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Aspectos relevantes da responsabilidade civil dos hospitais por erro médico típico

10/04/2011 às 11:26
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Sicut medico imputari eventus mortalitatis non debet: ita quod per imperitiam commitit imputari ei debet.

O presente trabalho analisa a natureza da responsabilidade civil dos hospitais decorrente de erro médico típico e demais aspectos imprescindíveis à sua compreensão.

As ações indenizatórias propostas contra hospitais sob a alegação de existência do dever de indenizar proveniente de erro médico típico, ou seja, em outras palavras, resultante de falha humana do profissional da medicina, se tornaram cada vez mais freqüentes no Poder Judiciário. Como se constata da experiência forense, tais demandas são comumente dirigidas em desfavor de hospitais e médicos que formam, portanto, verdadeiro litisconsórcio passivo facultativo. Em algumas ocasiões, ainda que raras, são intentadas apenas contra a entidade hospitalar.

Note-se que não se fala aqui em falha na prestação dos serviços hospitalares, dentre os quais se incluem aqueles que envolvem a enfermagem, os equipamentos, as instalações e outros que digam respeito à infra-estrutura do nosocômio, na medida em que tal hipótese encerra abordagem e conclusão absolutamente distintas daquelas declinadas neste texto.

Advirta-se, prefacialmente, que o advogado contratado para defender os interesses de paciente, em tese, lesado ou de sua família deve analisar com cautela a situação fática que se lhe apresenta, de sorte a evitar provável insucesso do pedido indenizatório porventura deduzido em razão do afã de se obter uma tutela jurisdicional favorável que, numa visão superficial e preliminar, possa parecer indiscutível e indelével.

Aconselha-se, antes de tudo, que haja consulta à literatura médica aplicável ao caso, assim como a profissional da medicina, preferencialmente especializado na matéria e com experiência na elaboração de laudos periciais.

Diante disso, recomenda-se que a petição inicial em casos tais seja acompanhada não necessariamente de um laudo pericial, mas de um parecer prévio assinado pelo médico escolhido pelo advogado e pela parte, além de contemplar todos os pedidos cabíveis (dano moral, dano estético [1], dano material – dano emergente e lucros cessantes – e pensão vitalícia ou a termo, se o caso).

A lide fundada na responsabilidade civil por erro médico típico tende a unir elementos fáticos peculiares a cada caso concreto e que devem ser examinados detalhadamente pelo intérprete, sob pena de se construir pensamentos jurídicos deletérios aos ideais de justiça em função da utilização de modelos rígidos e preexistentes que não se amoldam à realidade.

Destaque-se que para avaliar o desacerto ou não da conduta do médico afigura-se essencial a realização de prova pericial que, caso não seja oportunizada pelo juiz da causa, ensejará a nulidade da sentença por manifesto cerceamento de defesa.

Registre-se, por oportuno, a lição de Cahali, segundo a qual:"ao juiz é defeso, por não ser de sua competência, pronunciar-se por essa ou aquela escola, optar por esse ou aquele método operatório". [2]

A obrigação de reparar, neste caso, depende da culpa do profissional da medicina, ressalvadas as cirurgias plásticas de embelezamento [3], traduzindo, destarte, responsabilidade civil contratual subjetiva estendida aos hospitais e encontra amparo legal nos artigos 186 e 927 do Código Civil [4] incidentes na espécie conjuntamente com o art. 14, caput, do Código do Consumidor, conforme respaldo da teoria do Diálogo das Fontes idealizada pelo jurista alemão Erik Jayme e abordada e defendida, inicialmente no Brasil, pela jurista Cláudia Lima Marques. [5]

Desse modo, ainda que aplicável o Código de Defesa do Consumidor, não é possível concluir pela responsabilidade civil objetiva dos hospitais, segundo abalizada posição doutrinária e jurisprudencial.

Confira-se, a propósito:

Civil. Indenização. Morte. Culpa. Médicos. Afastamento. Condenação. Hospital. Responsabilidade Objetiva. Impossibilidade – 1. A responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação técnico-profissional dos médicos que neles atuam ou a eles sejam ligados por convênio, é subjetiva, ou seja, dependente da comprovação de culpa dos prepostos, presumindo-se a dos preponentes. Nesse sentido são as normas dos arts. 159, 1.521, III, e 1.545 do CC/16 e, atualmente, as dos arts. 186 e 951 do novo CC, bem como a súmula 341 – STF ("É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto"). 2. Em razão disso, não se pode dar guarida à tese do acórdão de, arrimado nas provas colhidas, excluir, de modo expresso, a culpa dos médicos e, ao mesmo tempo, admitir a responsabilidade objetiva do hospital, para condená-lo a pagar indenização por morte de paciente. 3. O art. 14 do CDC, conforme melhor doutrina, não conflita com essa conclusão, dado que a responsabilidade objetiva, nele prevista para o prestador de serviços, no presente caso, o hospital, circunscreve-se apenas aos serviços única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia do paciente (internação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia) etc. e não aos serviços técnicos profissionais dos médicos que ali atuam, permanecendo estes na relação subjetiva de preposição (culpa). 4. Recurso especial conhecido e provido para julgar improcedente o pedido. [6]

Nessa mesma linha de raciocínio, confira-se o posicionamento do jurista Rui Stoco in Tratado de Responsabilidade Civil – Doutrina e Jurisprudência, editora RT, 7ª edição, Título II, Responsabilidade Contratual, p. 760.

Em trabalho apresentado no IV Congresso Internacional sobre Danos, realizado em Buenos Aires, Argentina, em abril de 1995, o Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr., lembrado por RUI STOCO em sua obra acima citada, ensina que:

... o hospital não responde objetivamente, mesmo depois da vigência do Código de Defesa do Consumidor, quando se trata de indenizar danos produzidos por médico integrante de seus quadros, pois é preciso provar a culpa deste para somente depois se ter como presumida a culpa do hospital.

Com efeito, ressalta RUI STOCO na mesma obra que:

Seria verdadeiro absurdo lógico que, direcionada a ação de reparação a pessoa física do médico, se exigisse a comprovação de comportamento culposo como condição para a sua responsabilização, enquanto que, para a responsabilização da pessoa jurídica, com fundamento nesse mesmo comportamento do médico, fosse dispensada a culpa, bastando o nexo de causalidade entre a atuação do profissional e preposto da pessoa jurídica e o resultado danoso.

E, prossegue:

Perceba-se, porque importante, que o caput do art. 14 do CDC condicionou a responsabilização do fornecedor de serviços à existência de 'defeitos relativos à prestação de serviços'.

Tal expressão, embora em contradição com o principio adotado no próprio artigo de lei, induz culpa, máxime quando se trate de atividade médica, cuja contratação assegura meios e não resultado (salvo com relação às cirurgias estéticas e não reparadoras), de modo que o resultado não querido não pode ser rotulado de 'defeito'.

Nesse passo, não há que falar em responsabilidade objetiva dos hospitais, em primeiro lugar, porque a sua responsabilidade depende da apuração de culpa do médico para depois, se for o caso, ser presumida à luz do Código Civil vigente e da súmula 341 do Supremo Tribunal Federal e, em segundo, porque, apesar da aplicação do Código do Consumidor, a expressão "defeitos" tratando-se de atividade médica típica, como visto, induz culpa.

Logo, pelo panorama que se permite visualizar de tais considerações, havendo comprovação de ato médico típico que indique imperícia, negligência ou imprudência, há que se concluir, por corolário lógico, pela procedência do pedido indenizatório formulado pelo interessado contra hospital e médico ou contra apenas o primeiro.

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Se, ao contrário, não restarem provadas quaisquer das modalidades de culpa, a improcedência do pleito é medida que se impõe.

Assinale-se que tal assertiva é válida para os casos em que mesmo ministrados os cuidados necessários provenientes de prévia avaliação e observação de profissional capacitado ante o quadro clínico apresentado pelo paciente o evento danoso fatalmente ocorreu.

Isto porque, cuida-se de obrigação de meios e não de resultados, como explica Regina Beatriz Tavares Silva: "As pessoas que atuam profissionalmente na área da saúde assumem obrigações, via de regra, de meio. Desse modo, a responsabilidade é subjetiva, porque, se a obrigação é de meio e não de resultado..." [7].

Daí resulta importante conseqüência no processo aviado pelo lesado, na medida em que pesará sobre ele, ordinariamente, o ônus da prova de suas alegações, nada obstante a adoção da moderna teoria da carga dinâmica da prova [8] e, se o caso, da técnica de inversão do artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor havendo verossimilhança das alegações ou hipossuficiência do consumidor.

Outro não é o entendimento de nossos Tribunais:

A responsabilidade contratual não pode ser presumida e no caso do médico não o é, porque, via de regra, a obrigação deste é de meio e não de resultado, incumbindo, destarte, ao autor provar se houve com culpa o médico ou o hospital, para fazer jus ao recebimento da indenização pleiteada. [9]

Em sua conotação, pois, o erro médico típico consiste na conduta imperita, imprudente ou negligente atribuível, em determinada circunstância, ao profissional de medicina no desempenho de seu mister e destoante das técnicas indicadas pela literatura médica.

Saliente-se que, a princípio, o hospital possui responsabilidade solidária em caso de comprovação do dano originado de conduta médica censurável e inescusável, excetuando-se as situações nas quais tenha atuado como mero hospedeiro, o que significa que não teve ingerência nos serviços médicos prestados, não tinha a obrigação de fiscalizá-los, como nos casos em que o paciente dá entrada em seu pronto-socorro e, que o médico, no exercício de sua profissão, agiu na qualidade de autônomo.

Sendo assim, não há como responsabilizá-lo por eventual erro do médico que ocupou o espaço físico fornecido, ainda que a título gratuito [10].

Conclui-se, então, que os hospitais respondem solidária e subjetivamente pelos danos causados a terceiros por preposto médico que tenha incorrido em má prática da medicina equivalente à ausência injustificada de emprego das medidas de tratamento da enfermidade ao seu alcance e recomendadas pela comunidade científica, comprovada, diga-se de passagem, por prova pericial técnica.


NOTAS

  1. Quanto ao dano estético, o Superior Tribunal de Justiça já pacificou a questão atinente à sua acumulação com o dano moral quando, ainda que decorrentes do mesmo fato, for possível a identificação isolada de cada um deles. Eis o teor da súmula nº 387: "É possível a acumulação das indenizações de dano estético e moral".
  2. CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 348.
  3. É assente na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que as cirurgias plásticas de embelezamento consubstanciam obrigação de resultado. Nesse sentido: "A jurisprudência desta Corte orienta que a obrigação é de resultadoem procedimentos cirúrgicos para fins estéticos" (STJ, T3, AgRg no Ag nº 1132743/RS, rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 16/06/2009, DJe 25/06/2009).
  4. A natureza subjetiva da responsabilidade civil do médico encontra-se sedimentada desde tempos antigos, consoante se infere do brocardo jurídico de ULPIANO, verbis: Sicut medico imputari eventus mortalitalis non debet, ita quod per imperitiam commisit imputari el debet – Assim como não se deve imputar ao médico o evento da morte, deve-se imputar a ele o que cometeu por imperícia.
  5. Há um artigo brilhante sobre o tema de autoria da jurista denominado de "Superação das Antinomias pelo Diálogo das fontes: O Modelo Brasileiro de Coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002" (Revista da Esmese, nº 07, 2004 – Doutrina – 15).
  6. STJ, T4, REsp nº 258.389, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 16/06/2005.
  7. TAVARES SILVA, Regina Beatriz. Novo Código Civil comentado. coordenador Ricardo Fiuza. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 853.
  8. Segundo Cambi, na moderna teoria da carga dinâmica da prova incorporada ao Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América rompe-se o modelo tradicional do ônus da prova do processo civil clássico "com o escopo de buscar a mais efetiva tutela jurisdicional do direito lesado ou ameaçado de lesão, incumbindo-o à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade na sua demonstração, não requerendo qualquer decisão judicial de inversão do ônus da prova". (CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 341).
  9. TAPR, Ap. nº 128982700, rel. Des. Mario Rau, j. em 22/12/98, Informativo Incijur, Joinville-SC, 13/08/2000, p. 11.
  10. Precedente colhido na jurisprudência ilustra a assertiva: "EMENTA - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - Exclusão decretada por conta da regra do artigo 267, VI, 2ª figura do CPC - Solidariedade que não se presume, mas deve resultar da lei ou do contrato - Ausência de solidariedade do Hospital com o médico já que o primeiro participou como mero hospedeiro sem interferência nos atos de prestação dos serviços - Preposição inexistente- Responsabilidade do Hospital afastada -Decisão reformada - Recurso provido" (TJSP, 8ª Câmara de Direito Privado, AI nº 342.881.-4/9-00, rel. Des. Salles Rossi, j. em 27/10/2004).
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Sobre o autor
José Jorge Tannus Neto

Advogado, professor universitário e autor de artigos e livros jurídicos. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (2008) pela PUC-Campinas. Especialista em Direito Processual Civil (2009) e em Gestão Empresarial (2012) pela mesma universidade, além de especialista em Direito Contratual (2010) pela Faculdade INESP e em Direito Constitucional (2017) pela Damásio Educacional. Mestre em Derecho Empresario pela Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales de Buenos Aires (2018). Mestre em Direito dos Negócios pela Fundação Getúlio Vargas (2020) com a dissertação Convenções processuais em matéria de ressarcimento ao SUS: propostas de "arquitetura contratual litigiosa" entre a ANS e as operadoras de planos de saúde. Pós-graduando em Direito Constitucional Aplicado pela UNICAMP (2020-2021). Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares da UniEduk. Parecerista da Intellectus Revista Acadêmica Digital. Doutorando em Educação pelo PPG Educação da PUC-Campinas. Membro do grupo de pesquisa Política e Fundamentos da Educação (CNPq/PUC-Campinas).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TANNUS NETO, José Jorge. Aspectos relevantes da responsabilidade civil dos hospitais por erro médico típico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2839, 10 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18873. Acesso em: 23 dez. 2024.

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