Artigo Destaque dos editores

O clientelismo em decorrência da distribuição discricionária de cargos comissionados.

Um ato de improbidade que ofende o princípio da moralidade administrativa

Exibindo página 5 de 5
Leia nesta página:

7.conclusão

O fenômeno clientelístico da distribuição discricionária de cargos em comissão, como forma de permuta política ou troca de favorecimentos, tem sido uma prática observada em todos os momentos da história da nação, sobretudo nos tempos mais recentes. Esta prática não é apenas observada nos altos escalões do governo, mas pode ser encontrada desde os mais altos órgãos da Administração Pública até as mais simples prefeituras de pequenas cidades brasileiras. Trata-se, pois, de um fenômeno que foi assimilado culturalmente em nosso país.

No entanto, como se tentou demonstrar nas palavras acima aduzidas, esta prática, chamada de clientelismo, desvia totalmente uma das finalidades da Administração, que é a busca incessante pelo interesse público. À medida que se oferece um cargo a quem quer que seja em troca de voto, apoio político ou dízimo partidário, se faz evidente que não se teve como escopo o interesse da coletividade, mas, pretende-se satisfazer interesses particulares, utilizando-se, para isso, do Estado, da máquina pública e principalmente do dinheiro público.

Ressalte-se, porém, que apesar de muitas vezes o administrador agir em conformidade com os aspectos formais previstos legalmente, ao desviar a finalidade do ato, agindo sobre o fulcro da discricionariedade, a sua conduta estará moralmente viciada. Diante disto, não há como objetar a idéia de que esta prática não atende, em absolutamente nada, aos valores éticos, assim como aos importantes preceitos da honestidade, lealdade e boa-fé. Nesta senda, não se tem como duvidar de que o clientelismo ofende, de forma incontroversa, o princípio da moralidade administrativa.

Como se viu, apesar de só recentemente ter sido introduzido expressamente em uma constituição brasileira, o princípio da moralidade administrativa já vinha sendo considerado existente pelos tribunais, ainda que muito timidamente. Entretanto, agora que já se encontra literalmente enunciado no corpo constitucional, da Lei Maior do país, este princípio, de suma importância à Administração e principalmente aos dos administrados, reclama sua aplicação imediata e imperiosa.

Não se pode mais tolerar abusos dessa natureza. Dispensar concurso público, com o fito de introduzir apaniguados nos quadros da administração pública, visando-se a retribuições que choquem o interesse público, e, além do mais, utilizando-se da máquina e dinheiro públicos para praticar tal ato é ato extremamente lesivo à moral administrativa, devendo ser coibido e punido sempre.

Para isso, entende-se que deve ser aplicada a casos dessa natureza a Lei 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa – com o intuito de punir não só a prática do ato, mas principalmente responsabilizar e penalizar pessoalmente o administrador público transgressor. Tais condutas devem ser repudiadas e reprimidas intransigentemente, sob o jugo da referida lei.

Administradores públicos que praticam tais atos não só maculam a imagem e a moral administrativa, como também, e principalmente, desrespeitam e ofendem dolorosamente a sociedade. Isso gera, sem sombras de dúvida, o descrédito, a desconfiança do povo, tão esperançoso de melhorias, na Administração. Essa desconfiança gerada é difícil de ser apagada, e com isso, só quem perde é a própria sociedade. Não se pode olvidar, aliás, que todos esses desdobramentos levam a algo que a população já até se acostumou a ver: a ineficiência da Administração Pública.

Ademais, enquanto se procura coibir as práticas clientelísticas por meio da Lei 8.429/92, não se pode aguardar inerte a prática do ato para depois reprimi-lo. É nesse sentido que urge a necessidade de uma lei infraconstitucional que regule, impondo limites e critérios sólidos, o inciso II, do artigo 37, da CRFB/88. Entende-se que se deve diminuir ao máximo as possibilidades de contratação de servidores sem concurso público, reduzindo-as aos casos estritamente necessários. Dessa forma, e só dessa forma, poderá se contribuir para extinguir, paulatinamente, as práticas clientelísticas do cenário político brasileiro. Além do mais, só assim se pode valorizar o instituto do concurso público, que é a única forma idônea de valorizar o mérito, a isonomia, e a moralidade na forma de acesso aos cargos públicos.

Por tudo o que foi exposto, resta evidenciado que a nomeação discricionária de cargos em comissão, sem a regra do concurso público, visando a fins diversos do interesse público, em troca de retribuições de cunho particular é prática clientelista que ataca - e fere - o princípio da moralidade administrativa, caracterizando-se por ser ato de improbidade administrativa. Por isso pode – e deve – ser expungida do cotidiano através da Lei da Improbidade Administrativa, sendo necessário ainda o surgimento de uma lei que delimite a atuação discricionária do administrador ao nomear cargos em comissão, tendo por escopo evitar que tais práticas aconteçam.

Neste contexto, exsurge a ciência jurídica, que através de seus operadores deve buscar, numa luta incessante, fazer valer não só a Lei, mas também os valores éticos e morais, preconizando a honestidade e a probidade sempre, assim como, e principalmente, defender impavidamente os princípios norteadores do Direito, afinal, são estes que constituem os alicerces inabaláveis de qualquer sistema jurídico.

Apenas assim é que se conseguirá ter sucesso na construção de uma ciência jurídica sólida e incorruptível, para que, por conseguinte, se possa promover a edificação de uma sociedade plenamente justa e equilibrada.


REFERÊNCIAS

AGÊNCIA ESTADO. Investigação no Senado encontra mais 468 atos secretos. Jornal: O Estado de S. Paulo. São Paulo. Ago/2009. Publicado em 13/08/2009. Online. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,investigacao-no-senado-encontra-mais-468-atos-secretos,418082,0.htm> Acesso em: 10/01/2010.

__________. Jornal mostra ação da família Sarney no setor elétrico. Jornal: O Estado de S. Paulo. São Paulo, out/2009. Publicado em 26/10/2009. Online. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,jornal-mostra-acao-da-familia-sarney-no-setor-eletrico,456375,0.htm> Acesso em 10.01.2010.

__________. Senado criou cargos por meio de 300 atos secretos. Jornal: O Estado de S. Paulo. Brasília. Jun/2009. Publicado em 10/06/2009. Online. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,senado-criou-cargos-por-meio-de-300-atos-secretos,385266,0.htm> Acesso em 10/01/2010.

BAHENA. Kele Cristiani Diogo. O princípio da moralidade administrativa e seu controle pela Lei de Improbidade. 1ª ed. 3ª tir. Curitiba: Juruá, 2006.

BAHIA. Luiz Henrique Nunes. O poder do clientelismo – Raízes e fundamentos da troca política. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

BERTOLAZO, Ivana Nobre. O Princípio da Moralidade Administrativa e suas implicações para a construção de um direito inclusivo. 2009. 112f. Dissertação de Mestrado em Ciência Jurídica. Universidade Estadual do Paraná. Jacarezinho/PR, 2009. Online. Disponível em <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp102445.pdf> Acesso em: 01/11/2009.

BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (de 25 de março de 1824). Online. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao24.htm>

Acesso em 01.11.2009.

__________. Constituição (1988). Texto Constitucional de 5 de outubro de 1998, com as alterações adotadas elas Emendas Constitucionais de n. 1, de 31.03.1992, a 57, de 18.12.2008; e pelas Emendas Constitucionais de Revisão de n. 1 a 6, de 1°.03 a 07.06.1994. 25 ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2005.

__________. Lei n. 8.429, de 02.06.1992. Lei de Improbidade Administrativa. Diário Oficial da União, Brasília, 03.06.1992.

CAETANO. Marcello. Manual de direito administrativo. 1ª ed. brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1970.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual. Dados [online]. 1997, vol.40, n.2, Disponível em <

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0011-52581997000200003&script=sci_arttext> Acesso em: 01/11/2009

COMPROMISSO COM A QUALIDADE HOSPITALAR. Dispara criação de cargos de confiança no governo. São Paulo, AGO/2007. Online. Disponível em: <http://www.cqh.org.br/?q=node/615> Acesso em 07/01/2010.

FARIAS. Francisco Pereira de. Clientelismo e Democracia Capitalista: Elementos para uma abordagem alternativa. Revista de Sociologia e Política nº 15. UFPI. Piauí, nº 15, p. 49-65, jan/2000.

FAZZIO JÚNIOR. Waldo. Atos de improbidade administrativa: doutrina, legislação e jurisprudência. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

FOLHA ON LINE. Governo multiplica por oito criação de cargos de confiança. São Paulo, AGO/2007. Publicado em 27/08/2007. Online. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u323325.shtml> Acesso em: 07/01/2010.

FREITAS NETO. José Alves de. TASINAFO. Célio Ricardo. História Geral e do Brasil. São Paulo: Harbra, 2006.

MEDINA OSÓRIO, Fábio. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública: corrupção: ineficiência. Prefácio Eduardo García de Enterría. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. Imbricações entre política e interesses econômicos – A complexa definição dos fundamentos da monarquia no Brasil da década de 1820. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA E ECONOMIA, V, 2003, Caxambu - MG. Museu Paulista/USP. ABPHE, 2003, p. 14. Online. Disponível em: <http://www.abphe.org.br/congresso2003/Textos/Abphe_2003_98.pdf> acesso em 01.11.2009.

PARTIDO DOS TRABALHADORES. Estatuto do Partido dos Trabalhadores. Brasília, OUT/2007. Online. Disponível em: <http://www.pt.org.br/portalpt/documentos/estatuto-do-pt-31/pagina-1/> Acesso em 07/01/2010.

PARTIDO REPUBLICANO BRASILEIRO. Estatuto do Partido Republicano Brasileiro. Brasília, OUT/2005. Online. Disponível em: < http://www.prb.org.br/> Acesso em: 07/01/2010.

PINTO, Conceição Jorge. Cargos em comissão. Da contratação motivada pela capacitação técnica ao nepotismo e ao clientelismo. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2122, 23 abr. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12682>. Acesso em: 30 set. 2009.

RANGEL, Rodrigo; COLON, Leandro. Grampo mostra negociação de cargo via ato secreto. Jornal: O Estado de S. Paulo. São Paulo. Jul/2009. Publicado em 16/07/2009. Online. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090716/not_imp403457,0.php> Acesso em: 10/01/2010.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

TOURINHO, Rita Andréa Rehem Almeida. Discricionariedade administrativa: ação de improbidade & controle principiológico. 2ª Ed. Curitiba: Juruá, 2009.

VASCONCELOS. Telmo da Silva. O acesso aos cargos, empregos e funções públicas e os princípios constitucionais na gestão pública brasileira. 2006. 107f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí/RS, 2006. Online. Disponível em <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp019845.pdf> Acesso em 01/11/2009.


Notas

  1. A autora menciona como exemplo o caso dos conluios freqüentes entre licitantes no processo de licitação, o que caracteriza ofensa ao princípio da moralidade.
  2. Ressalta ainda Meirelles (2007, p. 90) que, nessa monografia, o autor sustenta a possibilidade do controle judicial da moralidade administrativa até mesmo através do mandado de segurança, o que pressupõe a existência de um direito líquido e certo à observância desse princípio no ato impugnado.

03.A ética da qual se extraem os valores a serem absorvidos na elaboração do princípio da moralidade seria aquela afirmada pela própria sociedade. (TOURINHO, 2009, p. 82)

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Saulo do Nascimento Dias de Oliveira

Bancário, bacharel em direito pela Faculdade Escritor Osman da Costa Lins (FACOL), Pós-Graduando em direito Civil e Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia de Pernambuco (ESA/OAB-PE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Saulo Nascimento Dias. O clientelismo em decorrência da distribuição discricionária de cargos comissionados.: Um ato de improbidade que ofende o princípio da moralidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2839, 10 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18865. Acesso em: 23 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos