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A nova visão do princípio do contraditório.

Uma breve análise do Código de Processo Civil e do Projeto do novo Código (Projeto de Lei nº 166/2010)

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06/04/2011 às 08:16
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RESUMO

O princípio do contraditório passou a ter uma nova concepção no processo civil a partir do início do estudo do neoprocessualismo. Antes, o contraditório era garantido de maneira superficial à parte, permitindo apenas que se chegasse ao seu conhecimento o litígio, limitando quanto a sua participação ativa no processo. Com a nova visão constitucional do princípio do contraditório, não basta a parte tomar conhecimento da lide, faz-se necessário que se lhe ofereçam instrumentos para que possa influenciar na decisão final do magistrado. Para se adequar a essa nova conjuntura, tramita, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 166/2010, que traz em seu conteúdo, com mais ênfase, vários princípios constitucionais e o principal deles, o do contraditório, que garante, ativamente, às partes sua participação no processo.

PALAVRA-CHAVES: Contraditório; Democracia processual; Participação; Princípio Constitucional; Processo Civil;

SUMÁRIO:1. INTRODUÇÃO; 2. BREVES CONSIDERAÇÕES AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO.2.1. Aspecto formal e substancial3. AS IMPLICAÇÕES DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NO ATUAL CÓDIGO PROCESSO CIVIL E NO NOVO PROJETO .4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.5. BIBLIOGRAFIA.


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo analisar um dos princípios mais importante do direito processual civil, qual seja, princípio do contraditório que antigamente, numa visão simplista, era denominado como o direito da parte ser chamada para tomar conhecimento da lide, conhecido como o aspecto formal.

Devido a nova conjuntura dada ao processo civil, chamada de neoprocessualismo, passa-se a interpretar o direito processual conforme os princípios constitucionais. Surge, então, o princípio do contraditório como um direito fundamental das partes de, efetivamente, participarem do processo, influenciando na decisão final do juiz, que é qualificado como o aspecto substancial.

Importante frisar que o Projeto do Novo Código de Processo Civil (Projeto de Lei 166/2010) que tramita no Congresso Nacional, já traz em seu bojo uma nova concepção do princípio do contraditório, deixando clara a necessidade da participação ativa das partes no processo.

É realizado um estudo sobre alguns dispositivos do atual Código de Processo Civil e do projeto de lei nº 166/2010, demonstrando a imprescindibilidade de o magistrado trazer ao conhecimento das partes todos os fatos que, porventura, forem suscitados em sentença.


2. BREVES CONSIDERAÇÕES AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

2.1. Aspecto formal e substancial

O processo judicial, como relação jurídica complexa e dinâmica, nasce, desenvolve e se exaure, quando alcança sua meta, que é a resolução do litígio, encontrada numa sentença judicial. (THEODORO JUNIOR, 2000, p. 259)

Para que chegue ao final de um processo judicial, é necessário que atos processuais sejam cumpridos, sob pena de nulidade. E o principal instrumento para que esses atos possam ser cumpridos é o contraditório, que, numa visão simplista, nada mais é do que o binômio ciência-participação da parte no processo.

O princípio do contraditório ficou categoricamente consagrado como direito fundamental na Constituição Federal de 1988, no inciso LV, do artigo 5º, in verbis:

Art. 5º. Omissis

[...]

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

De outro norte, a doutrina moderna processualista ensina que o processo civil tem de ser democrático. Essa democracia se manifesta por intermédio do contraditório, que traduz como a participação efetiva das partes.

Na visão clássica, o princípio do contraditório apenas era aceito em seu aspecto formal, que pressupõe em conceder à parte a oportunidade de se manifestar, participar e falar no processo. (DIDIER JUNIOR, 2008, p. 45).

Começou-se, entretanto, a verificar que o princípio do contraditório no direito processual civil era muito limitado, haja vista que a simples manifestação da parte no processo não era suficiente, pois feria o princípio da igualdade e do devido processo legal. Com a mesma amplitude que o direito de ação era oferecido à parte autora, também se tornava necessário ampliar o leque de discussão para a parte adversa.

A crítica levantada a essa visão clássica reside no fato de que as partes não podem ser meros espectadores e sujeitos passivos no processo à espera de uma decisão judicial que advém unicamente de um intérprete do Direito. Se assim for, o ativismo judicial começa a ganhar amplitude. (NUNES, 2004, p. 40/41)

Foi, então, que, diante das proteções constitucionais, iniciaram-se estudos para que o contraditório, quando exercido pela parte contrária, pudesse realmente cumprir o seu objetivo, que é o de influenciar na decisão judicial. Assim, surge o elemento substancial do princípio do contraditório, em que realmente, a parte tem uma participação efetiva e ativa no processo.

O elemento substancial do princípio do contraditório surgiu para que esse direito fundamental pudesse operar efetivamente no processo. Por se tratar de um direito fundamental, apenas havendo a simples participação da parte no processo estaria ocorrendo flagrante violação, haja vista que ela ficava limitada em suas manifestações. Por isso, sendo o contraditório um direito fundamental, necessário expurgar toda limitação que prejudique os litigantes no processo.

A parte não pode mais apenas, ser citada/intimada para tomar ciência do ato processual e apresentar seus argumentos; deve, sim, conceder a ela instrumentos processuais para que influencie na decisão final do juiz.

Na doutrina moderna, o elemento substancial é chamado de "poder de influência", ou seja, é permitir que a parte seja ouvida em condições que possa influenciar a decisão do magistrado. (MARINONI, 1999, p. 258)

O que se prega é a instituição do processo participativo, no qual as partes podem interagir com igualdade na formação da convicção do juiz. (BEDAQUE, 2003. p. 93).

Assim entende Didier Junior.

Não adianta permitir que a parte, simplesmente, participe do processo; que ela seja ouvida. Apenas isso não é o suficiente para que se efetive o principio do contraditório. É necessário que se permita que ela seja ouvida, é claro, mas em condições de poder influenciar a decisão do magistrado. Se não for conferida a possibilidade de a parte influenciar a decisão do magistrado – e isso é poder de influência, poder de interferir na decisão do magistrado, interferir com argumentos, interferir com idéias, com fatos novos, com argumentos jurídicos novos; se ela não puder fazer isso, a garantia do contraditório estará ferida. É fundamental perceber isso: o contraditório não se implementa, pura e simplesmente, com a ouvida, com a participação; exige-se a participação com a possibilidade, conferida à parte, de influenciar no conteúdo da decisão. (2008, p. 45).

Devido à reformulação no princípio do contraditório, está se abandonando aquela visão de ativismo judicial, em que as partes se manifestavam com o dizer e com o contradizer, e o juiz decidia a lide unilateralmente, levando apenas em consideração o seu subjetivismo e expurgando as manifestações das partes. (FIORATTO e DIAS, 2009, p.5).

Adotando essa nova reformulação, o Projeto do Novo Código de Processo Civil (Projeto de Lei nº 166/2010) versa em trazer à baila a linha principiológica constitucional, obedecendo por completo ao devido processo legal. Na exposição de motivos do Projeto, a Comissão de Juristas enfatiza a necessidade de harmonia entre a lei ordinária e a Constituição Federal, principalmente reforçando a observância ao contraditório.

A necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição Federal da República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua versão processual. Por outro lado, muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios constitucionais, como, por exemplo, as que prevêem um procedimento, com contraditório e produção de provas, prévio à decisão que desconsidera da pessoa jurídica, em sua versão tradicional, ou às ‘avessas’. Está expressamente formulada a regra no sentido de que o fato de o juiz estar diante de matéria de ordem pública não dispensa a obediência ao princípio do contraditório...(sic).(BRASIL, 2010, p. 15)

Aliás, no Projeto, em seu art. 5º, já está positivada essa nova visão principiológica do contraditório, in verbis:

Art. 5º As partes têm direito de participar ativamente do processo, cooperando entre si e com o juiz e fornecendo-lhe subsídios para que profira decisões, realize atos executivos ou determine a prática de medidas de urgência.(grifei)

Com esse poder de influência das partes na decisão final do juiz, o princípio do contraditório está fazendo jus de ser um direito fundamental, pois transforma o processo em diálogo franco entre autor, réu e juiz.


3. AS IMPLICAÇÕES DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NO ATUAL CÓDIGO PROCESSO CIVIL E NO NOVO PROJETO

Dentre as implicações que envolvem o princípio constitucional do contraditório, surgem as tutelas urgentes, as quais são concedidas sem a oitiva da parte contrária "inaudita autera parte", sob pena de que, caso postergada a sua análise, poderá sofrer completa ineficácia.

Daí, surge a questão de um possível favorecimento ao autor, pois estar-se-ia levando a conhecimento do juiz apenas a tese defendida por este. Para se deixar de lado essa impressão de favorecimento ao autor, o contraditório apenas será postergado ao réu, face à efetividade da jurisdição; mas, após a manifestação do réu, através do contraditório, o juiz pode, claramente, revogar a medida antes concedida, pela mesma possuir o requisito de precariedade e provisoriedade.

Importante deixar claro que a antecipação da tutela somente poderá ser concedida, quando estiverem demonstradas pelo autor as situações de risco e perigo de dano, pois, caso não esteja, obrigatoriamente, o réu deverá ser chamado ao processo para apresentar sua defesa.

O Projeto do Novo CPC, em seu art. 9º, também excepcionou o prévio contraditório nas situações de urgência em que o direito do autor pode se esvair com a demora, in verbis: "Não se proferirá sentença ou decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida, salvo se se tratar de medida de urgência ou concedida a fim de evitar o perecimento de direito".

Bueno prestigia a idéia de que há favorecimento ao autor, quando se concedem medidas urgentes sem oitiva do réu e, assim descreve:

o instituto da tutela antecipada ou da antecipação da tutela tende muito mais à realização concreta do princípio da efetividade da jurisdição e da razoável duração do processo do que ao princípio do contraditório ou do devido processo legal, quando analisados, parcialmente, como garantia para o réu, única e exclusivamente. Dito de forma bem simples: a tutela antecipada é instituto que, por definição, prestigia muito mais o autor do que o réu". (2007, p. 68).

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Em sentido adverso do autor acima, Marinoni explica que existem algumas situações de perigo e risco iminente que, caso o réu seja chamado para se manifestar, poderá comprometer a efetividade da tutela. Ainda, continua dizendo que o instituto da tutela antecipada não favorece o autor da ação, ou seja, não há uma violação ao princípio do contraditório, pois, logo após a concessão da medida, o réu é citado para se manifestar; há apenas um contraditório adiado. (2006, p. 138).

Prosseguindo o estudo, tem-se entendido que o artigo 14, parágrafo único do CPC, conhecido como o dispositivo que dá faculdade ao juiz de aplicar sanção às partes e a todos que participam do processo no caso de não cumprir com exatidão os provimentos mandamentais, também deve obedecer à garantia constitucional do contraditório.

Com efeito, antes de qualquer imposição de sanção, há necessidade da intimação das partes e participantes do processo para que coloquem as razões de sua conduta, ou seja, oportunidade de se manifestarem. Para o magistrado, pode estar ocorrendo ato atentatório ao exercício da jurisdição; todavia ao adverti-la essa poderá trazer aos autos as informações que poderão mudar o entendimento do juiz, ou do porquê do não cumprimento de determinada ordem. É com essas medidas que o processo deve prosseguir, o juiz oferecendo à parte ou qualquer daqueles que participem do processo, antes de aplicar a sanção, oportunidade de influenciar na decisão. (DIDIER JUNIOR, 2008, p. 47)

Esse é o entendimento de Braga:

Verificada a prática de um ato de contempt of court pelo magistrado, abre-se a oportunidade ao contemnor para, querendo, defender-se e produzir provas que entenda necessárias. Essa faculdade pode ou não ser exercida; duas são as situações possíveis: o contemnor, a despeito da iminente imputação da sanção de polícia, permanece inerte, não reagindo à possível punição, caso em que o contempt of court não passará de mera questão incidental decidida pelo magistrado, o incidente é solucionado de plano; ou, pode o contemnor irresignar-se contra a potencial imposição da punição e exercer plenamente suas garantias processuais ao due process of law (direito de defesa, produção de provas, julgador imparcial etc.), caso em que se instaura um procedimento incidental para solver o incidente. (2002, p. 36).

O Art. 14, parágrafo único, do CPC, em nenhum momento cita a necessidade de intimação do possível infrator para explicar as razões da conduta, porquanto, pelo contraditório ser um direito fundamental, faz muito bem o magistrado em intimá-lo para que, após isso, caso necessário, aplique a multa.

No mesmo sentido, caminha o Projeto do Novo CPC, em seu art. 66, § 1º, deixando de incluir a necessidade de intimação das partes ou dos participantes do processo sobre a possível aplicação da multa. É imprescindível que conste no corpo do § 1º, do art. 66, que antes da aplicação da multa, seja dada a oportunidade de se manifestarem.

Para que se ajuste à nova visão do princípio do contraditório, sugere-se uma nova redação ao § 1º, do art. 66, do Projeto do CPC:

§ 1º Ressalvados os advogados, que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da Ordem dos Advogados do Brasil, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, após ouvir os envolvidos, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa.

Spadoni, porém, discorda da intimação das partes e dos participantes do processo para se manifestarem sobre a possível aplicação da multa. Para ele, o contraditório e ampla defesa serão salvaguardadas pelas vias recursais. (2002, p. 191).

De outro lado, a doutrina tem colocado que o artigo 599, inciso II, do CPC está em plena consonância com o princípio do contraditório, uma vez que determina que o juiz advirta ao devedor que o seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça. Antes de qualquer punição aplicada pelo magistrado, este oferece ao devedor à oportunidade de se manifestar sobre sua conduta. O citado dispositivo deve ser aplicado, por analogia, em qualquer situação que envolva alguma punição processual a uma das partes. (DIDIER, 2008, p. 46). No Projeto do Novo CPC, especificamente no art. 698, inciso II, não difere em nada do atual Código, ou seja, conservou a nova visão do princípio do contraditório.

Continuando o estudo, cumpre analisar o princípio do contraditório com as questões conhecidas ex officio pelo juiz.

Artigos 131 e 462, do atual CPC, in verbis:

Artigo 131 do CPC: ‘O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento’

Artigo 462 do CPC: ‘Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de oficio ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença’.

Pela análise sucinta dos artigos acima colados, chega-se à conclusão de que o juiz pode reconhecer, ex officio, aqueles fatos que não foram alegadas pelas partes. Imagine-se em um litígio em que as partes estão discutindo determinado assunto e, na decisão final, o juiz se baseia em fato que, em momento algum, foi ventilado pelas partes; isso com certeza, afrontaria o princípio do contraditório.

O que se discute não é a possibilidade de o juiz reconhecer fato e agir ex officio, mas sim a necessidade de intimar as partes para se manifestarem sobre esses fatos. Os litigantes precisam estar cientes sobre os fatos que serão analisados na sentença, para que não sejam pegos de surpresa.

Theodoro Júnior e Nunes ensinam que

o contraditório moderno constitui uma verdadeira garantia de não surpresa que impõe ao juiz o dever de provocar o debate acerca de todas as questões, inclusive as de conhecimento oficioso, impedindo que, em "solitária onipotência", aplique normas ou embase a decisão sobre fatos completamente estranhos à dialética defensiva de uma ou de ambas as partes. Tudo o que o juiz decidir fora do debate já ensejado às partes corresponde a surpreendê-las, e a desconsiderar o caráter dialético do processo, mesmo que o objeto do decisório corresponda a matéria apreciável de ofício (2009, p. 125).

Todo fato ocorrido no processo que traga surpresa às partes, com certeza trará ofensa ao princípio do contraditório. Toda juntada de documentos, novos fatos, despacho do juiz, tudo isso precisa chegar até ao conhecimento dos litigantes para apresentarem elementos que influenciem na decisão do magistrado.

Nesse sentido, Scarpinella leciona sobre o entendimento dos sistemas jurídicos estrangeiros:

Em alguns sistemas jurídicos, a concepção do princípio da cooperação mostra-se tão intenso que se veda ao magistrado que fundamente sua decisão em ponto de vista estranho ao das partes, por elas considerado irrelevante, ou por elas valorada, analisada diferentemente, sem que lhe dê, antes, possibilidade de se manifestar. É dizer de forma direta: se o magistrado entende dar ao caso uma solução que, até aquele instante procedimental, não foi objeto de específica consideração, exame e reflexão pelas partes, elas têm o direito de cientes de qual a análise que o juiz pretende fazer, sobre ela se manifestar anteriormente, de forma a que possam influenciar agudamente na convicção derradeira do juiz. Importante destacar esta última observação. Esta faceta do contraditório mostra-se tão forte que impõe sua observância mesmo naqueles casos em que, usualmente, a prévia e efetiva manifestação das partes não seria sequer concebida, vale dizer, na prática dos atos de ofício do magistrado. (2007, p. 110).

Continuando as matérias de que o juiz pode conhecer de oficio, não se podem esquecer as questões preliminares previstas no art. 301 do CPC; contudo, em consonância com o art. 327 do CPC, obrigatoriamente o magistrado deve intimar a parte autora para que manifeste sobre questões preliminares arguidas pelo réu.

Muitos juízes, utilizando-se do conteúdo do § 4º do art. 301, após reconhecer de ofício matérias preliminares, indeferem de plano a inicial ou extinguem o processo sem resolução do mérito logo após a contestação, sem dar ao menos oportunidade à parte autora de se manifestar sobre o alegado na contestação. Embasam ainda o entendimento no artigo 295, do CPC, em que, em nenhum momento, estabelece a necessidade de intimação da parte para apresentar defesa sobre questões que poderão ser suscitadas no despacho de indeferimento da inicial ou na sentença de extinção do feito.

Observa-se que, se o magistrado agir dessa forma, flagrantemente infringiu o princípio do contraditório, mesmo a legislação processual colocando ser de sua faculdade tal decisão.

Aliás, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou nos REsp 153828/SP - REsp 1196342/PE, no sentido de que há violação ao princípio do contraditório a providência jurisdicional determinada de ofício que surpreende a parte.

Para mudar a concepção da atual visão sobre a necessidade ou não de oferecer oportunidade às partes para se manifestarem com relação às matérias conhecidas de ofício pelo juiz, o Projeto do CPC coloca um ponto final no assunto. O art. 10 menciona que: "O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual tenha que decidir de ofício". E ainda o parágrafo único do art. 110, descreve que "As partes deverão ser previamente ouvidas a respeito das matérias de que deve o juiz conhecer de ofício". No mesmo sentido é o art. 475, "Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir".

Observa-se que esses três artigos estão em plena consonância com a nova visão processo-constittucioanal, que, de maneira alguma, admite que uma decisão judicial venham trazer fatos de as partes não tomaram conhecimento.

Carlos Alberto Alvaro de Oliveira assevera que

a liberdade concedida ao julgador na eleição da norma a aplicar, independentemente de sua invocação pela parte interessada, consubstanciada no brocardo iura novit curia, não dispensa a prévia ouvida das partes sobre os novos rumos a serem imprimidos ao litígio, em homenagem, ainda aqui, ao princípio do contraditório. A hipótese não é pouco comum porque são freqüentes os empecilhos enfrentados pelo aplicador do direito, nem sempre de fácil solução, dificuldade geralmente agravada pela posição necessariamente parcializada do litigante, a contribuir para empecer visão clara a respeito dos rumos futuros do processo. Aliás, a problemática não diz respeito apenas ao interesse das partes, mas conecta-se intimamente com o próprio interesse público, na medida em que qualquer surpresa, qualquer acontecimento inesperado, só faz diminuir a fé do cidadão na administração da justiça. O diálogo judicial e a cooperação, acima preconizada, tornam-se, no fundo, dentro dessa perspectiva, autêntica garantia de democratização do processo, a impedir que poder do órgão judicial e a aplicação da regra iura novit curia redundem em instrumento de opressão e autoritarismo, servindo às vezes a um mal explicado tecnicismo, com obstrução à efetiva e correta aplicação do direito e à justiça do caso. (2003, p.194)

Em relação ao tema aqui tratado, importante trazer ao conhecimento o que dispõe o art. 3º, item 3, do Código de Processo Civil de Portugal:

O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

Mais uma vez, obrigatoriamente, o juiz deve abrir oportunidade às partes para se manifestarem sobre os fatos ventilados, para que não sejam pegas de surpresa na decisão proferida pelo julgador.

Outra matéria importantíssima trazida pelo Projeto do CPC refere-se ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica, que está prevista no artigo 64, in verbis:

Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica serão intimados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas cabíveis".

Cruz e Tucci escreve que o tema merecia urgentemente de tratamento legislativo. No artigo 64 do Projeto do CPC, há total obediência ao princípio do contraditório quando trata-se da necessidade de intimar "terceiro". Quem seria esse terceiro? Quando da desconsideração da personalidade jurídica pode ocorrer que algum sócio já tenha se retirado do quadro social da empresa há muito tempo, dessa forma sendo considerado terceiro. Com isso, para que a responsabilidade patrimonial possa alcançar sócios e ex-sócios, é imprescindível que haja citação de ambos, para que exerçam perfeitamente o contraditório na lide, pois, caso assim não ocorra, haverá violação ao princípio do contraditório. (2010, p. 119).

Por fim, merece destaque a uma questão específica que foi muito criticada pela doutrina quando de sua mudança: trata-se da prescrição que antes havia necessidade de ser alegada apenas pela parte; contudo, a partir da Lei nº 11.280/2006, garantiu-se ao juiz reconhecê-la de ofício, deixando de ser exclusivamente matéria de defesa.

Alexandre Câmara entende que a reforma operada é inócua, uma vez que será sempre preciso compatibilizar o poder do juiz de conhecer de ofício da prescrição com a garantia constitucional do contraditório, insculpida no art. 5º, LV, da Constituição da República. (2006, p.09).

Necessariamente, o demandado deverá ser intimado para se manifestar sobre a prescrição, pois pode haver a intenção de renúncia ao benefício da prescrição, sendo, então, que ocorrerá a renúncia tácita, impedindo o juiz de decretar a matéria ex officio, e, consequentemente, continuar o andamento do feito. (CAMARA, 2006, p. 11).

Em homenagem ao princípio constitucional do contraditório, o Projeto do CPC, no parágrafo único, do art. 469, prescreve que: "A prescrição e a decadência não serão decretadas sem que antes seja dada às partes oportunidade de se manifestar".

Assim, com a implantação desse artigo que trata especificamente da prescrição e decadência, ficará a critério do juiz reconhecê-las de ofício, mas caso assim o faça, as partes terão oportunidade de se manifestar.

Após a análise de alguns dispositivos do Código de Processo Civil e do Projeto, fica clara a imprescindibilidade de oferecer às partes oportunidade para se manifestarem sobre matéria arguida pelo juiz (fato ou circunstância nova) para que numa sentença final não as pegue de surpresa.

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Sobre o autor
Junio Barreto dos Reis

Advogado, Assessor Parlamentar,Pós-Graduando em Direito do Estado pelas Faculdades Integradas de Ourinhos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Junio Barreto. A nova visão do princípio do contraditório.: Uma breve análise do Código de Processo Civil e do Projeto do novo Código (Projeto de Lei nº 166/2010). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2835, 6 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18837. Acesso em: 25 abr. 2024.

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