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Decisão do Presidente da República em processo extradicional.

Impossibilidade jurídica de sua apreciação pelo STF

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06/04/2011 às 15:06
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UMA FUNDAMENTAÇÃO ERRADA, MAS UMA CONCLUSÃO ACERTADA

O ex-ministro Eros Grau nos convenceu de que não só Deus escreve certo por linhas tortas: ele também escreve. Senão vejamos.

Após a inconcebível e cansativa viagem para justificar seu confuso voto concluiu: "... Mas, com relação à discricionariedade ou não do seu ato, eu direi: esse ato não é discricionário porque ele é regrado pelas disposições do tratado" (grifo nosso).

Referiu-se, é claro, o ex-ministro Eros Grau ao ex-presidente da República – o ayatoLula. Sem querer, desnecessariamente, concluiu - "magistralmente" - que o ex-presidente deveria seguir, quanto à entrega do paciente-reclamado, o regramento do tratado.

Bem, quanto à entrega do extraditando a regra que o ex-ministro exige observância está traçada logo no art. 1º do Tratado Brasil-Itália: "Cada uma das Partes OBRIGA-SE a entregar a outra, mediante solicitação, segundo as normas e condições estabelecidas no presente Tratado, as pessoas que se encontrem em seu território e que sejam procuradas pelas autoridades judiciárias da Parte requerente, para serem submetidas a processo penal ou para a execução de uma pena restritiva de liberdade pessoal" (grifos nossos). Portanto, esta é a regra a que se referiu o ex-ministro Eros Grau e que deve ser observada pelo Governo. A conjecturada por ele simplesmente não existe.

Convencidos estamos da "tendenciosidade" do voto do ex-ministro Eros Grau; de que - na impossibilidade de o ex-ministro da Justiça, senhor Tarso Genro, se fazer presente no STF criando embaraços nas mentes dos ministros-juízes – coube a ele a missão de dar continuidade ao clima de terror instalado por aquele desde o início do processo; mas travestindo o terrorismo de falsa juridicidade.

Quisesse ele, ex-ministro Eros Grau, chamar a atenção do ex-presidente para a observância de uma regra "necessária" e que, se não observada, poderia ensejar – temporária ou definitivamente - a não entrega do extraditando à requerente pediria a ele, que atentasse para o quanto contido no art. 91 da Lei nº 6.815/80, que está assim redigido: "Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso:

I - de não ser o extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao pedido;

II - de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição;

III - de comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, ressalvados, quanto à última, os casos em que a lei brasileira permitir a sua aplicação;

IV - de não ser o extraditando entregue, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame; e,

V - de não considerar qualquer motivo político, para agravar a pena".

Também por ocasião da abertura do Ano Judiciário de 2011, o ministro Gilmar Mendes, indagado sobre os pedidos da República Italiana e da defesa do extraditando, assim se manifestou: "Nós vamos analisar dentro dos parâmetros estabelecidos dentro do próprio acórdão [do julgamento do STF]. Os senhores conhecem o acórdão que foi emitido, que reconheceu a competência do presidente da República para definir sobre a extradição nos termos do tratado. Esses são os limites que podemos discutir".

Com todo o respeito que nos merece o ilustrado ministro Gilmar Ferreira Mendes, entendemos, por tudo quanto com muito esforço mental expusemos, que essa análise não tem cabimento no corpo dos autos do processo extradicicional ora em foco. O julgamento está pronto e acabado. Resta tão-só executar o quanto foi nele decidido.


DISCURSO DO PRESIDENTE DO STF, MIN. CEZAR PELUSO, NA ABERTURA DO ANO JUDICIÁRIO DE 2011.

Prezados leitores, permitam-nos transcrever abaixo parte do discurso do Ministro Cezar Peluso.

"As perspectivas do Poder Judiciário, para este ano de 2011, são ambiciosas. Mas, sozinhos, não poderemos concretizá-las na plenitude de suas forças. Não é por acaso que a Constituição prescreve, como afirmação, programa e tarefa, que os Poderes são independentes, mas não podem deixar de ser harmônicos entre si. Se assim tem sido neste já algo longo período de estabilidade político-democrática, que é também obra inegável da atuação do Judiciário, a quadra histórica pede-nos um passo além na construção, não apenas de uma nova consciência cívica, mas sobretudo de uma revigorante cultura de solidariedade, interação e respeito institucionais entre os Poderes, nos limites que nos outorga a Constituição da República.

É mister reafirmar, mediante ações concretas, as duas inseparáveis dimensões republicanas conciliadas no seu texto: a independência do Judiciário, que não abre mão desse predicado que constitui a essência de suas atribuições constitucionais, e a convivência harmônica dos Poderes. Independência, está claro, não é submissão, mas tampouco pode significar oposição sistemática. E a proclamação da harmonia, sobre figurar perceptível exigência da fecundidade das ações práticas, convoca os Poderes para busca permanente de entendimento ordenado ao desenvolvimento virtuoso da nação, entendido não apenas como progresso econômico, mas como avanço social, educacional e cultural, necessários à emancipação da sociedade em todos os planos das potencialidades humanas. Afinal, é essa a razão mesma da existência das instituições do Estado que nos cabe representar neste momento histórico.

Senhora Presidente, ao finalizar, quero agradecer, ainda uma vez, a honrosa presença de V.Exª, que, no ato de abertura do Ano Judiciário, traz o sentido simbólico da confirmação da idéia de harmonia entre os Poderes. E, em nome desta Suprema Corte, manifestar a fundada expectativa de que, sem prejuízo da indeclinável independência, possamos manter uma relação marcada sob o signo do diálogo, da compreensão mútua e da disposição permanente para o elevado entendimento que nos pedem os superiores interesses da pátria" (grifos nossos).

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O recado foi dado. Facilmente se depreende, a tirar pela ênfase que deu o ministro Cezar Peluso ao vocábulo "independência", que doravante o Supremo Tribunal Federal não tolerará ingerência, de quem quer que seja, no exercício de suas prerrogativas constitucionais; que subestimação ao pilar mais substancial da República Federativa do Brasil não será suportada; enfim, que a guarda da Constituição Federal está restaurada. Que assim seja!


CONCLUSÃO

Diante de toda baboseira por nós aqui exposta, mas que, sem qualquer cerimônia, asseveramos ser menos lastimável do que o voto do ex-ministro Eros Grau e a nota do ilustrado causídico doutor Luís Roberto Barroso, concluímos que não cabe ao Supremo Tribunal Federal analisar a compatibilidade de sua decisão, proferida nos autos tombados sob o nº 1085 – Processo Extradicional em que é paciente-reclamado pela República Italiana o senhor Cesare Battisti, cuja procedência foi reconhecida e, por conseqüência, deferida a extradição solicitada –, com a insubordinada manifestação do ex-presidente da República negando o cumprimento do julgado, por ABSOLUTA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA. Não pode o Supremo Tribunal Federal verificar compatibilidade de decisão "judicial", "irrecorrível" e, pois, "imutável", de sua exclusiva competência, com algo juridicamente inexistente. O que cabe agora é a entrega pelo Supremo Tribunal Federal da prestação jurisdicional que lho foi requerida, ou seja, a execução do julgado, o que se concretizará com a entrega do paciente-reclamado à nação requerente. Espera-se, pois, que o Supremo Tribunal Federal oficie o Governo no sentido de que dê cumprimento ao julgado. Assim não procedendo o Governo, espera-se que o STF, como lídimo guardião da Constituição Federal, de ofício, represente por crime de responsabilidade – por desobediência à lei e ao comando sentencial por si proferido - contra o titular do Governo brasileiro, demonstrando que o PODER JUDICIÁRIO não é figura simplesmente decorativa do nosso sistema republicano, mas, sim, seu pilar, seu sustentáculo, mais sólido e que sua decisão não é "uma sentença lítero-poética-recreativa" (Gilmar Ferreira Mendes – ministro do STF).

Por fim congratulamo-nos com o ministro Cezar Peluzo pelo seu pronunciamento na abertura do Ano Judiciário de 2011, onde "reproclamou" a independência do Poder Judiciário brasileiro, pelo que se entendeu que esse principal pilar da República, doravante, assumirá, a qualquer custo, suas prerrogativas constitucionais – principalmente a guarda da nossa tão vilipendiada Constituição. Não mais será subserviente, não mais se sujeitará a subestimações, não mais aceitará ingerências em suas decisões e, assim sendo, não mais se exporá a críticas de pessoas com parcos ou nenhum embasamento jurídico – como nós.

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Sobre o autor
Ubiratan Pires Ramos

Auditor-fiscal do Trabalho, aposentado. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Ubiratan Pires. Decisão do Presidente da República em processo extradicional.: Impossibilidade jurídica de sua apreciação pelo STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2835, 6 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18848. Acesso em: 2 nov. 2024.

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