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Disciplina jurídico-constitucional da iniciativa privada

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01/08/2000 às 00:00
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4. Formas de Controle da Iniciativa Privada

4.1. CADE

4.1.1.Natureza e atribuições

O CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica – é uma entidade autárquica , assim configurada após a lei 8884/94, que tem por finalidade prevenir e reprimir as infrações contra a ordem econômica , aplicando para tanto as disposições da lei que a instituiu e os princípios constitucionais da Ordem Econômica.

Em verdade, o CADE foi criado pela lei 4137/62, mas, conforme crítica da doutrina mais autorizada, restava como um órgão inoperante, sem maior força, que sequer possuía natureza de autarquia, conforme salientou Celso Ribeiro Bastos, ao dizer que, "O que é certo é de fato a inoperância do órgão. A matéria está certamente a merecer revisão de modo que a repressão contra os abusos do poder econômico se torne mais efetiva" (24)

Atualmente não procede mais discussão absolutamente nenhuma sobre a natureza do CADE e a importância e efetividade das funções exercidas por ele, pois, é esta autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, consignado como órgão Judicante, com jurisdição em todo território Nacional. (25)

Conforme observamos da dicção do caput do art. 1º da lei do CADE (26), deve este órgão pautar-se pelos princípios que regem a Ordem Econômica Brasileira, pois, os mesmos, direcionam a aplicação de todas as outras normas atinentes à matéria e dispostas na lei 8884/94.

Afirmação esta – de que o CADE deve pautar-se pelos ditames constitucionais – totalmente despicienda, pois, não é a legislação infraconstitucional que determina quando ela própria deve orientar-se pelos princípios constitucionais e sim, a própria Constituição que orienta as normas Constitucionais quando estabelece princípios para o sistema. Esta afirmação não precisaria constar do texto de lei, pois, os princípios constitucionais da Ordem Econômica estão consagrados no art. 170 da Carta Magna, e , sob qualquer hipótese, se forem desrespeitados, os atos violadores estarão eivados de inconstitucionalidade , não necessitando para isto de estarem consagrados em sede infraconstitucional.

Deve o CADE, no exercício das atribuições que a lei lhe confere, exercer o controle sobre a iniciativa privada quando da prática, por parte desta , de infrações à Ordem Econômica, infrações estas carreadas no art. 20 da lei 8884/94, podendo o CADE, para tanto, promover, através de sua procuradoria a execução judicial de seus julgados, ou , na forma do art. 12, em seu parágrafo único, solicitar ao Ministério Público Federal que – também -promova a execução de seus julgados ou do compromisso de cessação, bem como a adoção de medidas judiciais cabíveis na forma da lei, no exercício da atribuição estabelecida pela alínea b do inciso XIV do art. 6ºda lei complementar nº 75 de 1993. (27)

Percebe-se claramente pelas disposições do art. 20 (28) da lei do CADE que, a principal finalidade do mesmo é coibir condutas lesivas à ordem econômica brasileira, reprimindo os atos abusivos à concorrência e ao exercício da livre iniciativa, podendo, para tanto, impor penas às mais diversas , na forma do art.23 da lei retro-mencionada, como multas,, proibição de contratar com instituições financeiras oficiais, participar de licitações e tantas outras.

Na aplicação destas penalidades, porém , o CADE deverá observar os requisitos de culpabilidade – podemos assim dizer, fazendo uma alusão à culpabilidade em matéria penal, conquanto estas sanções não tenham esta natureza – do infrator, dispostas no art. 27 de sua lei.

Função de extrema importância, no entanto, encontra-se designada no art. 54 da lei do CADE, que define ser da competência deste apreciar todo e qualquer ato que, de qualquer forma possa vir a limitar, prejudicar a livre concorrência ou resultar na dominação de mercado relevante de bens e serviços, considerando-se , que o percentual igual ou acima de 20% de dominação de um mercado é que é considerado para efeitos de análise da referida autarquia.

Desta forma, percebe-se que qualquer ato de concentração econômica, proveniente de fusões ou incorporações resultam a necessidade de uma análise do CADE para verificação da manutenção das condições de concorrência e das demais previstas em lei, como forma necessária de autorizar-se o funcionamento do grupo econômico decorrente do ato de concentração sob análise.

Caso recente em nosso país, envolvendo a análise do CADE referiu-se ao ato de concentração nº08012.005846/99-12, em que envolvia a operação de agrupamento societário das empresas Companhia Antártica Paulista – Indústria Brasileira de Bebidas e conexos ( Antartica) e Companhia Cervejaria Brahma ( BRAHMA), para constituição da AMBEV no setor de bebidas e de malte.

O CADE, no parecer dado ao caso acima, recomendou que, para aprovação do ato, fossem alienados todos os ativos tangíveis e intangíveis correspondentes à integralidade do negócio de cervejas associados à marca Skol e a alienação de uma das duas plantas localizadas em Cuiabá e uma das duas plantas localizadas em Manaus, devendo estas exigências serem cumpridas em seis meses e que seja, também, reexaminado o contrato celebrado entre a BRAHMA e a MILLER.

Porém, em decisão final, prevaleceram outras medidas de restrição, quais sejam , a alienação dos ativos tangíveis e intangíveis da marca BAVARIA e a alienação de cinco plantas, localizadas uma em cada região do país.

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Esta análise do CADE, dentro dos limites de sua competência, tem como objetivo resguardar a livre concorrência no setor de bebidas, para que a nova empresa não acaba eliminando as concorrentes ou prejudicando os consumidores com aumentos extorsivos de preço.

4.1.2. Controle do poder judiciário

A atuação da iniciativa privada na ordem econômica brasileira é consagrada pela nossa ordem constitucional, porém, limitada pela mesma, no que diz respeito à determinados princípios da Ordem Econômica, que ela tem de respeitar ao atuar no âmbito econômico.

Ao mesmo tempo em que a Constituição se preocupou em propiciar condições de atuação da iniciativa privada no âmbito econômico, restringindo a atuação do Estado – princípio da subsidiariedade - , limitou sua atuação , não podendo esta ser exercida de forma ilimitada, sem que se respeite a livre concorrência e os direitos dos consumidores.

Sem dúvida o CADE tem competência para impor punições àqueles que, de qualquer forma, praticarem atos lesivos à ordem econômica, na forma do que dispõe sua legislação específica.

Porém, não pode o Judiciário se abster de examinar quaisquer pedidos, pelos órgãos devidamente legitimados para tal, conforme o art. 29 da lei do CADE, (29) quando se argüir ofensa à ordem econômica.

Traduz claramente este artigo que quaisquer prejudicados, por si ou pelos legitimados pelo art. 82 da lei 8078/90, (30) poderão ingressar em juízo para defenderem seus direitos ou interesses que julgarem ofendidos.

A Constituição, em seu art. 5º , inciso XXXV, dispõe que, "a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito." (31), conseqüentemente, toda e qualquer lesão, ou ameaça de lesão à Ordem Econômica poderá ser apreciada pelo poder judicário, independente de ter sido questionada em qualquer área administrativa. Em última ratio, o juiz decide , pois, possui todos os poderes constitucionais necessários a isto.

Podemos exemplificar da seguinte forma: Pode o Ministério Público Federal, na defesa de direitos ou interesses difusos, e conforme o art.29 da lei 8884/94 e art. 82 da lei 8078/90, ajuizar qualquer ação de natureza preventiva, contra o ato de constituição da AMBEV, com fundamentos pertinentes à defesa da ordem econômica constitucional brasileira, mesmo que, porventura, esta cumpra rigorosamente as recomendações do CADE.

Para acrescentar, iríamos mais adiante, colocando que, na forma do art. 29 da lei 8884/90, também possuiria legitimidade ativa para promover uma ação contra o ato de concentração, a KAISER, diretamente interessada por fazer parte do mercado das concorrentes da AMBEV.

Portanto, não resta dúvida de que, no confronto CADE x JUDICIÁRIO, em que pese o CADE poder, por intermédio dos poderes que lhe foram conferidos, até executar suas decisões, poderá o judiciário desconstituir qualquer decisão proveniente do mesmo, ou ratificar, com base no art.5º, inciso XXXV da Carta Magna Brasileira.

Ademais, cumpre acrescentar que, o judiciário deverá sempre observar a constitucionalidade dos atos promovidos pelo poder executivo, no tocante ao âmbito de intenção no domínio econômico, como sendo próprio de sua esfera ou não. É desta forma que ao judiciário caberá analisar quaisquer formas de intervenção do Estado no domínio econômico, já que o Estado deve sempre dirigir-se, no tocante à atuação estatal, pelo princípio da subsidiariedade, restringindo sua atuação ao necessário ao desenvolvimento de funções relacionadas ao serviço público, ou, aos ditames do art. 173 da Constituição, devendo, se assim for necessário, decretar a inconstitucionalidade destas interferências.


5. CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto ao longo deste trabalho, podemos sintetizar alguns conceitos básicos, quais sejam:

1- Ordem Econômica Constitucional brasileira pode ser designada como parcela da ordem jurídica, do mundo do dever ser, tido como um complexo de normas reguladoras do fato econômico,de suas relações e efeitos, norteados pelos princípios da valorização do trabalho humano e o da livre iniciativa, da soberania nacional, princípio da propriedade privada, seguido da função social da propriedade, da livre concorrência, da defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente, da redução das desigualdades regionais e sociais, da busca do pleno emprego e do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e a administração no país.

2- A atuação estatal na órbita econômica deve se dar na forma do art. 173 , caput da Constituição, pautado pelo princípio da subsidiariedade, só podendo, a intervenção do Estado no e/ou sobre o domínio econômico ocorrer sobre três prismas, quais sejam, o da intervenção por absorção ou participação, a intervenção por direção e a intervenção por indução, não se constituindo a privatização nem a concessão em formas de intervenção do Estado no domínio econômico.

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Sobre o autor
Yuri Carneiro Coelho

advogado, sócio de Campinho, Carneiro & Santiago Advogados Associados, em Salvador (BA), especializado em Direito Penal e Processo Penal pela Escola do Ministério Público da Bahia e mestrando em Direito Público pela UFBA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Yuri Carneiro. Disciplina jurídico-constitucional da iniciativa privada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/189. Acesso em: 2 mai. 2024.

Mais informações

Texto elaborado em julho de 2000. Monografia apresentada ao Professor Doutor Edvaldo Brito, como exigência parcial para obtenção dos créditos necessários para conclusão da matéria Direito Constitucional da Ordem Econômica, no Mestrado em Direito Público da Faculdade de Direito da UFBA

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