Como militante na área do direito imobiliário, especialmente o condominial, tenho percebido que nos últimos anos um tema tem se tornado recorrente nas reuniões de condominio em contrução ou já instalados - o fechamento das varandas, através do envidraçamento que vem causando muitas polêmicas, quer pela falta de acordo ou por ausência de regra própria, criando conflitos que se transformam em lides desaguando em nossos congestionados Tribunais.
Possivelmente para um legalista clássico a questão estaria resolvida com a aplicação da legislação positiva albergada no artigo 10 da Lei 4.591/64, cominado com o artigo 1.336 da Lei 10.406/02, tornando defeso ao condômino alterar a forma externa da fachada. Outro óbice que daria consistência à proibição desta providência estaria contida na maioria das convenções condominiais que restringem, ou melhor, proíbem compulsoriamente o "fechamento das varandas", por caracterizar alteração de fachada.
Parece-me, entretanto, que atualmente esta não é a melhor solução para este conflito. Aparentemente é a mais adotada, até mesmo pelo fato de que a maioria das reuniões condominiais são conduzidas por pessoas interessadas, porém leigas em assuntos que envolvem este ramo do direito. Acredito que o melhor caminho para uma deliberação justa e que permita aos interessados a concretização de seus anseios, sem que os mais conservadores tenham suas convicções arranhadas, pela modernidade, está na interpretação da legislação existente de uma forma que tenha como norte a conciliação dos interesses pessoais com a boa convivência comunitária e o interesse comum.
É fato que de alguns anos para cá, especialmente em novos lançamentos na Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e áreas próximas, os imóveis com varandas amplas passaram a traduzir melhor padrão de vida e conforto, para a grande maioria dos compradores, investidores ou não, mas para alguns não basta esta amplitude, é preciso implementar maior segurança nestas áreas, de forma que, por exemplo, os seus filhos pequenos não fiquem expostos a possibilidade de uma queda e em casos de andares mais baixos, melhor isolamento acústico e até mesmo maior segurança ao apartamento.
Anteriormente, fazer qualquer fechamento definitivamente não era possível, pois os materiais disponíveis eram de certa forma toscos e sua instalação, de fato, alterava o "layout" do empreendimento. Assim o mercado inovou adaptando a rede de proteção em nylon, que acabou sendo aceita pela grande maioria dos prédios, digamos por ser um acessório de fácil remoção e que de alguma forma não alteraria a fachada do condomínio. Mesmo assim este equipamento apenas precavê a eventual queda de menores e defende a varanda do arremesso de certos objetos por condôminos mais relapsos, mas ainda deixa a área desprotegida das intempéries e do desconforto acústico e térmico.
Acredito que hoje podemos enfrentar este problema com mais eficiencia e melhor consistência sob o foco da segurança jurídica. Para tal, e em primeiro lugar, temos que nos socorrer dos conceitos que repousam nas expressões – harmonia - tecnologia – segurança. Hoje as técnicas construtivas e de materiais estão muito desenvolvidas, paredes são erguidas e preparadas em horas, os vidros estão mais resistentes e as suas técnicas de encaixe e instalação bem mais garantidas, proporcionado harmonia ao conjunto arquitetônico e segurança a seus moradores.
Em razão desta evolução, o mercado passou a oferecer um novo tipo de fechamento, conhecido como o envidraçamento, onde um mecanismo bem mais leve e eficiente, consegue promover a proteção da área de varanda e ao mesmo tempo pode ser articulado, permitindo que seja aberto, como uma "cortina vítrea".
Ocorre que, como já vimos, além da restrição contida na lei, a convenção do condominial normalmente também joga por terra a pretensão de qualquer condômino que deseje instalar este equipamento. Alguns mais afoitos e sem qualquer consulta e por conta e risco o instalaram e hoje contendem com seu condomínio, arranhando relacionamentos, dificultando a vida comunitária, inclusive financeiramente, pois a contenda gera gastos para todos com a contratação de advogados e assessorias jurídicas para defesa dos interesses condominiais.
A meu juízo, da mesma forma que os materiais e as necessidades humanas e de mercado mudaram e se desenvolveram, devemos nos dar o direito da reflexão e também evoluir no tema.
Inicialmente, e com espeque de nossa convição, precisamos definir se o envidraçamento de qualquer varanda com material translúcido caracterizaria alteração de fachada. Amparado pelo critério da simples observação, pode-se concluir que o "blindex" transparente, quando utilizado em área de terraço ou varanda, fica quase imperceptível. Muitas vezes até mais que a tela de nylon, que, com o tempo, acumula sujeira e se rasga em diversos pontos, ficando bastante aparente e definida para o observador externo. Outro aspecto que, antes de entrar na discussão jurídica, temos que considerar é o da segurança e do conforto do condômino. Nestes nossos dias de aquecimento global e poluições, não resta a menor dúvida que o imóvel fica melhor protegido com este fechamento, principalmente as unidades de andares mais baixos.
Quanto ao aspecto jurídico, parece-me que os dois principais pontos que temos que considerar são: Envidraçar a varanda altera a fachada do condomínio? Este fechamento constitui grave infração a lei e a convenção ?
Hoje, por conta de convenções conservadoras e até retrógradas, muitas das vezes elaboradas através de modelos genéricos, a maioria dos prédios, tanto antigos como recentemente entregues pelas suas construtoras, certamente encontrarão sérios entraves para o deslinde desta situação, pois não há uma regra especifica ou padronização direcionada para tal, incitando cada morador que a seu "gosto e estilo" promova este fechamento, sendo que em alguns casos já nos deparamos com um "caminito carioca" diante da multiplicidade de formas e cores que estes equipamentos são colocados. Neste momento, a expressão padronização ganha muita força e com ela certamente poderemosmos solucionar ou prevenir a maioria das rusgas e lides sobre este assunto. Se é fato que o vidro transparente fica quase invisível quando instalado, o artigo 10 da Lei 4.591/64 não é transgredido, portanto o primeiro questionamento jurídico com relação a alteração da fachada está resolvido.
Resta ainda evitar a poluição visual de formas e multiplicidade de cores, que efetivamente caracterizam a verdadeira alteração que a lei e a convenção de condomínio querem sempre evitar.
Sobre este aspecto o acordão proferido pela 9º Câmara Cível de nosso estado na Apelação Cível 0007169-13.2008.19.0209 em que se enfrentaram o Condominio do Edficio Golden Bali – Coral Bali e Adelson Antonio da Silva, sendo Relator o eminente Desembargador Guarací de Campos Vianna, além de emblemático é didático e abraça as principais questões aqui apontadas, pontificando o princípio da razoablidade:
OBRIGAÇÃO DE FAZER.FECHAMENTO DE VARANDA FRONTAL COM VIDRO.AUSENCIA DE AUTORIZAÇÃO POR PARTE DO CONDOMÍNIO. PEDIDO DE RETIRADA SOB PENA DIÁRIA. PROVA PERICIAL QUE NÃO CONSTATOU ALTERAÇÃO SIGNIFICATIVA NA FACHADA DO EDIFICIO. RÉU QUE TEM FILHO PEQUENO E RESIDE EM ANDAR ALTO. INSTALAÇÃO DE VIDRO INCOLOR E COM EMPREGO DE BOA TÉCNICA. DESNECESSIDADE DE RETIRADA. INTERPRETAÇÃO DO CASO CONCRETO COM EMPREGO DE RAZOABILIADADE E RACIONALIDADE. SENTENÇA CORRETA. DESPROVIMENTO DO APELO
Neste mesmo diapasão, o Egrégio Tribunal paulistano adota a mesma linha interpretativa, não dando ao "simples envidraçamento" status de elemento de alteração de fachada, como se deprende do aresto:
CONDOMINIO – FATO QUE NÃO IMPORTA EM ALTERAÇÃO DA FORMA EXTERNA DA FACHADA – INEXISTENCIA DE VIOLAÇÃO DA LEI OI DA CONVENÇAO CONDMINIAL – ACÃO COMINATÓRIA IMPROCEDENTE – INTELIGENCIA DO ARTIGO 628 DO CÓDIGO CIVIL. O simples envidraçamento de um terraço não implica em alteração da forma externa da fachada que não obstante o acréscimo decorrente dessa obra, se a conserva imutável em suas linhas arquitetônicas. Nº 51.149 – Capital – 4º Câmara Cível do TASP – Votação Unanime.
Nesta mesma linha de pensamento, o Supremo Tribunal Federal se posicionou – Revista Forense 128/458, declarando que, "não constituindo o envidraçamento das varandas inovação da forma exterior do edifício, basta estabelecer o seu modelo, a decisão da maioria dos condôminos.(grifo nosso)
Também o Superior Tribunal de Justiça no corpo do R.E. Nº 981.253 – ES – (2007/0194500-0) manifesta-se sobre o assunto, que se assenta como "luva em mão de dono":
O aresto atacado verificou que a alteração havida é quase imperceptível. Analisando as provas dos autos concluiu que elas "demonstram que a colocação de vidro translucido no interior da unidade autônoma, objetivando a segurança de seus ocupantes e melhor aproveitamento da respectiva área privativa, de forma alguma prejudicou a estética do edifício, com a quebra de sua harmonia, mesmo porque de difícil visualização. "Vê-se que do exame de fotografias e perícias verificou que a modificação ocorrida de nenhuma forma comprometeu a harmonia arquitetônica da fachada"(fls 181)
Desta forma, inclino-me a concluir que nossos Julgadores, respaldados no artigo 5 da Lei 4.657/42, como Salomão, neste aspecto, procuram distribuir justiça atendendo aos fins sociais da Lei e também protegendo o interesse coletivo, sem contudo desamparar a necessidade individual e sempre de maneira pontual.
Agora incumbe ao administrador imobiliário e em especial o operador de direito a missão de preventivamente orientar os gestores condominiais a flexibilizarem a regra condominial ajustando-a estes novos tempos, inserindo oportunamente em Assembleia Geral ou até mesmo convocando uma reunião especifica, para que o tema seja fundamentadamente discutido, definindo o interesse do condomínio de autorizar ou não este envidraçamento. Havendo predisposição para tal, condicionar todas as unidades do edifício a obedecer a um projeto único, ajustado tecnicamente à situação da construção, resistência da varanda e em vidro transparente, de forma que, se todos não utilizarem este equipamento, quando o fizerem obedeçam a uma regra geral, respeitando inclusive a assinatura arquitetônica do conjunto, tudo isto respaldado em ata circunstanciada, com a designação dos materiais, croquis e se possível até um pequeno projeto executivo que possa ficar à disposição de cada interessado. Nessa decisão também devem estar previstas cautelas acessórias, como a proibição inequívoca da instalação de cortinas internas, na área a ser fechada, aparelhos de ar condicionado externos, janelas basculantes etc.
Quanto ao quórum para essa decisão, se entendemos que o envidraçamento da varanda com material translúcido e nas condições aqui mencionadas não caracteriza alteração de fachada, sendo uma medida facultativa e padronizada para todos que vierem a adotar este equipamento, parece-nos que não há grave ofensa ao artigo 10 da Lei 4.591/64, e ao artigo 1.336 da Lei 10.406/02; s.m.j., a maioria simples dos presentes à assembleia regularmente convocada seria suficiente para autorizar a medida.
Cabe o alerta que entendo importantíssimo para a deliberação consciente dos comunheiros – não tenho dúvidas de que este envidraçamento aprovado em assembléia, mesmo não modificando o aspecto visual do condomínio, proporcionará à unidade imediato aumento de sua área útil, o que permitirá a municipalidade rever o seu imposto predial, e cotar a maior o seu cálculo, aplicando a regra da "mais valia". Esta consequência deve ser trazida ao debate pelo presidente da assembléia, de modo que todos os aspectos possam ser pesados na decisão final.
Os incorporadores e construtores podem ajudar propiciando a seus clientes uma convenção de condomínio mais eficiente quanto a este assunto, prevenindo desde cedo futuras desavenças e desalinhadas alterações em seus empreendimentos. Poderiam adotar como sugestão que, ao levarem para registro imobiliário o memorial de incorporação a minuta da convenção, já preveja a possibilidade deste envidraçamento de forma padronizada ou possibilitando esta decisão para uma futura assembléia do condomínio edilício, após sua entrega, estabecendo inclusive o quórum para aprovação e não apenas consignando no documento a tradicional cláusula restritiva a esta ação.
Dessa forma, além de colaborarem com o aprofundamento do debate e a consequente evolução de nosso direito positivo, estarão prevenindo que seu produto ao final não seja descaracterizado por decisões mal encaminhadas ou atitudes intempestivas de certos condôminos, protegendo sua marca, valorizando seu empreendimento, trazendo mais um apelo de venda e minimizando lides estéreis dos condôminos.
Estamos certos de que a matéria e o debate não se esgotam nestes simples pensamentos, mas que estas considerações sobre este tema instigará a reflexão produtiva em busca de um melhor equilíbrio social colaborando para a solução a problemas atuais que vem se acumulando todos os dias nossos Tribunais, além de valorizar nossa atuação profissional como disseminadores de opiniões, trazendo para aqueles que buscam nossa orientação uma posição refletida, madura e equânime.