Instância na 5ª Região. Ex-Assessor do Ministério Público Federal na 1ª Região. Atualmente, é Oficial de Justiça do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA JÚNIOR, Cláudio Ricardo Silva. Da necessária restritividade no conceito de ato administrativo discricionário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2823, 25 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18762. Acesso em: 23 nov. 2024.

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